sexta-feira, 12 de junho de 2015

A polêmica da redução da maioridade penal no Brasil -- a prática em outros países

A discussão sobre a redução ou não da maioridade penal no Brasil (hoje 18 anos), em curso na Câmara dos Deputados, segue o caminho de outras discussões polêmicas no país, com a exacerbação de espíritos em detrimento da ponderação e do equilíbrio. O tema é inegavelmente complexo, e seu debate ocorre em um momento em que o Rio vive momento especialmente traumático com uma sequência perturbadora e revoltante de ataques a faca perpetrados por menores, culminando com a morte recente do médico Jaime Gold na Lagoa Rodrigo de Freitas, assassinado por um menor quando andava de bicicleta (ver postagem anterior).  Queiram ou não, o Rio continua sendo uma enorme caixa de ressonância e nada de grave que aqui ocorra passa despercebido Brasil afora.

Pessoalmente, sou a favor dessa redução, mas o que me preocupa seriamente é o péssimo histórico do sistema prisional brasileiro, um centro de incremento à violência e à criminalidade, bem como o currículo das Febens no país (FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), com reiteradas ocorrências de rebeliões violentas com crimes bárbaros. 

É importante examinar qual a prática existente em outros países

Argentina - 16 anos (com tribunal específico). 
Colômbia - a partir dos 12 anos, ações criminosas de crianças são objeto de procedimentos legais específicos. 
Alemanha - menores entre 14 e 18 anos são sentenciados por uma justiça específica; um adulto entre 18 e 21 anos pode ainda ser sentenciado por essa mesma justiça específica caso comprovada imaturidade mental.
Hungria - 12 anos para homicídio premeditado, homicídio culposo voluntário e danos corporais que provoquem morte ou resultem em ferimentos que ameacem a vida da vítima; 14 anos para outros crimes. 
Itália - sistema judiciário específico para delinquentes, com celas específicas separadas; plena responsabilidade criminal a partir de 18 anos. 
Nova Zelândia - 10 anos para assassinato e crime culposo, 12 anos para crimes com prisão máxima por 14 anos ou mais, e maioridade de 14 anos para todas as demais violações.
Austrália e Suíça - 10 anos.
Canadá, Irlanda,Israel e Holanda - 12 anos.
Estados Unidos - 18 anos (ver aqui a legislação e as punições aplicáveis em todos os 50 estados americanos no caso de infratores  menores de 18 anos). 
Reino Unido - A idade de responsabilidade criminal na Inglaterra e em Gales é de 10 anos. Isto significa que crianças menores de 10 anos não podem ser presas ou acusadas de um crime. Há outras punições que podem ser aplicadas a menores de 10 anos que violam a lei. Crianças acima de 10 anos - Crianças entre 10 e 17 anos podem ser presas e levadas a tribunal se cometerem crime. Elas são tratadas diferentemente dos adultos, e são: i) lidadas por cortes específicas ("juvenis"); - ii) recebem sentenças diferenciadas; - iii) são enviadas para centros de segurança para jovens e não para prisões de adultos. - Jovens com 18 anos - Jovens com 18 anos são tratados legalmente como adultos. Se forem presos, serão enviados para um local que abrigue prisioneiros entre 18 e 25 anos, não para uma prisão de adultos plenos. 
Na Escócia, a maioridade legal é de 8 anos 
França- 13 anos.
Japão, Áustria, Espanha, Coréia do Sul e Rússia - 14 anos.
Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia, Egito e República Tcheca - 15 anos.
Índia - 7 anos.

A relação acima prova que é mentiroso o argumento de que poucos países no mundo têm maioridade penal abaixo de 18 anos. Mesmo levando em conta todas as condicionantes sociais e econômicas vigentes em todos esses países, nada justifica considerar a priori os jovens e crianças brasileiros como um caso à parte no mundo. É imperioso, portanto, que os opositores à redução da nossa maioridade penal apresentem argumentação sólida e bem fundamentada para respaldar sua posição. É de mister também que abordem a reformulação em profundidade do sistema carcerário brasileiro, sem o  quê ficaremos eternamente condenados à sanha assassina de jovens delinquentes menores de 18 anos se continuarmos a protegê-los com a tese de que prendê-los com as prisões que temos seria aperfeiçoá-los para o crime.  

