domingo, 8 de novembro de 2015

Deixar crianças usar armas de fogo é bom para elas, diz artigo da revista Time

[A paranóia americana quanto à manutenção do direito "inalienável" da posse indiscriminada de armas de fogo, mesmo com a repetição interminável de assassinatos em massa em escolas, igrejas, shoppings, campi de universidades, e onde quer que se reúnam pessoas, foge a qualquer nível de racionalidade. Mais do que um instrumento de defesa pessoal, a arma de fogo transformou-se em um instrumento de poder que permite ao seu usuário decidir sobre a vida alheia que quer manter ou eliminar. No blogue já fiz várias postagens sobre isto: "Inacreditável: treinamento militar para crianças nos EUA" (set°/2015); - "Assassinatos em massa e controle de armas nos EUA -- a cultura da violência" (julho/2015); - "FBI divulga vídeo com cenas do assassino psicopata que invadiu instalações da Marinha em Washington" (set°/2013); - "Obama pede ações sobre porte de arma e reabre debate nos EUA" (dez°/2012); "A Segunda Emenda virou carta branca para matar inocentes nos EUA" (dez°/2012); - "A paranóia do direito à posse de armas nos EUA" (ago/2012). O pior é que o Brasil contribui para essa matança nos EUA: a empresa gaúcha Forjas Taurus tornou-se a quarta maior distribuidora de armas no país da National Rifle Association!

Recentemente, deparei-me com um artigo de Dan Baum, de agosto de 2014, na seção de Opinião da revista americana Time que é simplesmente inacreditável -- usei o título do artigo para esta postagem. Traduzo a seguir esse artigo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Deixar crianças usar armas de fogo é bom para elas

Dan Baum (*) -- Time, 28/8/2014

Treinamento para uso de armas de fogo gera concentração, confiança e responsabilidade


(Foto: kalil9 - Getty Images)


É um momento terrível para dizer isto, logo após uma garota de 9 anos ter matado seu instrutor com uma [pistola-metralhadora] Uzi, mas armas de fogo podem ser excelentes para crianças. 

Obviamente, há tiros e tiros. Entregar uma arma submáquina carregada para uma criança pequena é evidentemente uma loucura [arma submáquina é uma carabina automática refrigerada a ar, alimentada com um pente de balas, projetada para usar cartuchos de pistola]. Infelizmente, Charles Vacca, o instrutor no Arizona, pagou por esse erro com sua vida e infligiu à garota não identificada uma sentença de horror e remorso para o resto de sua vida. Em caso de que alguém pense que as comunidades que defendem os direitos à compra e ao porte de armas estejam defendendo a decisão de Vacca, fique assegurado que elas não assumiram essa posição. Acompanho a blogosfera das armas como parte do meu trabalho, e mesmo os mais entranhados amantes de armas estão horrorizados e furiosos com o que ocorreu. 

[Eis o vídeo do que ocorreu no Arizona, quando uma garota de 9 anos matou sem querer seu instrutor no uso de armas de fogo -- resta saber o que os pais dessa menina almejavam para ela quando a colocaram nessa escola de tiros.]


O que preocupa a comunidade que defende o porte e uso de armas de fogo é que as pessoas confundam essa tragédia com o próprio treinamento de uso de armas de fogo para crianças. Muita coisa acontece em uma boa aula de tiro antes que uma criança ponha a mão em uma arma. A primeira aula geralmente não envolve nada além de exercícios sobre a segurança de armas de fogo. Quando chega a hora de atirar, isso é feito deitado de bruços, por questão de estabilidade, e as armas são de cano longo, de um só tiro, de 22 mm e com o mínimo de recuo ["coice"]. As crianças recebem um cartucho de cada vez, e qualquer desobediência às regras -- a ponta da arma apontando para a direção errada, ou um dedo no gatilho cedo demais -- interrompe toda a aula para que se façam mais exercícios de segurança. Compare isso com com uma criança de 9 anos em pé, sem treinamento, com uma arma completamente automática e com um pente carregado com 32 cartuchos de uma poderosa munição de 9 mm. É a diferença entre comandar uma criança em círculos no dorso de um pônei dócil e deixá-la sozinha, em volta de uma pista, no lombo de um puro-sangue. 

Usar um rifle com precisão exige que as crianças acalmem suas mentes. Alinhar as miras sobre um alvo distante demanda concentração profunda. As crianças precisam desacelerar sua respiração e sintonizar com o batimento de seus corações para serem capazes de apertar o gatilho precisamente no momento certo. Manter um rifle firme e estável exige grandes habilidades motoras, e apertar o gatilho corretamente demanda pequenas habilidades motoras; os dois movimentos feitos simultaneamente envolvem o cérebro todo. Treinamento para uso de arma de fogo é um exercício com alto grau de coordenação entre corpo, mão, olho e mente. É tão distante de diversão eletrônica sem uso da mente quanto se pode imaginar. 

