quarta-feira, 20 de abril de 2016

A ciência do prazer: porque gostamos do que gostamos

[Traduzo a seguir artigo do site BBC Mundo sobre o mecanismo do prazer.]

O artista simbolista austríaco Gustav Klimt era todo um mestre pintando o prazer, como demonstra o quadro Danae, de 1907 - (Foto: Creative Commons) - Ver  postagem anterior


3,4-dihidroxifenilalanina. É isto que está por trás do prazer. Uma substância química produzida pelas células nervosas do cérebro para enviar sinais às demais células. No entanto, não é tão simples ... nem tão complicado.

Nosso circuito do prazer pode ser acionado por algumas coisas óbvias e outras não tão óbvias. "Há algumas coisas de que gostamos porque estamos programados para gostar delas, como consumir alimentos, beber água e ter relações sexuais", explica à BBC David Linden, professor de Neurociência na Universidade John Hopkins, de Baltimore (EUA), e autor de um livro chamado  "O compasso do prazer". 

"Há outras coisas de que aprendemos a desfrutar. Por exemplo, enquanto estamos programados para que o que é doce nos agrade, as preferências pessoais estão determinadas mais que tudo pela experiência individual, a aprendizagem, a família, a cultura --todas as coisas que nos fazem indivíduos", diz Linden. 

Chocolate? Claro que sim! Mas lhe faltam alguns anos para ver se aguenta o  amargor de uma cerveja - (Foto: Pixabay)

"As pessoas gostam das coisas com que cresceram", acrescenta o especialista. "Por exemplo, vivo em Baltimore e aqui há gente que gosta de pimentas e outras não. Se vivesse no México, é muito provável que quase todas as pessoas que conhecesse gostariam de pimentas".

Acontece a mesma coisa com os animais? Os animais de estimação aprendem a desfrutar das coisas que comem seus donos, apesar de seus instintos? "Os gatos mexicanos desenvolvem o gosto por pimentas? Não, nunca. Isso é algo que os humanos podem fazer, mas os animais não, e não sabemos porquê". 

Nada de amargores

Seja porque seja, assinala Linden, estamos programados para não gostar do que é amargo. Na natureza, frequentemente as coisas amargas são tóxicas, assim pois você não deve comê-las, ou precisa  prepará-las com cuidado. "É por isso que, não raramente, uma criança -- que ainda não conhece muito de comida -- recusa as coisas amargas. À medida que crescemos, à medida que vamos aprendendo sobre o que devemos e não devemos comer, pode ser que nos agradem algumas coisas amargas", esclarece Linden. 

Ocasionalmente, a genética desempenha um papel em nossos gostos. Linden cita o exemplo do coentro. 

"O coentro é bom, mas nem tanto", dizem por aí - (Foto: Pixabay)

"Há quem o odeie, e há quem o adore. E agora sabemos que todos que o odeiam têm uma mutação em um receptor olfativo particular no nariz, que deteta um produto químico que é liberado quando se mastiga o coentro". 

Entretanto, isso não ocorre muito amiúde. Um estudo de irmãos gêmeos que cresceram em locais diferentes mostra que o grosso das preferências alimentícias é aprendido, e não herdado.

Coisas bonitas, belos sons

Samir Zeki ensina Neuroestética no University College, de Londres. Pesquisa a maneira pela qual a beleza nos dá prazer. "Me especializei no cérebro visual e nas respostas efetivas -- como desejo, amor, beleza --  que desencadeiam estímulos visuais", explica ele. 

Nem todos os prazeres nascem iguais, mas terminam sendo - (Foto: Pixabay)

"Quando se experimenta ou se vivencia uma beleza -- em uma paisagem, em uma peça musical, na matemática, em um rosto, em um corpo -- não importa de que forma, a mesma parte do cérebro emocional é acionada. É o centro do prazer no cérebro, e está associado à satisfação. E é que, se você considera que a beleza é prazer, é gratificante, é que isso faz parte do mesmo estado afetivo, da elevação ou grandeza do prazer, de satisfação, de recompensa". 

Mas, todos os prazeres são iguais? O prazer que nos dão as drogas, o sexo ou a comida, todos atuam da mesma forma no cérebro? 

