terça-feira, 14 de junho de 2016

A confusa e distorcida polêmica do rombo da previdência

[Praticamente todo brasileiro adolescente ou adulto cresce e cresceu ouvindo profecias apocalípticas sobre o futuro do sistema previdenciário oficial no país. Há realmente um argumento de peso e assustador, que é o fato da população brasileira estar envelhecendo e, em futuro visível ou previsível, haverá mais gente drenando do que injetando recursos no sistema. Essa é uma realidade incontestável.

Na receita indigesta do futuro negro das aposentadorias há, no entanto, ingredientes desnecessários ou fictícios que só fazem azedar ainda mais o resultado. Há um cheiro forte de tramoia no ar, carrega-se nas tintas para surrupiar dados importantes e esclarecedores para o cidadão que custeia isso tudo. Por isso, reproduzo a opinião de Cláudio Damasceno ("Causas do buraco") publicada em O Globo. O autor tem conhecimento de causa e sua argumentação é séria; ele é presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional). Foi o melhor texto que já li sobre o assunto até agora. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Causas do buraco

Cláudio Damasceno -- O Globo, 06/6/2016

Seminário realizado recentemente pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp) trouxe uma pesquisa com resultados estarrecedores. Um deles: 94% dos brasileiros não têm a menor noção de onde vem o dinheiro para pagar as aposentadorias. Mas antes de o governo Temer pretender reformar a seguridade social, é preciso desfazer a armadilha — alicerçada na desinformação — em que caímos.

A aceleração da crise começou com a concepção do atual modelo de pagamento e arrecadação, previsto na Constituição de 1988. Ainda que quase 30 anos atrás não se calculasse que a expectativa de vida no Brasil aumentaria, já ali deixamos de tomar medidas para a Previdência Social tornar-se sustentável.


Uma das causas de déficit são os 20% da Desvinculação de Receitas da União subtraídos da Previdência. A situação só piora quando se sabe que a arrecadação para os pagamentos do INSS é aplicada em outros setores do governo — quando é de fato aplicada, porque se incluirmos a gatunagem nessa conta o buraco se aprofunda.


A inclusão dos trabalhadores rurais no rol de beneficiários é outro fator de aperto nas contas. Tal despesa não é Previdência, mas Assistência Social. Apesar de ser uma questão de respeito àqueles que passam toda a vida no campo — muitos sem acesso aos básicos direitos —, a concessão do benefício aumenta o gasto e contribui para o discurso do déficit. Como esses trabalhadores jamais contribuíram com o INSS, a balança se desequilibra. O prato da previdência urbana fica “mais leve”, mesmo superavitário.


O governo é pródigo em invenções. E o de Dilma Rousseff teve uma ideia formidável para promover o consumo, “esverdear” as contas públicas e distribuir alegrias: a desoneração. Tentou-se criar virtude via ingenuidade monetária. Acreditou-se que ao favorecer empregadores, dispararia a contratação de trabalhadores, que consumiriam, e cujo resultado é a arrecadação de impostos resultante da compra de bens e serviços. Mas as desonerações impactaram a seguridade e turbinaram o rombo nas contas, cujo “cálculo honesto” dá R$ 170,5 bilhões.


O governo formou comissão para elaborar a reforma da Previdência. Mas não estaria na pauta o ataque às causas que tornam eternamente insuficientes os recursos da seguridade. Se entre as medidas corretivas não estiverem o combate à má gestão, à concessão de benefícios fiscais incabíveis e ao desvio de finalidade, tudo será provisório. Podem elevar para 65 a idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres que em duas décadas a rediscutiremos. Uma nova ilusão induzida pela desinformação.


Para ter sucesso, a reforma da Previdência deve resumir os recursos arrecadados à finalidade essencial — a seguridade social.


[Como visto acima, há argumentos importantes para explicar o déficit previdenciário que nos são sonegados nas discussões oficiais sobre o tema. A aposentadoria do trabalhador rural é um deles. A concessão desse direito, como foi feita, tipifica para mim mais uma infração à Lei de Responsabilidade Fiscal: criou-se uma despesa sem a contrapartida da receita correspondente, já que o trabalhador rural não tem histórico de contribuição previdenciária. Em 2000 (governo FHC) foi definido que o trabalhador rural poderia se aposentar sem ter contribuído -- é de FHC, portanto, a responsabilidade inicial por essa insanidade. O estranho é que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada por ele exatamente no ano 2000.


