quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O estranho mundo das agências reguladoras brasileiras

Agências reguladoras são agentes importantes para o desenvolvimento do país, mas sua atuação deixa muito a desejar. Já abordei o tema dessas agências em postagens anteriores -- ver "Agências reguladoras brasileiras: visões internas e externa (III)".  

O Brasil possui hoje as seguintes agências reguladoras:



A maioria das siglas dessa sopa de letras é conhecida, bem ou mal, à excessão talvez da ANTAQ. Todas essas agências têm pelo menos dois aspectos em comum: - i) têm desempenho pífio, péssimo, ausente ou prejudicial ao país; - ii) nenhuma delas se preocupa em estabelecer diálogo permanente e transparente, principalmente para orientá-lo em seu procedimento e comportamento para maximizar seus benefícios. Alguém já viu, por exemplo, alguma campanha ostensiva e permanente da ANA e da ANEEL orientando o consumidor a poupar sempre o consumo de água e energia elétrica e/ou racionalizar sempre seu uso? No governo Dilma, além disso não existir, o consumidor foi criminosa e irresponsavelmente estimulado e insuflado a aderir ao consumismo. Deu no que deu.

Outro detalhe que caracteriza uma uniformidade na atuação das agências é sua atitude complacente com relação a descumprimento de normas e regras pelas empresas dos setores cujas atividades elas, as agências, regulam. Os prazos que as agências concedem às empresas para se enquadrarem em novos procedimentos, só para citar um exemplo, são inexplicavelmente longos e definidos por critérios que ninguém conhece (a não ser, talvez, as próprias agências e as próprias empresas afetadas ...) -- e, não raro, quando tais prazos não são cumpridos, sua prorrogação é concedida sem grandes esforços.

Não raramente, é difícil entender os limites de ação de cada agência e se não há superposição entre algumas delas, como é o caso da ANA e da ANVISA, ambas do Ministério da Saúde. A ANS tem por objetivo promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regula as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, e contribui para o desenvolvimento das ações de saúde no país. A ANVISA tem por objetivo proteger a saúde da população ao realizar o controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços que devem passar por vigilância sanitária, fiscalizando, inclusive, os ambientes, os processos, os insumos e as tecnologias relacionados a esses produtos e serviços. A Anvisa também controla portos, aeroportos e fronteiras e trata de assuntos internacionais a respeito da vigilância sanitária.

A área de saúde é delicada e de extrema importância para a população, mas a falta de comunicação e transparência deixa o contribuinte às cegas quanto ao grau de proteção que está (ou não) recebendo. A ANVISA é um caso clássico. Há, por exemplo, 5 medicamentos proibidos lá fora e comercializados no Brasil

Pílulas Diane 35 (fabricante: Bayer) - O caso mais recente de remédio proibido no exterior, mas ainda à venda no Brasil. Na França, o medicamento, que tinha seu uso liberado para tratamento dermatológico, mas era largamente usado como pílula anticoncepcional, foi proibido após mortes ligadas ao seu consumoNo Brasil, a proibição francesa gerou um alerta nas autoridades da Anvisa, e a pílula (que aqui também é indicada para acne, mas comumente usada como anticoncepcional) passou a ser monitorada, mas permanece disponível.


Sibutramina - proibido em: União Europeia, Estados Unidos, Austrália, Uruguai, Paraguai, entre outros. A sibutramina é indicada para pessoas obesas e pode ajudar a perder até 2kg em um mês. Há uma condição, porém: o paciente não pode sofrer de problemas cardíacos. Isso porque estudos mostram que o uso da substância aumenta os riscos de doenças cardiovasculares e alterações no sistema nervoso central. Por conta desses riscos, a sibutramina já foi proibida na União Europeia e Estados Unidos, entre outros países.

No Brasil, ela pode ser comprada com receita médica e assinatura de um termo de responsabilidade. Por aqui, a Anvisa já quis proibir o remédio, mas recuou após pressão de associações médicas e pacientes. Outros emagrecedores (a base de anfetaminas) já foram proibidos, e a sibutramina segue em observação.