O que espanta também nesse debate capenga é que nada se fala de uma reformulação completa e profundo do sistema prisional do país, um centro impressionante e persistente de geração e consolidação de criminosos (ver postagem "O Brasil sem maquiagem que o mundo vê através do nosso absurdo sistema carcerário"). 

A maioridade penal aos 18 anos é considerada uma cláusula pétrea de nossa Constituição ("Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial"), o que é um forte empecilho para sua alteração. Um bom histórico sobre o tema pode ser encontrado em Reforma da idade penal no Brasil e em A redução da maioridade penal.

Opinião polêmica e digna de leitura é a defendida por José Heitor dos Santos, Promotor de Justiça no Estado de São Paulo, Mestre em Direito Público, Professor de Direito Processual Civil na Unip (Estado de São Paulo) e Sócio-fundador da AREJ – Academia Riopretense de Estudos Jurídicos, em seu arrazoado Redução da maioridade penal.  Diz o promotor:

No Brasil, a maioridade penal já foi reduzida: começa aos 12 anos de idade. A discussão sobre o tema, portanto, é estéril e objetiva, na verdade, isentar os culpados de responsabilidade pelo desrespeito aos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, previstos na Constituição Federal. O maior de 18 anos de idade que pratica crimes e contravenções penais (infrações penais) pode ser preso, processado, condenado e, se o caso, cumprir pena em presídios. O menor de 18 anos de idade, de igual modo, também responde pelos crimes ou contravenções penais (atos infracionais) que pratica. 

Assim, um adolescente com 12 anos de idade (que na verdade ainda é psicologicamente uma criança), que comete atos infracionais (crimes), pode ser internado (preso), processado, sancionado (condenado) e, se o caso, cumprir a medida (pena) em estabelecimentos educacionais, que são verdadeiros presídios. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente (menores) como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, necessitando, em conseqüência, de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens, autores de infrações penais, tanto que criou diversas medidas sócio-educativas que, na realidade, são verdadeiras penas, iguais àquelas aplicadas aos adultos.

Assim, um menor com 12 anos de idade, que mata seu semelhante, se necessário, pode ser internado provisoriamente pelo prazo de 45 dias, internação esta que não passa de uma prisão, sendo semelhante, para maior, à prisão temporária ou preventiva, com a ressalva de que para o maior o prazo da prisão temporária, em algumas situações, não pode ser superior a 10 dias. Custodiado provisoriamente, sem sentença definitiva, o menor responde ao processo, com assistência de advogado, tem de indicar testemunhas de defesa, senta no banco dos réus, participa do julgamento, tudo igual ao maior de 18 anos, mas apenas com 12 anos de idade. Não é só. Ao final do processo, pode ser sancionado, na verdade condenado, e, em conseqüência, ser obrigado a cumprir uma medida, que pode ser a internação, na verdade uma pena privativa de liberdade, em estabelecimento educacional, na verdade presídio de menores, pelo prazo máximo de 3 anos.

A esta altura, muitos devem estar se perguntando: Mas a maioridade penal não se inicia aos 18 anos de idade? 
Sim e não! 

A Constituição Federal (art. 228) e as leis infraconstitucionais, como por exemplo o Código Penal (art. 27), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104) dizem que sim, ou seja, que a maioridade penal começa aos 18 anos, contudo o que acontece na prática é bem diferente, pois as medidas sócio-educativas aplicadas aos menores (adolescentes de 12 a 18 anos de idade) são verdadeiras penas, iguais as que são aplicadas aos adultos, logo é forçoso concluir que a maioridade penal, no Brasil, começa aos 12 anos de idade. 

