sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Um novo tipo de medicina molecular pode ser necessário para combater o câncer

[O câncer é uma doença silenciosa, insidiosa, traiçoeira e terrível, que continua desafiando a Medicina. Traduzo a seguir artigo sobre da revista The Economist sobre a necessidade de uma nova abordagem para combater essa doença.]


Ilustração: Dave Simonds/The Economist (Master Regulator Protein = Proteína Reguladora Principal / Cancer Patrol = Patrulha do Câncer)

Para atacar tumores, médicos precisam concentrar seu foco nas proteínas e não nos genes

Uma das principais percepções ("sacadas") médicas das décadas recentes foi a de que cânceres são deflagrados por mutações genéticas. Entretanto, tem sido difícil aproveitar clinicamente essa percepção para melhorar os tratamentos de câncer.

Um estudo recente com 2.600 pacientes no M.D. Anderson Cancer Center em Houston, Texas, mostrou que a análise genética permitiu que apenas 6,4% dos pacientes pudessem ser tratados com um medicamento que visasse especificamente a mutação considerada responsável por seu câncer. A razão disso é que há apenas umas poucas mutações deflagradoras de câncer e a mesma proporção de medicamentos para combatê-las. Há numerosas outras mutações deflagradoras, mas são raras -- tão raras, que não há tratamento conhecido para elas e, dadas as características econômicas da descoberta de medicamentos, não é provável que se busque encontrá-lo.

Fatos como esses levaram muitos biologistas de câncer a questionar quão útil realmente é a abordagem genética na compreensão e tratamento do câncer. E alguns desses biologistas foram além do simples questionamento. Um deles é Andrea Califano, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. Ele registra que, independente da mutação deflagradora, o padrão de expressão genética -- e a atividade proteínica a ela associada -- que mantém o tumor é, para um dado tipo de câncer, praticamente idêntico de paciente para paciente. Essa percepção ("sacada") dá o ponto de partida para uma abordagem diferente para a busca de alvos para o desenvolvimento de medicamentos. Em princípio, deve ser mais simples interferir no pequeno número de proteínas que direcionam o comportamento de uma célula cancerígena/cancerosa do que na miríade de maneiras pelas quais um câncer pode ser inicialmente deflagrado.

Esta semana, em um artigo na Nature Reviews Cancer o Dr. Andrea e o Dr. Mariano Alvez, seu colega em Colúmbia, reuniram mais de uma década de trabalho em um esforço para entender como se organizam as proteínas que regulam o câncer. Os dois doutores chamam essa organização de "oncotetura".

O clube dos 300

A criação de um modelo ou protótipo oncotetônico de um câncer começa pela análise dos perfis de expressões genéticas de células de amostras desse câncer. Um perfil de expressão genética descreve que genes estão ativos no DNA de uma célula, e quão ativos eles são. Como genes codificam proteínas, esse perfil dá uma noção de quais proteínas, e quantas delas, uma célula está produzindo. Muitas dessas proteínas estão envolvidas com o processo de regular a atividade celular, incluindo crescimento e divisão celular (coisas que dão errado no câncer), através da sinalização de trajetórias pelas quais uma proteína altera o comportamento de outras (algumas vezes de centenas ou de milhares de outras), cada uma delas mudando o comportamento de outras, e assim sucessivamente. Aplicando a esses dados um ramo da matemática chamado teoria da informação, o Dr. Califano mapeia então as conexões dentro de uma célula. 

Uma das descobertas mais importantes é que as redes resultantes têm umas poucas proteínas que são "reguladoras master", que controlam o maior número de outras proteínas. O Dr. Califano, cujo sogro atuou como promotor público contra a Máfia na Itália, as compara com os chefões de uma rede de criminosos organizados. Ele vê seu trabalho como sendo o de formular e resolver os laços entre eles, do mesmo modo com que um detetive estuda uma quadrilha para descobrir quem a comanda.

Até agora, ele analisou dados de 20.000 amostras de tumores e gerou mapas para 36 tipos de tumores. No total, identificou cerca de 300 proteínas que são provavelmente reguladoras master em pelo menos um tipo de câncer. Essas proteínas são organizadas em grupos de 30 em cada tipo de tumor, e provavelmente são, coletivamente falando, responsáveis pelo controle da maioria dos cânceres humanos.

Resulta que as reguladoras masters são em sua maioria proteínas que afetam a transcrição -- o processo que copia informação do DNA para moléculas mensageiras que transportam essa informação para as fábricas de proteínas de uma célula. Na opinião do Dr. Califano, é nessas reguladoras masters que os fabricantes de medicamentos deveriam concentrar-se, já que medicamentos que modificam as atividades de tais proteínas têm a probabilidade de serem amplamente aplicáveis, ao contrário daqueles direcionados para mutações genéticas. 

Na realidade, a escolha de alvos melhores pode ser ainda mais estreita que isso, diz ele -- pois entre seus reguladores masters movem-se furtivamente alguns capi di tutti capi (chefões de todos os chefões). Na opinião de Gordon Mills, do M.D. Anderson, um exemplo de um desses chefões é um receptor de estrógeno que está envolvido no câncer de mama. Este é um fator de transcrição que controla a expressão de muitos genes. Desabilitá-lo com um medicamento como o tamoxifeno, de maneira que ele não possa mais gerir sua parte da rede, é particularmente eficaz. Dr. Mills diz que isso dá um "resultado incrível", qualquer que seja a mutação genética que tenha deflagrado o câncer inicialmente. Um segundo exemplo que ele cita é o da tirosina quinase de Burton, que regula várias malignidades das células brancas do  sangue. 

No topo desses reguladores masters de ações específicas, como peças de software mal escritas, podem estabelecer-se laços (loops) que se retroalimentam e que, uma vez ativados, não cessam de atuar. Em câncer de próstata agressivo, comenta o Dr. Califano, duas proteínas chamadas FOXM1 e CENPF agem em conjunto desse modo para provocar um crescimento do tumor. Em glioblastoma, um câncer do cérebro, três proteínas cooperam para deflagrar e manter o câncer. E, de acordo com John Minna, do Centro Médico Sudoeste da Universidade do Texas, em Dallas, duas proteínas reguladoras masters governam a malignidade do câncer de pulmão de pequenas células.

Entretanto, o Dr. Minna enfatiza a necessidade de precaução na abordagem via reguladores masters. Em primeiro lugar, ele comenta que há muitos reguladores masters conhecidos e suspeitos na classe das proteínas que se mostraram difíceis de serem afetados por medicamentos. Em segundo lugar, nem todos os reguladores masters sugeridos pelo trabalho de modelagem do Dr. Califano mostraram-se agindo como tais em laboratório. São necessárias mais experiências para ver quais desses candidatos são realmente mafiosos proteínicos, e quais são meros informantes que foram acusados incorretamente. 

Para esse fim vários estudos estão sendo feitos. Um, na própria Universidade de Colúmbia, está recrutando voluntários com câncer para ver se atacar supostos reguladores masters em seus tumores opera em culturas de células ou quando partes desses tumores são implantadas em ratos de laboratório. Se essa abordagem der dividendos, isso sugerirá que atacar reguladores masters pode ser um meio eficaz para tratar câncer. Juntamente com medicamentos existentes vinculados a mutações particulares, e uma classe de farmacêuticos recentemente emergente que mobilizam o sistema imunológico contra tumores, detonadores de reguladores masters podem prover uma terceira forma de ataque molecular preciso contra essa mais temida das doenças.

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