Outras atividades geram também habilidades e concentraçã0 -- tiro com arco, caligrafia, fotografia, pintura -- mas usar armas de fogo por si só é uma categoria, precisamente pela razão destacada pelo acidente da semana passada: isso pode ser mortal.

Uma arma de um só tiro de 22 mm, embora mais fácil de controlar do que uma Uzi, pode matar alguém tanto quanto ela. Então, como tais rifles podem ser apropriados ao uso por crianças? Novamente, o contexto é tudo. Sob instrução adequada, atirar é um ritual. Você faz isso por essa e aquela razão, e você nunca jamais muda o processo porque fazer isso é uma questão de vida e morte. Aprender a reduzir o passo e passar por esses passos essenciais pode ser valioso do ponto de vista de desenvolvimento. O alto perigo envolvido atrai a atenção das crianças, como atrairia a de qualquer outra pessoa. Mas há um benefício adicional em ensinar crianças a atirar: é um gesto de respeito por um grupo [de pessoas] que geralmente não recebe nenhum respeito. [São impressionantes as cambalhotas de raciocínio que o autor dá para "justificar" o ensino do uso de armas de fogo a crianças, algo para mim indefensável e inimaginável.]

Convide uma criança a aprender como atirar e a mensagem será: confio na sua capacidade de ouvir e de aprender. Confio na sua capacidade de concentração. Acolho você numa atividade adulta perigosa porque você é sensata e confiável [Vixe Maria!]. Para pessoas jovens acostumadas a serem inibidas, diminuídas, ignoradas e a receberem um "não", ouvir um adulto chamá-las aos seus mais altos egos pode ser enormemente fortalecedor. Crianças saem de lições de tiro adequadamente ministradas como outras pessoas, com mais estatura e mais dispostos a entrar em sintonia com que os adultos dizem. [Barbaridade!]

Ao viajar pelo país falando a proprietários de armas, encontrei vários deles que me disseram que quando seus filhos ou filhas adolescentes estavam andando "fora dos trilhos"-- bebendo, experimentando drogas e tirando notas baixas -- começaram a levá-los para atirar. A própria natureza contraintuitiva do convite -- dar armas a drogados? -- traziam as crianças de volta ao foco. A chance de fazer algo tão proibido e adulto como atirar venceu suas resistências a passar tempo com o pai ou a mãe. A disciplina e o foco exigidos pelo treinamento no uso de arma de fogo, combinado com sua letal potencialidade, não apenas afastaram esses adolescente de hábitos autodestrutivos como aprofundaram os laços de confiança entre eles e seus pais.  

Novamente, é preciso que se faça da maneira certa. Não se compra um rifle para uma garota e se permite que ela o mantenha em seu quarto; você o mantém trancado e só permite que ela o use sob supervisão. Você não deixa um garoto cru em atirar tocar numa arma até que ele esteja treinado nas regras de segurança. Você nunca permite que pessoas usem armas de fogo que não podem manejar.  Mas, quando feito corretamente, treinamento no uso de arma de fogo pode ser exatamente aquilo de que uma mente e um espírito jovens necessitam. [Sem comentários.]

(*) Dan Baum é um escritor da equipe da revista The New Yorker, e é também um repórter  do The Wall Street Journal, The Asian Wall Street Journal e do The Atlanta Journal-Constitution. É autor de vários livros, dos quais o mais recente é "Gun Guys: A Road Trip" (Os Caras das Armas: Uma Viagem Rodoviária", em tradução livre).


Um comentário:

  1. Nos vídeos vê-se o uso de alvos de forma humana. Isso já sugere o uso de armas como instrumento de morte. Estão ensinando crianças a matar a tiros. Não é nada bom.
    Sou membro de uma associação contra o desarmamento, portanto sou contra a proibição da posse de armas de fogo, em um país como o Brasil, onde os bandidos andam armados até os dentes e a Polícia é condenada se atira nels, então o cidadão honesto fica desprotegido.
    Mas arma não é brinquedo. Entregar uma metralhadora Uzi 9 mm a uma criança é insanidade. Nos Estados Unidos a legislação sobre posse e uso de armas varia de um estado para outro, não unificada federalmente. Lá há estados onde a compra de armas não tem nem registro, o calibre é liberado, e o porte de arma é livre. Como lá se bebe muito, dá para imaginar o risco de haver um tiroteio. Aí as armas deixam de ser um auxílio à segurança e passam a ser um fator de insegurança.
    E vai uma correção: a Taurus, de origem brasileira, é a SEGUNDA em venda de armas nos EUA, não é a quarta. Já ultrapassou a Ruger e a Colt, duas marcas tradicionais e famosas naquele país. só perde para a Smith & Wesson.
    No Brasil, a compra legal de armas é reprimidíssima, mas quer quiser comprar uma pistola ilegal compra facilmente, e de calibre pesado. Muitos que moram em lugar que se tornou perigoso têm aderido às armas ilegais, para proteger a própria vida.
    Que país é este???

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