Vale lembrar, nesse particular, que a internação em estabelecimento educacional, a inserção em regime de semiliberdade, a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, algumas das medidas previstas no Estatuto da Criança e do adolescente (art. 112), são iguais ou muito semelhantes àquelas previstas no Código Penal para os adultos que são: prisão, igual à internação do menor; regime semi-aberto, semelhante à inserção do menor em regime de semiliberdade; prisão albergue ou domiciliar, semelhante a liberdade assistida aplicada ao menor; prestação de serviços à comunidade, exatamente igual para menores e adultos. 

É verdade que ao criar as medidas sócio-educativas, o legislador tentou dar um tratamento diferenciado aos menores, reconhecendo neles a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nessa linha, as medidas deveriam ser aplicadas para recuperar e reintegrar o jovem à comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois ao serem executadas transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas, ineficazes, gerando a impunidade, tão reclamada e combatida por todos.

No processo de sua execução, esta é a verdade, as medidas transformam-se em castigos, revoltam os menores, os maiores, a sociedade, não recuperam ninguém, a exemplo do que ocorre no sistema penitenciário adotado para os adultos. 

A questão, portanto, não é reduzir a maioridade penal, que na prática já foi reduzida, mas discutir o processo de execução das medidas aplicadas aos menores, que é completamente falho, corrigi-lo, pô-lo em funcionamento e, além disso, aperfeiçoá-lo, buscando assim a recuperação de jovens que se envolvem em crimes, evitando-se, de outro lado, com esse atual processo de execução, semelhante ao adotado para o maior, que é reconhecidamente falido, corrompê-los ainda mais. O Estado, Poder Público, Família e Sociedade, que têm por obrigação garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente (menores), não podem, para cobrir suas falhas e faltas, que são gritantes e vergonhosas, exigir que a maioridade penal seja reduzida.

Para ilustrar, vejam quantas crianças sem escola (quase três milhões) e sem saúde (milhões) por omissão do Estado; quantas outras abandonadas nas ruas ou em instituições, por omissão dos pais e da família; quantas sofrendo abusos sexuais e violências domésticas por parte dos pais e da família; quantas exploradas no trabalho, no campo e na cidade (cerca de 7,5 milhões), sendo obrigadas a trabalhar em minas, galerias de esgotos, matadouros, curtumes, carvoarias, pedreiras, lavouras, batedeiras de sisal, no corte da cana-de-açúcar, em depósitos de lixo etc, por ação dos pais e omissão do Estado.

A sociedade, por seu lado, que não desconhece todos estes problemas, que prejudicam sensivelmente os menores, não exige mudanças, tolera, aceita, cala-se, mas ao vê-los envolvidos em crimes, muito provavelmente por conta destas situações, grita, esperneia, sugere, cobra, coloca-os em situação irregular e exige, para eles, punição, castigo, internação, abrigo em instituições. 

Ora, quem está em situação irregular não é a criança ou o adolescente, mas o Estado, que não cumpre suas políticas sociais básicas; a Família, que não tem estrutura e abandona a criança; os pais que descumprem os deveres do pátrio poder; a Sociedade, que não exige do Poder Público a execução de políticas públicas sociais dirigidas à criança e ao adolescente.

O sistema é falho, principalmente o da execução das medidas sócio-educativas, para não dizer falido, mas o menor, um ser em desenvolvimento, que necessita do auxílio de todos para ser criado, educado e formado, é quem vem sofrendo as conseqüências da falta de todos aqueles que de fato e de direito são os verdadeiros culpados pela sua situação de risco.

Não bastasse isso, o que, por si só, já é extremamente grave, pretendem alguns reduzir a maioridade penal, tentando, com a proposta, diminuir sua culpa e eliminar os problemas da criminalidade, esquecendo-se, porém, além de tantos outros aspectos, que metade da população é composta de crianças e adolescentes, os quais, contudo, são autores de apenas 10% dos crimes praticados. 

