quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Brasil será denunciado na ONU por não garantir direitos de deficientes

[A imagem do Brasil no exterior é cada vez pior. Somos caracterizados por corrupção em alta escala, conivência com países que reiterada e insistentemente ferem direitos humanos, omissão em temas internacionais relevantes -- incluindo inúmeros conflitos sangrentos -- em nome de "diálogo" (de surdos) e "respeito" à independência dos países e, para  completar, damos calote não pagando o aluguel e contas de nossas representações no exterior e tampouco honrando nossas contribuições obrigatórias (por acordos e tratados) a instituições internacionais como Banco Mundial, OEA, órgãos da ONU, etc. Agora, surge a história narrada em reportagem de Jamil Chade no jornal O Estado de S. Paulo -- reproduzida a seguir -- de que seremos denunciados na ONU por não garantirmos direitos de deficientes. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.] 

País será denunciado na ONU por não garantir direitos de deficientes

Jamil Chade -- O Estado de S. Paulo, 25/8/2015

Entidades questionam acessibilidade de pessoas com deficiência no Brasil - (Foto: O Estado de S. Paulo)


Especialistas, organizações não-governamentais (ONGs) e representantes da sociedade civil vão denunciar nesta terça-feira, 25, na Organização das Nações Unidas o Brasil por não garantir acesso ao transporte, educação e saúde a milhões de pessoas com deficiência no País. Hoje, em Genebra, a ONU examina as políticas do governo brasileiro em relação aos deficientes e vai cobrar respostas de Brasília em relação ao que tem sido feito para promover os direitos dessa parcela da população. O Brasil será representado pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Pepe Vargas. 

Em um informe apresentado aos peritos da ONU por mais de uma dezena de organizações brasileiras e estrangeiras, as denúncias apontam que uma pessoa com deficiência no Brasil ainda vive com sérias dificuldades para ter acesso aos mesmos locais que o restante da população, seja por falta de infraestrutura adequada ou por falta de treinamento de professores, motoristas e gestores. O governo promete responder às críticas ainda nesta terça. 

O exame será o primeiro que o Brasil enfrentará em uma década desde a entrada em vigor da Convenção dos Direitos de Pessoas com Deficiências. "A falta de acesso tem sido a maior barreira a ser superada no Brasil", alertou o informe apresentado pela Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (Abraça), a Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência do Brasil (FCD), o Instituto Baresi e a Rede Brasileira do Movimento de Vida Independente, entre outras.  

A lei de 2000 estabelecia até 2010 para que todo o transporte público fosse adaptado. "Mas muitas empresas ainda não cumprem a lei", acusaram as entidades. Ônibus interestatais (sic) e muitas empresas de transporte urbano ainda não teriam instalado elevadores para cadeiras de roda. Motoristas não foram instruídos a operar o sistema, quando existe, e não são poucos os casos de ônibus de linhas urbanas que "aceleram quando veem um deficiente em um ponto". 

Segundo as entidades, o governo tem feito esforços para adaptar os aeroportos. Mas o mesmo compromisso não é visto com metrôs, trens e outros transportes. Os edifícios públicos teriam de ter sido adaptados até 2009. "Mas muitos ainda não estão", alerta o documento.

Com 25 milhões de pessoas com deficiências no Brasil, os grupos apontam que nem mesmo as construtoras têm erguido os novos apartamentos dentro dos padrões exigidos pela lei para garantir a circulação de cadeiras de roda ou acesso aos banheiros. 

Nos centros de saúde, a questão do acesso é ainda um obstáculo. Um levantamento apresentado à ONU aponta que, de 241 unidades de saúde avaliadas em sete Estados, 60% delas não estavam adequadas a receber deficientes.  

As políticas de emprego tiveram certos avanços. Mas enquanto o Brasil gerou 6,5 milhões de postos de trabalho entre 2007 e 2010, 42 mil empregos para pessoas deficientes foram fechados.

Nas escolas, a falta de assistência especializada é a barreira. Em 2008, 93 mil estudantes com deficiência foram inscritos na rede pública. Em 2014, esse número caiu para 61 mil.

Para as entidades, "o governo tem feito pouco para conscientizar a sociedade e promover os direitos e dignidade das pessoas com deficiências".  Apesar das promessas feitas à sociedade civil, até hoje nenhuma campanha tem sido organizada para que se conheça os direitos dos deficientes", completou o informe apresentado pelos grupos. 

[Segundo a ONU 15% da população mundial são de deficientes, formando a maior minoria do planeta. Essa cifra vem crescendo, em decorrência do crescimento populacional, dos avanços médicos e do processo de envelhecimento. 

Em países com expectativa de vida acima de 70 anos, pessoas passam em média 8 anos ou 11,5% de sua vida convivendo com deficiência e incapacitações.   80% das pessoas com deficiências vivem nos países em desenvolvimento, de acordo com o Programa de Desenvolvimento da ONU. 