"Uma das coisas que descobrimos é que, quando se trata de prazer, parece haver um santuário interno de regiões do cérebro que são unitárias", responde Morten Kringelbach, um neurocientista que  trabalha nas Universidades de Aarhus, na Dinamarca, e Oxford, no Reino Unido. "Para mim, isso isso é potencialmente muito interessante e surpreendente", opina ele e exemplifica: "Se se pensa no prazer que nos dá a comida, isso é sentido de maneira muito diferente  do prazer que nos é proporcionado pela música. Entretanto, todas as informações indicam que provavelmente não deveríamos nos guiarmos por nossas experiências: os sinais elétricos em zonas específicas do cérebro são os mesmos". 

Assim, aqueles ou aquelas que dizem que o chocolate é muito melhor que o sexo talvez estejam comendo um chocolate muito bom.  

Um, dois e três!

Como já antecipamos, no fundo de tudo isso existe algo com um nome muito longo:  3,4-dihidroxifenilalanina ou, se preferir, de maneira mais resumida, dopamina. 

Esta é uma  representação da essencial dopamina, que rege o nosso prazer - (Foto: SPL)

"Sabemos que a dopamina é crucial, que se você aumentar sua quantidade o prazer aumenta, e se você a retirar a capacidade de sentir prazer ficará bloqueada. E sabemos que ela atua em locais particulares do cérebro, que se forem destruídos você deixará de sentir prazer. O que ainda é um mistério é por quê a liberação de dopamina nessa parte do cérebro produz prazer", destaca Linden. 

Qualquer que seja a razão, o prazer chega em três fases de acordo com Kringelbach:
● primeiro vem o desejo: antecipação, anseio, ânsias;
● depois há  um período do gosto: desfruta-se da  comida, do vinho, do sexo, do filme, ou da metanfetamina;
● finalmente vem a saciedade: o período da satisfação.

Por que insistem em controlar nosso prazer?

Moça fumando maconha em frente à Corte Suprema do México, enquanto se discutia o tema da legalização da droga em novembro de 2015 -- ela foi aprovada para uso recreativo - (Foto: BBC Mundo)

As autoridades, assinala Linden, querem regular/regulamentar o  que fazemos, assinala Linden.   

"Estou falando de sexo e  drogas. Dizem: 'você não pode ter relações sexuais se não estiver casado' ou 'não pode pagar por elas' ou 'não pode ser homossexual'; e não pode consumir nenhuma droga que acione seu centro do prazer, seja ela nicotina, álcool, maconha, etc', enquanto outras pessoas dizem 'você pode beber bebida alcoólica, nada mais'. Nesse sentido, regular nosso circuito de prazer no cérebro é uma das grandes missões tanto de governos, como de religiões". 

A razão disso? "Creio que lhes preocupam muito nossos prazeres, porque são eles que regem nossa conduta. São muito fortes. Para essas instituições isso representa uma ameaça, pois as coisas que são altamente prazerosas podem alterar a ordem estabelecida". 

O prazer e  a dor

Alguns prazeres são óbvios e muito compartilhados: o chocolate ou Bach, uma cerveja ou um entardecer. Mas outros prazeres parecem estranhos. Um sádico tem prazer infligindo dor, um masoquista, sentindo-a. 

"Não há nada, biologicamente, por que há algumas pessoas que desenvolvem um gosto por certas práticas sexuais e outras não. Mas, sem dúvida existe sim algo a dizer sobre o pazer e a dor", diz Linden. "Ambos são indicadores de que algo é importante, significativo. Nos dizem: preste atenção a isso! Guarde-o em sua memória, porque é algo de que você precisará se lembrar mais adiante!". 

O prazer e a dor não fazem um par apenas na cama, mas também na comida - (Foto: Guiness World Records)

"É isso que o prazer e a  dor têm em comum. Assim, é possível que quando se mesclam, seja em uma prática sexual ou em um prato de comida com pimenta, há quem possa desfrutá-los porque lhe são supersignificativos e isso, por si só, é de alguma maneira gratificante", diz o neurocientista. 

Assim pois, o prazer está escrito na bioquímica do nosso cérebro. O que acontece é que às vezes, como disse o filósofo existencialista dinamarquês Soren Kierkegaard, "a maioria dos homens persegue  o prazer com tal açodamento que, na sua pressa, passa ao largo dele". 

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