quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Os seres humanos mais antigos estão na Austrália

[Traduzo a seguir reportagem de Javier Sampedro publicada no jornal espanhol El País.]

O professor Eske Willerslev fala com anciões aborígenes no sudoeste da Austrália - (Foto: Preben Hjost/Mayday Film)

Há populações humanas que até agora se viram pouco representadas nos estudos genômicos, como os primeiros povoadores da Austrália. Uma falha, porque a primeira leitura do genoma de 83 aborígenes daquele continente e de outras 25 pessoas de Papua Nova Guiné resultou em um tesouro científico. Os aborígenes australianos diferem entre si tanto como um espanhol de Cádiz difere de um chinês de Pequim. Isso implica que faz muito, muito tempo que os aborígenes ocuparam a Austrália, tanto que são a população viva mais antiga do planeta, e que saíram da África antes que o resto da humanidade.

Saber quantas vezes a humanidade saiu da África, quando ocorreram essas migrações e o que ocorreu com elas são perguntas essenciais sobre o passado de nossa espécie. Os cientistas apresentam agora em quatro pesquisas na revista Nature a melhor resposta que o conhecimento atual permite. O chefe de um dos trabalhos, Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague, garante que a pesquisa "foi fascinante, porque os aborígenes australianos são a população viva mais antiga da Terra". 

A comparação dos genomas aborígenes com os dos resto da humanidade, incluindo seus vizinhos asiáticos e oceânicos mais próximos, mostra que "emigraram da África antes" que os demais humanos modernos, há 60.000 anos ou mais, quando as atuais Austrália e Papua ova Guiné estavam unidas. Muitos milênios depois, quando o aumento do nível do mar isolou a Guiné da Austrália, os dois grupos interromperam seu fluxo genético -- deixaram de ter sexo -- resultando daí que sua distância genética á agora semelhante à que separa europeus e asiáticos orientais.

Mas, nem sequer a dos aborígenes foi a primeira migração de humanos modernos fora da África. Em outra pesquisa, Luca Pagani e seus colegas do Biocentro Estoniano de Tartu mostram que os atuais habitantes de Papua Nova Guiné carregam em seu genoma sinais apreciáveis (mais de 25% do DNA)de uma população humana mais antiga ainda, um grupo humano que se separou dos africanos antes que os euroasiáticos o fizessem.

Os cientistas estonianos deduzem que esses fragmentos genômicos provêm do sexo que deve ter havido entre os ancestrais dos papuanos e uma migração que fez o mesmo trajeto muito antes: saiu da África há uns 120.000 anos. As quatro pesquisas apresentadas na Nature estão assinadas por equipes de pesquisa genômica de 35 países, incluindo a Espanha. Elas revelam a complicação que a genômica está imprimindo à história do Homo sapiens, como já havia feito com os hominídeos.

Prossigamos com as perguntas: de onde  viemos? A resposta é: da África. Os primeiros ossos iguais aos nossos estavam ali há 150.000 anos. Mas, por que não saímos da África até dezenas de milênios depois, talvez 100.000 anos depois? Isso representa muito tempo, muito mais que a totalidade da nossa existência fora do continente que nos viu nascer. Os Homo sapiens originais só nos assemelhavam na aparência? Tinham ainda que evoluir seu cérebro até os nossos padrões? Extinguiram-se aqueles humanos "anatomicamente modernos", como se costuma chamá-los para sublinhar que eram mais idiotas do que nós?

Parece que não. David Reich, da Universidade de Harvard, e seus colegas apresentam também na Nature os genomas de 300 pessoas de 142 populações que, assim como os aborígenes australianos, estavam pouco representados nos estudos da variedade humana. Seu principal achado é muito marcante: demonstra que os humanos atuais começamos a divergir há 200.000 anos. Isso encaixa com a data de datação dos primeiros crânios iguais aos nossos. E confirma que nossos primeiros pais não se extinguiram, mas sim que seguem vivendo em nosso genoma.