Dipirona - (proibida nos Estados Unidos e na Suécia, entre outros países) - Já tomou Neosaldina ou Novalgina? Dois dos principais remédios para dor de cabeça e gripe são proibidos nos Estados Unidos porque contêm uma substância chamada dipirona sódica. Por lá, só é possível comprar remédios como Tylenol, que usam paracetamol como ingrediente ativo.

Para a FDA (Food and Drug Administration), dos EUA,  a dipirona causa choques anafiláticos com mais frequência que seu concorrente. O caso é polêmico, já que a dipirona foi criada na Alemanha (onde a venda é permitida) e o paracetamol é mais utilizado por empresas americanas.

Avastin - (proibido nos EUA) - O Avastin é um medicamento que reduz o crescimento de novos vasos sanguíneos. Ele é comumente usado como uma droga para tratar diferentes tipos de câncer. Nos Estados Unidos, a substância deixou de ser usada para o tratamento de câncer de mama, permanecendo aprovada para outros tumores, como colorretal. Segundo as autoridades americanas, não havia evidência de que o Avastin aumentasse ou melhorasse a qualidade de vida das pacientes. Por outro lado, os efeitos como pressão alta e hemorragias ainda eram comuns nas pacientes. 

No Brasil e em diversos outros países, a droga permanece indicada para o tratamento de câncer de mama.

Hormônio do crescimento - Proibido em EUA, França e Alemanha, entre outros países) - Esse caso é um pouco mais específico. O hormônio é usado para tratar crianças com deficiência no crescimento (alguns adultos também podem se beneficiar do tratamento). Por aqui, ele é usado em sua forma natural ou sintetizada, mas em países como Estados Unidos a versão natural é proibida por manter os possíveis danos colaterais (o hormônio pode prejudicar o sistema nervoso) sem necessariamente trazer os benefícios, já que ele pode não ser eficaz se houver algum problema na sua extração.

A análise da lista acima se revela preocupante e instigante. Por que a Anvisa permite a venda no Brasil de medicamentos proibidos em países conhecidos por sua extrema preocupação com a saúde de seus cidadãos, e dotados de respeitáveis recursos de pesquisa e tecnológicos muitas vezes não existentes em nosso país? A agência nos considera  seres humanos diferenciados e super-resistentes a males que afligem (ou podem afligir) seres inferiores como americanos, alemães, suecos, etc? Ou ela simplesmente é incapaz de resistir ao lobby dos fabricantes desses medicamentos, em conluio ou não com certos médicos ou organizações deles? O caso da sibutramina é emblemático e altamente preocupante. 

Há outros casos, raros, em que a Anvisa é atropelada pelo Congresso Nacional, como na questão da famosa "pílula do câncer", cuja distribuição os parlamentares demagógica, irresponsável e criminosamente autorizaram pela Lei 13.269/2016, sem quaisquer testes científicos prévios que respaldassem sua eficácia. O Congresso promulgou a lei e Dilma, também demagógica, irresponsável e criminosamente a sancionou. Essa esculhambação ética e científica foi finalmente derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que em maio deste ano decidiu suspender a aplicação daquela lei por considerar inconstitucional a distribuição do remédio sem estudos que comprovem sua eficácia.

Outro desleixo irresponsável e irritante da Anvisa é com a propaganda de remédios na televisão, com a conivência corporativa e irresponsável do Conar (Conselho Nacionalde Autorregulamentação Publicitária). Já abordei esse tema em 2014 e 2015 -- ver, por exemplo,  "Continua a propaganda indiscriminada de remédios na TV e rádio, e ninguém faz nada!". As propagandas na televisão são feitas sempre sobre fundo azul, uma cor relaxante e que não transmite nenhuma sensação de alerta ou perigo -- a cor correta seria o vermelho. Além disso, a mensagem falada é feita de maneira ultrarrápida e geralmente ininteligível, qualquer que seja a natureza do remédio e a eventual restrição que o acompanha. O texto escrito sobre a restrição também é de duração curta, e sua leitura é prejudicada pelo locutor que fala a jato. 