O rombo gerado pela aposentadoria rural é impressionante. Artigo interessante e informativo de Ludmila Pizarro ("Déficit da Previdência Social vem de benefícios rurais") de 15/5/2015 afirma: 


'A preocupação do governo com o aumento dos gastos diante da aprovação da proposta de flexibilização do fator previdenciário no Congresso Nacional pode ser desnecessária. Para o advogado Thiago Gonçalves de Araújo, sócio do escritório de advocacia Roberto Carvalho Santos e membro do Instituto de Estudos Previdenciários, o déficit da Previdência Social hoje tem outra origem: pagamento de aposentadorias rurais para cidadãos que não contribuíram para a Previdência. “Não vejo esse impacto que diz o governo, porque o déficit vem de benefícios rurais. A Previdência urbana é superavitária. Nos anos 90, houve esta iniciativa de pagar o benefício para trabalhadores rurais que não contribuíram. Foi uma decisão de cunho social, está certo, mas gerou o déficit”, diz Araújo. Em 2014, o déficit da Previdência foi de R$ 58 bilhões, sendo que no meio urbano o superávit previdenciário foi de R$ 25,88 bilhões e o déficit rural chegou a quase R$ 84 bilhões (o destaque é meu). A diferença é paga pelo Tesouro Nacional'.


Mais uma caridade demagógica e irresponsável (digo eu). Não que o trabalhador rural não mereça aposentar-se com um mínimo de decência, mas é indispensável um mínimo de honestidade orçamentária para criar e financiar esse benefício. 


Há um outro fator a considerar, que embora possa não ser significativo em números é gigantesco em termos de indecência: a aposentadoria dos parlamentares. Já no índice de correção da aposentadoria parlamentar há uma imoralidade. O Ministério da Previdência Social calcula a correção das aposentadorias do INSS com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O reajuste dos deputados aposentados pela Câmara acompanha o índice de aumento dos subsídios pagos aos parlamentares na ativa, fixado, aliás, pelos próprios parlamentares. Um absurdo!

De 1999 a 2015, o agora extinto IPC - Instituto de Previdência dos Congressistas (foi substituído pelo Plano de Seguridade Social dos Congressistas) consumiu a bagatela de R$ 2 bilhões! Neste mesmo link, veja a lista de deputados aposentados e os valores de suas gordas aposentadorias.]




3 comentários:

  1. Se não se compreende perfeitamente o problema, a solução proposta pode até agravá-lo. É muito fácil culpar o trabalhador - em virtude de ele estar vivendo mais - todos os trabalhadores têm de trabalhar mais. Para aqueles que entram bem mais tarde no mercado de trabalho, como normalmente os filhos das classes média ou alta, passar a idade mínima para 65 anos pode não fazer muita diferença. Para políticos nem se fala, já que o regramento para a aposentadoria deles é completamente diferente do trabalhador comum. E porque eles iriam se interessar em trabalhar para corrigir os problemas da Previdência, se é mais fácil propor que outros trabalhem mais para suportar o sistema?

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  2. Se o ser humano fosse previdente, reservaria uma parte do ganho para fazer face aos gastos na velhice, sem a necessidade de enviar seus recursos para um instituto previdenciário. O problema é que pouca gente pensa em poupar. E, com a gatunagem que até o governo pratica (v.g. o desvio dos fundos dos trabalhadores nos IAPs para a construção de Brasília e os planos econômicos que lesaram os aplicadores em caderneta de poupança), quem está seguro? O contrato social está corrompido... e muito... O ideal seria o trabalhador economizar, aplicar em conta segura. Para a doença/saúde, sim, uma parte dos seus rendimentos deveria ir para uma conta no governo que proporcionasse tratamento completo, sem entidades privadas. Assim como para a educação, claro. Mas quem garante a idoneidade dos 'responsáveis' após esses escândalos do Mensalão, Lava-Jato, BNDES, etc?...