A equipe de Harvard exibe sua sofisticação matemática com um dado assombroso: a velocidade de mutação genética aumentou cerca de 5% desde que saímos da África. A explicação para isso é curiosa: o tempo entre gerações diminuiu desde então, isto é, temos filhos quando somos mais jovens do que nossos ancestrais africanos. Quanto mais um indivíduo se reproduz, mais oportunidades de mutação permite aos filhos. Daí que os vírus sejam os regentes da evolução na Terra.

A espécie que fugia do frio

A teoria original out of Africa (fora da África) postulava que toda a humanidade atual que vive fora desse continente provém de um pequeno grupo de Homo sapiens que saiu dali há uns 50.000 anos. Os cientistas consideram agora que não houve uma, mas quatro migrações para fora da África que ocorreram ao longo dos últimos 120.000 anos. E que as quatro tiveram relação com as mudanças climáticas associadas às variações da órbita terrestre.

Segundo o modelo construído por Axel Timmermann e Tobias Friedich, da Universidade do Havaí em Honolulu, as migrações representam quatro ondas associadas às grandes formações glaciais desse período, que abarcaram estes quatro intervalos: 106.000-94.000; 89.000-73.000; 59.000-47.000 e 45.000-29.000 anos atrás. Os resultados de seu modelo se encaixam muito bem com os dados paleontológicos e arqueológicos. 

O destino da humanidade parece assim estar, depois de tudo, escrito nas estrelas, como diria um poeta antigo. Porque esses ciclos gelados foram causados diretamente pelas alterações da órbita terrestre. Outras mudanças climáticas de menor escala se associam a migrações de população de um caráter mais local.


2 comentários:

  1. Muito boa essas informações. Pelos ciclos anteriores pesquisados, parece que uma nova era glacial está próxima.

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  2. Recebido por email de Francisco Jose Duarte de Santana:

    Homem branco é tão bonzinho. Adora fazer lindas pesquisas sobre aborígenes australianos. Mas como tratou eles durante a colonização da Austrália?

    A Austrália, hoje protegida pela mídia ocidental, no futuro vai ser considerado o país mais racista do mundo. Pois tinha um projeto oficial de esbranquiçamento de raça, para não ficar no futuro um vestígio de raça que não fosse a branca anglo-saxônica. Esse projeto implicou em ações violentas contra os aborígenes locais e contra imigrantes de outras raças diferentes da branca europeia.

    Os filhos de mães descendentes de aborígenes foram sequestrados e dados para famílias brancas que só permitiriam o casamento com famílas brancas até o esbranquiçamento total. Na Austrália no futuro só poderia ter raça branca; esse era o lema, AUSTRÁLIA BRANCA.

    Ver links abaixo:

    http://superedge.blogspot.com.br/2008/01/racismo-na-australia-brancos-vs-negros.html
    Também nessa época ocorreu algo terrível: As crianças Aborígenes foram tomadas, separadas à força de suas famílias.

    Isso mesmo. O pai e a mãe foram expulsos de país, ou exilados em algum deserto e seus filhos pequenos viraram propriedade do Estado e foram dadas para famílias Brancas e Puras para serem criadas e educadas pelos padrões Europeus.

    Assim como o Napalm, eis mais um terrível exemplo do que é capaz a crueldade humana. Imbutir na mente da criança que é melhor ser identificado como Branco do que ser como Negro.

    http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL297159-5602,00-AUSTRALIA+PEDE+PERDAO+AOS+ABORIGENES+POR+INJUSTICAS+DA+COLONIZACAO+BRANCA.html

    O primeiro-ministro se referiu aos "maus-tratos do passado" sofridos por todos os aborígenes e não só pelas "gerações roubadas", como são chamadas as milhares de crianças mestiças retiradas de suas famílias até 1970 com o objetivo de assimilá-las pela sociedade branca, enquanto se esperava que os aborígenes puros desaparecessem.

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