A ANATEL é outra campeão de ineficiência. As operadoras de telefonia e internet há anos são campeãs no ranking de reclamações dos usuários e a agência simplesmente é incapaz de enquadrá-las e colocá-las na linha. Rolam multas, que são questionadas na Justiça (outra personagem nefasta nesse teatro), os problemas não são corrigidos, os consumidores continuam sofrendo com o baixo padrão dos serviços e la nave va.

A aviação civil brasileira sofre a interferência de dois órgãos, a ANAC e a Infraero. A primeira, regula e fiscaliza as atividades do setor, enquanto a Infraero tem por finalidade implantar, administrar, operar e explorar industrial e comercialmente a infraestrutura aeroportuária e de apoio à navegação aérea, prestar consultoria e assessoramento em suas áreas de atuação e na construção de aeroportos, bem como realizar quaisquer atividades, correlatas ou afins, que lhe forem conferidas pelo Ministério supervisor (no caso, a Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República). Estranhamente, após reunião com o presidente em exercício Michel Temer, em 27 de junho, ministros do Núcleo de Infraestrutura e demais líderes do governo no Congresso, o líder do governo na Câmara, André Moura, afirmou que o Ministério dos Transportes estuda novo modelo de participação da Infraero nos aeroportos. A Infraero obedece a dois senhores?! Ou o "líder" do governou trocou as bolas?

Apesar de se colocar como entre as três maiores operadoras aeroportuárias do mundo, a Infraero apresentou prejuízo de R$ 3 bilhões no ano passado, ante perdas de R$ 2 bilhões em 2014. Como é que pode?! De acordo com dados do balanço da empresa, a receita bruta da companhia foi de R$ 2,7 bilhões ante R$ 2,9 bilhões, queda de 9,2% (mas o prejuízo aumentou em 50%). Além disso, os 60 aeroportos operados pela Infraero, registraram 112,3 milhões de embarques e desembarques, o que representou estabilidade no comparativo com 2014. Eis mais uma estatal ineficiente.

Outra característica negativa das agências reguladoras, além de serem cabides de empregos e instrumentos de "compensação" para políticos que perderam eleições ou para afilhados de políticos que o governo precisa agradar, é seu baixíssimo -- para não dizer nulo -- grau de independência. Os governos fazem delas o que querem, e isso piorou tremendamente nos quase 14 anos de governos petistas, em que se fez nesses órgãos o máximo de aparelhamento possível e imaginável. O exemplo mais notório e patético de submissão extrema ao governo observa-se nas agências reguladoras do setor energético (ANP e ANEEL, especialmente esta última), nas quais Dilma mandou e desmandou desde que virou czarina da área energética já na montagem do programa de governo de Lula.

O péssimo desempenho das agências reguladoras em geral, pelas razões expostas e outras não tão visíveis, repercute na sua precária fiscalização e supervisão de inúmeras concessões privadas no país. Uma porcentagem ponderável dos erros e falhas de empresas em concessões de serviços públicos -- usados por mal-intencionados e cínicos para criticar as empresas privadas e defender uma maior estatização da economia -- decorre pura e simplesmente da omissão, do despreparo e da irresponsabilidade das agências reguladoras responsáveis pela fiscalização desses empreendimentos.

Além das agências reguladoras, temos outros órgãos que infernizam nossas vidas. Um deles é o DENATRAN - Departamento Nacional de Trânsito, subordinado ao Ministério das Cidades e responsável pela palhaçada do uso de extintor tipo ABC em veículos de passeio, que primeiro foi obrigatório (obrigando milhares de proprietários de veículos a comprá-lo) e depois foi definido como optativo

Para provar que não só órgãos públicos fazem besteiras e lambanças, temos o exemplo da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, uma entidade privada sem fins lucrativos que se notabilizou recentemente por ter criado o monstrengo de uma tomada elétrica exclusivamente brasileira, algo para nos envergonhar para sempre.





Um comentário:

  1. A nossa mentalidade ainda é de um estado grande. Quanto mais orgãos para cagar regra melhor.

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