Taxas de incapacitação ou deficiência são significativamente mais elevadas entre grupos com menor nível educacional nos países da OCDE - Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, diz a secretaria desta instituição. Na média, 19% das pessoas com menor nível de educação sofrem de deficiências, comparados com 11% dos que têm maior nível de educação.

Segundo Lenin Moreno, enviado especial das Nações Unidas sobre Deficiência e Acessibilidade e ex-vice-presidente do Equador, a aprovação, em 2006, da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência representou um marco na evolução dos direitos humanos e, particularmente, dos direitos de um grande número de indivíduos que durante muito tempo estiveram ausentes de estratégias de desenvolvimento e dos instrumentos de direitos.

Se analisarmos os temas globais tratados como prioridade no âmbito dos direitos humanos, veremos que as pessoas com deficiência foram as últimas a serem contempladas. Nos diversos debates e na evolução dos modelos políticos e socioeconômicos dos Estados, as pessoas com deficiência estavam ausentes – e em muitos casos ainda estão – das políticas públicas. Aos poucos, foram atendidas de forma progressiva como um “grupo vulnerável” e uma “carga social” que o Estado deveria contemplar. O enfoque dos direitos humanos foi fundamental para iniciar uma transformação profunda nas políticas dirigidas para acabar com uma história de exclusão. É nesse ponto que radica, sem dúvida, a relevância da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em 2006.

Na ocasião, 153 países ratificaram o tratado, vigente desde maio de 2008. Esse acordo implica para cada Estado signatário o reconhecimento de que a atenção prioritária a esse grupo é uma obrigação nacional. Porém, o processo de adesão é relativamente recente, e o impacto nas leis e políticas públicas ainda é incipiente em muitos países.

Apesar dos avanços nas últimas décadas, ainda há muito por fazer em termos de políticas públicas para que o conceito de justiça social, igualdade jurídica e de solidariedade inclua as pessoas com deficiência, assim como foi feito com outros grupos que, por suas características particulares, também precisaram de legislação e políticas específicas para que suas oportunidades se equiparassem com o resto da sociedade.

As organizações de e para as pessoas com deficiência conseguiram mobilizar apoios significativos para inserir seus direitos na agenda internacional. A Convenção de 2006 é resultado desse esforço. Múltiplas redes nacionais, regionais e internacionais agrupam pessoas de forte compromisso e alto nível profissional que, com anos de análises e experiência, são as melhores conhecedoras do tipo de normas e políticas necessárias para tornar o mundo mais inclusivo e acessível a milhões de pessoas com deficiência. Infelizmente, a participação desses indivíduos ainda é escassa nos espaços intergovernamentais onde se definem acordos de relevância global na agenda de desenvolvimento e de direitos humanos, assim como nos espaços de formulação de políticas públicas nacionais.

Talvez pelos poucos espaços de participação internacional, esses grupos estiveram ausentes da Declaração do Milênio no ano 2000 e nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). O mundo se comprometeu a acabar com a pobreza e com a fome, universalizar o ensino fundamental, alcançar a igualdade entre os sexos, reduzir a mortalidade das crianças menores de 5 anos, melhorar a saúde materna, combater a aids, a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade do meio ambiente e fomentar uma aliança mundial para o desenvolvimento.

Dezenas de indicadores mostraram que, para impulsionar estratégias nacionais dirigidas a esses objetivos e alcançá-los de forma integral, seria necessário identificar as metas e os indicadores que serviram de guia aos Estados para que os ODM também contemplassem as pessoas com deficiência.

Como bem assinalou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, “os ODM apresentam um esforço dirigido para abordar a pobreza mundial. Eles, contudo, não incluíram as pessoas com deficiência, que nem sequer são mencionadas. Apesar dos progressos notáveis em relação ao cumprimento dos ODM, é difícil avaliar se as pessoas com deficiência foram de alguma forma beneficiadas com a aplicação dos Objetivos ou atividades relacionadas”.

A invisibilidade e a discriminação de pessoas com deficiência geram um círculo vicioso de desigualdade, iniquidade e pobreza. Para a humanidade do século XXI, isso deveria ser inaceitável. Esse grupo é mais vulnerável à pobreza, e a grande maioria reúne uma ou mais das seguintes características: carece de alimentação adequada; vive em moradias precárias e sem condições de acessibilidade; não tem acesso a água potável e saneamento; carece de dispositivos técnicos de ajuda e assistência pessoal; não recebe atenção adequada de saúde; e está fora dos sistemas educativos. Em resumo, hoje as pessoas com deficiência são as mais pobres entre os mais pobres.

Em setembro de 2015, na sede da ONU, acontece o encontro de chefes de Estado e governo para discutir e aprovar o que será a Agenda de Desenvolvimento pós-2015. Espera-se que, nessa ocasião, as pessoas com deficiência façam parte das decisões e compromissos do evento.

Em seu texto, Moreno cita oito prioridades cujo cumprimento pode mudar o mundo e saldar essa dívida da sociedade com as pessoas com deficiência.]



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