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  3. Recebido por email de Francisco José Duarte de Santana:

    Não é polêmica. É orquestração.

    Já houve a primeira orquestração que durou até mais ou menos 2012, quando foi desmoralizada e aí pararam por algum tempo.

    Agora houve uma nova ordem para se fazer a reforma da previdência a toque de caixa e recomeçou outra orquestração.

    Como a fraude contábil da primeira orquestração foi desmoralizada, eles inventaram outra agora.

    Primeiro, deficit da previdência é uma frase de efeito sem nenhuma consistência contábil.

    O que existe de fato é uma seguridade social que inclui INSS e SUS que há mais de 25 anos só dá superavit. E despesas da união com inativos para os quais não existe previdência, que estão fora da Seguridade Social, não ser chamadas de deficit também pois despesa não é deficit. Deficit é receita menos despesa.

    Comecemos pela Seguridade Social. Haveria deficit se as receitas menos as despesas da Seguridade Social desse negativo e a União tivesse que aportar recursos emergenciais para compensar. Mas acontece justamente o contrário, o resultado da seguridade social dá positivo e a União confisca esse resultado para pagar suas contas, principalmente juros e serviços da dívida. E a União tem retirado mais do que permitido pela DRU. Em média durante o período FHC foram retirados 20 a 25 bi por ano.; no período Lula 60 bi por ano.

    Quanto ao funcionalismo público, suas aposentadorias não podem ser pagas pela Seguridade Social: é ilegal, proibido pela LOSS. Antes o funcionalismo tinha o IPASE, mas foi extinto pela DITADURA. E o IPASE não pagava as aposentadorias mas as pensões dos cônjuges. As aposentadorias sempre foram pagas por verbas alocadas nos orçamentos dos diversos ministérios. E isso não é deficit, mas despesa, que é outra coisa.

    Mas os servidores descontam para a previdência inclusive aposentados agora, dirão. Atualmente esse dinheiro deveria ser devolvido numa compensação para a União. Mas essa questão tem uma longa história que começa com a aberração perpetrada em 1965 de contratar funcionário pela CLT. Isso gerou um imbróglio que teve de ser equacionado depois da constituinte criando o Regime Jurídico único a partir de 1990. Mas é uma longa história.

    A expectativa de vida de 73 anos.

    Expectativa de vida não é parâmetro para definir a idade mínima para se aposentar, principalmente no Brasil onde há gritantes disparidades regionais.

    Vamos usar como exemplo o caso do Meireles.

    O Henrique Meireles se aposentou aos 56 anos de idade no estado de Massachusetts onde a expectativa de vida é de 80,3 anos. Se aposentou com 28 anos de serviço (no Brasil não se aposentaria por uma previdência pública) e com uma aposentadoria de 84.000 mil dólares por mês, uns 400.000 reais.

    Vamos nos prender apenas à idade coma qual se aposentou. Nas grandes corporações americanas, eles aposentam seus quadros de executivos com a idade de 55 anos. Acham que acima de 55 anos as pessoas não estão mais aptas para essas funções com a mesma produtividade. Então o que define a idade para se aposentar, não é a expectativa de vida local, mas a capacidade de trabalhar naquela função com determinada idade.

    Sabe-se que hoje em dia, um trabalhador tem dificuldade de arranjar um novo emprego quando tem acima de 40 anos.

    Então a solução é aposentar, ou demitir, ou reciclar. Está provado que reciclar não funciona além de ser também despesa para a sociedade. Demitir simplesmente cria-se um problema social que vai também criar despesa para a sociedade. Então a solução é aposentar. E o critério mais simples e justo é o de tempo de serviço; quem entra no mercado de trabalho mais cedo sai mais cedo também. Muto justo.

    O Meireles quer impor para o Brasil aposentadoria só depois de 65 anos. Ora, um cidadão de Alagoas do sexo masculino tem expectativa de vida d 65 anos e alguns meses; então a maioria se aposentaria para morrer logo em seguida.

    Esse é um pontapé inical, pois como se trata de orquestração maliciosa tem muito mais mentira e mistificação sobre Previdência.

    Continua.

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