sexta-feira, 8 de abril de 2016

Quanto custa realmente um alimento?

[Traduzo  a seguir um artigo muito interessante do site Spiegel Online International. Não deixem de acessar esse artigo no site, porque ele contém gráficos interessantíssimos que não podem ser copiados. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Colheita de soja no Brasil - (Foto: AP)

Um quilo e meio de batatas frescas nesta semana custa apenas € 1,29 em alguns supermercados alemães. Mas, essa é a história toda? Os custos ambientais são quase sempre completamente ignorados. Algumas pessoas, no entanto, estão tentando mudar isso. 

Um quilo e meio de batatas frescas por apenas € 1,29 [R$ 5,26], alface em oferta especial nesta semana por apenas € 1,49 [R$ 6,07]: as pechinchas das compras de mercado se acumulam sobre a mesa da cozinha. Morangos a € 3,99 o quilo [R$ 16,26] ainda são bastante caros, mas a estação na realidade ainda não começou. Então, como esses preços foram calculados, e eles refletem o valor real dos produtos? [Em 06/4/2016 o site do supermercado Zona Sul indicava: batata - R$ 4,99/kg; - alface lisa - R$ 3,69/unidade; - morango quase pronto - R$ 40,00/kg]

Os preços de bananas, carne, pão e de outros gêneros alimentícios são determinados basicamente por sua oferta e sua demanda -- e algumas vezes por subsídios, quotas e especulação de preços. Mas  os preços não incluem contribuições feitas pela natureza. Essas contribuições incluem coisas como o uso de água limpa ou terras férteis. Produtos químicos prejudiciais, gases ou partículas poluentes emitidos durante a produção não são igualmente determinados e explicitados no preço, nem para os produtores nem para os consumidores. 

"O capital natural [da natureza] bastante frequentemente é grátis. E bastante frequentemente é sub-avaliado porque é grátis", diz Richard Mattison, CEO da Trucost. Sua empresa assumiu a tarefa de por uma etiqueta  de preço na natureza. Utilizando modelos matemáticos, Mattison e sua equipe estão tentando identificar o valor que se perde quando empresas poluem ou destroem o meio ambiente. "Fazemos com que, seguramente, o valor desses sistemas naturais seja admitido e reconhecido", diz Mattison. Os cálculos da Trucost têm como objetivo ajudar as empresas a otimizar seus processos de produção, assessorar investidores no dimensionamento dos riscos ambientais e permitir que cientistas pesquisem melhor a dependência  da economia em relação aos recursos naturais.

George Monbiot considera que esse é o caminho errado a se tomar. Essa abordagem, disse o autor e ambientalista britânico em uma palestra em 2014, "significa não proteger o mundo natural das depredações da economia". Monbiot considera que colocar uma etiqueta de preço no meio ambiente é semelhante a subordinar sua proteção ao capitalismo. Princípios como comercialização e a busca de crescimento econômico, diz ele, têm sido extremamente danosos à vida do planeta. Ele considera que abordagens como a da Trucost estão tentando agora apresentar esses mesmos princípios como a salvação  do planeta.

Para Mattison, porém, a conexão entre recursos naturais e investimento financeiro é clara. "Em locais onde árvores foram cortadas vimos grandes secas, e a consequência dessas secas é que é preciso gastar dinheiro. E é dinheiro de fato que se está gastando: capital financeiro, porque o capital natural foi perdido".

Qual o custo da natureza? 

Entretanto, como desflorestamento, poluição das águas ou emissões danosas podem ser convertidos em dinheiro? "Se você avaliar a água corretamente, ela será associada com escassez", diz Mattison. Agindo assim, significaria que "produtos que dependem de muita água onde a água é escassa tornar-se-ão mais caros" [mas, em que base alguém decidiu fazer um produto sedento de água onde ela é escassa?!]. Isso, porém, não é frequentemente o caso. "Por exemplo, em Jeddah (localizada no deserto da Arábia Saudita), o preço da água é de três centavos [de dólar] por metro cúbico, e em Copenhague a água  custa mais de US$ 7 por metro cúbico. Frequentemente, diz Mattison, subsídios são os culpados por tais disparidades no custo da água. A Trucost busca incluir tais  fatores em seus cálculos.