A proposta de redução busca encobrir as falhas dos Poderes, das Instituições, da Família e da Sociedade e, de outro lado, revela a falta de coragem de muitos em enfrentar o problema na sua raiz, cumprindo ou compelindo os faltosos a cumprir com seus deveres, o que é lamentável pois preferem atingir os mais fracos - crianças e adolescentes -, que muitas vezes não têm, para socorrê-los, sequer o auxílio da família. 

Por estes motivos e outros, repudiamos a proposta de redução da maioridade penal, que, se vingar, configurará um "crime hediondo", praticado contra milhões de crianças e adolescentes, que vivem em situação de risco por culpa não deles mas de outros que estão tentando esconder suas faltas atrás desta proposta, que, ademais, se aprovada, não diminuirá a criminalidade, a exemplo do que já ocorreu em outros países do Mundo. 

Com o acima exposto, fica a meu ver patente a necessidade de uma discussão mais serena, prolongada e profunda da questão da redução da maioridade penal no Brasil, longe do clima açodado, exacerbado e anárquico que caracteriza hoje sua discussão na Câmara dos Deputados, como mostra o vídeo abaixo. 




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PS - A Câmara dos Deputados acaba de aprovar a redução da idade mínima para concorrer a governador (de 30 para 29 anos), senador (de 35 para29 anos) e deputado (de 21 para 18 anos)Continuam iguais as idades para eleger presidente da República (35 anos), prefeitos (21 anos) e para vereadores (18 anos). Na prática, isso significa: -i) um reconhecimento de que o cidadão brasileiro está amadurecendo mais cedo, o que, fora nada honrosas e numerosas exceções, não deixa de ser verdade. O amadurecimento significa, entre outras coisas, ter plena responsabilidade por seus atos. Qual a lógica para achar que esse amadurecimento só acontece até os 18 anos e daí para baixo fica estagnado? - ii) a curto e médio prazos essas reduções das idades de elegibilidade têm altíssima probabilidade de ampliar e rejuvenescer a galeria de pilantras que ocupam vários desses mandatos, com fichas imundas e pendências na Justiça.

O jornal O Globo de 12/6 informa que o autor da proposta de redução da idade de 30 para 29 anos para concorrer ao Senado e ao governo estadual o fez em interesse próprio. Trata-se do deputado Wilson Filho (PTB-PB); de uma família influente na política paraibana, ele tem 28 anos e é potencial candidato ao Senado ou ao governo do estado em 2018.  É com esse tipo de casuísmo malandro e rasteiro que se faz política neste país. 

Até agora não surgiu nenhum movimento de protesto da cidadania, sistemático ou mesmo isolado, contra essa redução da idade de elegibilidade, o que mostra um certo descompasso com a oposição à redução da maioridade penal. Continuamos cada vez mais masoquistas, desde a reeleição de Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saia).








2 comentários:

  1. É sempre assim. Os pilantras legislam em causa propria e dos seus comparsas e parentes. Essa ideia de reduzir as idades para elegibilidade dos cargos politicos não interessam nem melhoram nada para o povo mas transformam-se em oportunidades para as velhas raposas inserirem os seus parentes e comparsas cada vez mais cedo na vida politica. E todos eles sabem que esse tipo de medida não desperta em nada atenção do povo.

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  2. Recebido por email de Amaury Frossard Ribeiro em 13/6:

    Boa noite, senhor Vasco.
    Infelizmente, não atinei com sua posição exposta em seu blog.
    De início, o senhor afirma que “pessoalmente é a favor da redução”
    da maioridade penal.
    No entanto, parágrafos abaixo, pela longa exposição, parece defender
    a tese do promotor José Heitor dos Santos.
    Fiquei sem entender, mas adianto-lhe que tenho motivos para ser
    contrário à redução.
    Abraço.
    Amaury Frossard Ribeiro - advogado

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