Mattison e sua equipe buscam também por cifras em outras formas de danos ambientais, como por exemplo os efeitos da poluição sobre seres humanos e o meio ambiente. Na China, por exemplo, emissões prejudiciais causam danos econômicos que valem de 5% a 10% do PIB do país, diz Mattison. Esses custos surgem sob a forma de custos médicos adicionais devidos a doenças respiratórias, colheitas ruins e danos a edifícios causados por chuva ácida. "O rendimento de colheitas na China é em média de 7% a 15% menos do que a média mundial", diz ele. "Em outras palavras, você precisa de mais terras para produzir por causa  da poluição do ar".

Com base nessa abordagem, a Trucost calculou quanto mais custaria um pacote de ceral para o café da manhã, uma garrafa de suco de fruta ou um pedaço de queijo se as demandas sobre a natureza fossem levadas em conta. Os resultados: o cereal custaria 49 centavos mais, o suco por volta de 16 centavos e o queijo tanto quanto 1 euro. Os cálculos para esses três gêneros alimentícios foram feitos usando valores padrões de mediana. Se fosse analisar os produtos pertencentes a uma marca específica, os resultados seriam mais variados. Preços diferem, dependendo de onde e como um produto é produzido. Além disso, é impossível incluir cada fator ambiental até seu último detalhe. Os cálculos seriam demasiado complexos.

Os custos reais

Amostras de cálculos para vários gêneros alimentícios.

[Aqui aparecem os gráficos da Trucost que não me foi possível reproduzir neste texto. Há um gráfico da análise de um pacote de 51g de cereal, 1 litro de suco e um pedaço de 34g de queijo. No gráfico de cada produto são destacados  em termos percentuais o preço de varejo, o valor da perda, dos poluentes do ar, dos poluentes do solo e da água, dos gases de efeito estufa e da água. Os custos encontrados foram (em dólar):

cereal para café da manhã (51g):
água -- 0,323
gases de efeito estufa -- 0,059
poluentes de água e solo -- 0,127
poluentes do ar -- 0,037
perdas -- 0,003
valor de varejo -- US$ 3,50

suco de fruta (1 litro):
água -- 0,083
gases de efeito estufa -- 0,047
poluentes de água e solo -- 0,022
poluentes do ar -- 0,028
perdas -- 0,004
valor de varejo -- US$ 3,0

queijo
água -- 0,457
gases de efeito estufa -- 0,389
poluentes de água e solo -- 0,166
poluentes do ar -- 0,16
perdas -- 0,007
valor de varejo -- US$ 6,50]

Para os três gêneros alimentícios, a água é o fator decisivo. Para o cereal, ela é necessária para cultivar o grão, para a produção do suco ela é necessária para fazer crescer o fruto, e as vacas precisam dela na produção do leite para se fazer o queijo. Fazendeiros pagam pela água que usam, mas o preço que por ela pagam não necessariamente reflete seu real valor. Se se levar em conta a disponibilidade de água no local da produção, ela tem um efeito significativo sobre o preço do produto. Para o cereal da amostra, por exemplo, o preço varia entre € 3,29 [R$ 13,40] e € 4,68 [R$ 19,07] dependendo do suprimento de água.

[Embora seja importante que nós, em nossas casas, procuremos evitar o consumo exagerado de água, o uso doméstico não é o principal responsável por esse elevado consumo. Se analisarmos detalhadamente as atividades que mais consomem água no mundo e também no Brasil, constataremos que existem várias atividades socioeconômicas que gastam ainda mais os recursos hídricos.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), é a atividade agropecuária a principal responsável pelo uso da água. De acordo com a entidade, 70% de toda a água consumida no mundo é utilizada na irrigação das lavouras, número que se eleva para 72% no caso do Brasil, que é um país com forte produção nesse setor da economia.

Depois do setor agrícola, vem a atividade industrial, que é responsável por 22% do consumo de água no mundo. Somente depois vem o uso doméstico, que é responsável por cerca de 8% de toda a utilização dos recursos hídricos. Esse cenário revela que não apenas as casas e os comércios devem economizar, mas também os setores primário e secundário da economia, adotando medidas de contenção da utilização de água.

Se considerarmos apenas a chamada água virtual do mundo, ou seja, a quantidade de água empregada para a produção econômica sem contar o consumo direto, a agricultura passa a deter 67% da utilização de água, seguida pelo cultivo de animais, com 23%, e depois pela indústria, com 10%. Isso significa que as medidas de economia da água inevitavelmente perpassam pela adoção de medidas no espaço rural.

Para se ter uma ideia dessa diferença de consumo, vamos considerar alguns exemplos: para produzir 1 kg de carne de boi, são utilizados 15,4 mil litros de água; uma camiseta de algodão custa 2,5 mil litros; uma tonelada de aço leva 300 mil litros; e um carro gasta mais de 400 mil. No meio agrícola, a soja é uma das campeãs, com 1,8 mil litro para cada quilo produzido – lembrando que o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais desse produto.]

O preço depende da água

Amostras de cálculos para os mesmos gêneros alimentícios acima, dependendo da disponibilidade de água.

[Aqui também não foi possível reproduzir os gráficos da reportagem. Os preços são dados em dólar. Custos encontrados para as mesmas amostras:
● cereal para café da manhã -- preço médio: US$ 4,07 -- faixa de variação: US$ 3,74 - US$ 5,33]
suco -- preço médio: US$ 3,19 -- faixa de variação: US$ 3,11 - US$ 3,35
queijo -- preço médio: US$ 7,68 -- faixa de variação: US$ 7,26 - US$ 8,22.]

Cálculos difíceis

Entretanto, para Mattison, CEO da Trucost, variáveis como essas não são razão para que não se façam tais análises. Sua empresa trabalha até com a Organização para Alimentos e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), da ONU. Juntas, estão desenvolvendo diretrizes que visam a prover assistência quando se tratar de estimar a quantidade de capital natural usada na produção de alimentos. Em um relatório conjunto, Trucost e FAO calcularam quanto capital natural é utilizado na produção de diferentes colheitas e de  produtos de carne, dependendo do local onde  foram produzidos. Aqui também foram encontradas diferenças significativas.

Custos para agricultura no Brasil, por exemplo, são frequentemente particularmente elevados porque muito das terras usadas tanto para agricultura quanto para pastagem estava uma vez coberto pela floresta amazônica. O alto custo da produção de aves domésticas na Indonésia, ao contrário, pode ser rastreado até as emissões de gases de efeito estufa, que são particularmente extremas no país. Quando se trata do cultivo de cereais, a Alemanha tem ranking baixo por causa das quantidades relativamente grandes de fertilizantes que utiliza.

Capital natural exigido para produção agrícola

Custos em dólares por tonelada

[Aqui também não foi possível reproduzir os gráficos da reportagem. Os preços são dados em dólar/tonelada. Fiz uma tabela com os principais países e respectivos resultados do estudo:




Alemanha Austrália Brasil China EUA França Holanda Rússia
Milho
x
x
1030
672
286
1606
x
x
Arroz
x
x
x
566
x
x
x
x
Soja
x
x
1367
x
618
x
x
x
Trigo
2700
x
618
723
x
1409
x
414
Carne (boi)
x
31071
444
19566
23313
x
x
x
Porco
4969
x
x
6343
2177
x
26222
x
Aves domésticas
x
x
2537
2236
2136
x
x
2729

Pó mágico

Mas, esses cálculos podem ter influência sobre a produção de gêneros alimentícios e de outros produtos? Para Mattison, o objetivo é promover uma nova maneira de pensar que, no final, resultará em uma produção mais sustentável. "Não diria que em cada caso o alimento deve se tornar mais caro. Diria apenas que precisamos baixar o custo real dos alimentos". Sua empresa está preparando os fundamentos para que isso aconteça.

O ambientalista Monbiot, entretanto, não considera que colocar uma etiqueta de preço resolva de fato qualquer problema. "Dinheiro, diz ele, não é nenhuma espécie de "pó mágico que você espalha sobre todos os problemas não resolvidos". Em vez disso, diz ele, a ideia de capital natural simplesmente aumentará o poder daqueles que têm dinheiro.

Mattison, o CEO da Trucost, também admite que os cálculos em si mesmos não mudarão muito. Mas acredita que a mudança virá uma vez eliminados os subsídios danosos -- tais como os subsídios para combustíveis fósseis, fertilização excessiva e água em regiões áridas. "Na Arábia Saudita eles costumavam ter  um subsídio muito significativo para a água. Na realidade, eles costumavam dar água de graça para a pecuária de leite e as vacas eram borrifadas com água todos os dias. Essa água era produzida por dessalinização, um processo muito caro e também muito prejudicial  ao meio ambiente porque é muito intensivo em carbono".

Em alguns casos, diz Mattison, dependência de fontes naturais pode ser significativamente reduzida pelo retorno a métodos de produção tradicionais e mais sustentáveis. A Unilever, por exemplo, treinou 400.000 produtores de chá em vários países para espalhar o uso do enxerto nas plantas de chá nas suas lavouras. Esse método poupa ao mesmo fertilizante e dinheiro.



  


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