terça-feira, 14 de abril de 2015

TCU denuncia desvio de fundo na Eletrobras

[É tanta corrupção e tantos malfeitos descobertos e denunciados, que a impressão que se tem é que o país todo está boiando num oceano de lama pútrida. O setor elétrico sempre foi cenário de grandes e custosas obras, em sua totalidade no domínio de competência técnica de nossas principais empreiteiras, que se encontram todas implicadas até o pescoço na Operação Lava Jato.  Há fortes sinais de que o propinoduto se estende até ele, com  indícios de desvio de recursos pela Camargo Corrêa nas usinas de Jirau e Belo Monte.

Agora, reportagem do jornal Estado de S. Paulo de 08/4, de autoria de André Borges, apresenta grave denúncia do TCU (Tribunal de Contas da União) contra a Eletrobras. Reproduzo a seguir o texto dessa reportagem. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Eletrobras desviou fundo para tapar rombo de suas subsidiárias, diz TCU

André Borges -- Estado de S. Paulo, 08/4/2015


Tribunal de Contas da União acusa a estatal de usar a RGR, reserva criada para financiar projetos de melhoria dos serviços elétricos à população, para 'renegociação de dívidas das empresas do grupo Eletrobras' e 'descaracterizar a inadimplência'

A Eletrobras tem usado recursos de um fundo do setor elétrico para bancar dívidas contraídas por suas distribuidoras e tapar rombos financeiros dessas estatais. A manobra considerada ilegal foi constatada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que analisou as práticas da Eletrobrás na gestão dos recursos da Reserva Global de Reversão (RGR).

A RGR é um encargo do setor elétrico que tem como finalidade financiar projetos de expansão e de melhoria dos serviços à população, além de pagar indenizações a empresas e programas sociais de universalização, como o Luz Para Todos.

Anualmente, empresas do setor elétrico recolhem uma taxa de até 2,5% do valor dos seus investimentos, limitada a 3% da receita anual. Essa cota é depositada numa conta-corrente da Eletrobras, a quem cabe administrar os recursos. Em 2014, segundo o balanço financeiro da estatal, os valores da RGR somaram R$ 3,866 bilhões. 

‘Inadimplência’. Depois de analisar o gerenciamento do fundo, o tribunal concluiu que o encargo tem sido utilizado para a “renegociação de dívidas das empresas do grupo”, com a finalidade de “descaracterizar a inadimplência, de fato, das empresas de distribuição do sistema Eletrobras”. Os recursos seriam usados para bancar dívidas das seis distribuidoras da estatal, localizadas no Piauí, Rondônia, Acre, Amazonas, Alagoas e Roraima.

Ao pagar as contas com o dinheiro da RGR e repactuar dívidas antigas, conclui o TCU, a estatal consegue evitar a aplicação das sanções contratuais às suas distribuidoras e permite a continuidade do acesso aos recursos da RGR e da própria controladora. Para os auditores, é flagrante o “desvio da finalidade original dos recursos” do fundo e “burla” ao que está estabelecido em lei.

“O que vemos é que se trata de um fundo bilionário que tem sido usado sem os devidos critérios legais e sem atender à sua finalidade, o que resultou nesses problemas”, disse ao Estado o ministro do TCU Raimundo Carreiro, relator do processo. “São empréstimos feitos para renegociação de dívidas de empresas falidas do grupo, apenas para dar sobrevida a elas e para permitir que acessem novos financiamentos".

O uso criativo da RGR é investigado desde 2012, quando o TCU determinou que todos os ex-dirigentes da estatal prestem esclarecimentos sobre a gestão do fundo, criado em 1971. Segundo Carreiro, as audiências estão em andamento. 

Irregularidades. A aplicação dos recursos bilionários do fundo pela Eletrobras também é alvo de fiscalizações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que apontou irregularidades e impôs punição à estatal.

No ano passado, a Aneel abriu um processo administrativo contra a Eletrobras, para cobrar o ressarcimento de mais de R$ 2 bilhões ao caixa da RGR, por conta de “amortizações do saldo devedor de financiamentos não restituídos à RGR e a apropriação dos encargos financeiros do referido fundo durante o período de 1998 a 2011”, conforme está registrado no próprio balanço da Eletrobras. Esse valor teria ainda de ser corrigido a cifras atuais.

A estatal entrou com recurso, alegando a “prescrição da pretensão de ressarcimento” e a “inexistência de prática de ato ilícito por ela própria e a boa-fé objetiva da administração dos recursos”. O processo está em andamento. Perguntada sobre as ilegalidades apontadas pelo TCU no uso do fundo, a Eletrobras não se manifestou até o fechamento desta edição. 

O tribunal decidiu abrir um novo processo para aprofundar as análises dos casos de inadimplência nos financiamentos concedidos pela Eletrobras com os recursos da RGR. A estatal terá de explicar prejuízos contabilizados em outros empréstimos ligados ao fundo, como o que fez à empresa Global Energia, que resultou em um prejuízo de R$ 85,3 milhões. 

Plano de concessões. Os recursos bilionários do fundo foram fundamentais para o governo levar adiante o plano de renovação das concessões do setor elétrico, a partir de 2013. Por meio da polêmica Lei 12.783 (antiga Medida Provisória 579), foi estabelecido que os recursos da RGR poderiam ser usados para indenização total ou parcial dos investimentos ligados aos bens reversíveis e ainda não amortizados das concessionárias. 

A lei isentou boa parte do setor elétrico do recolhimento anual das cotas da RGR. Desde 2013, as empresas de distribuição estão liberadas do pagamento. Concessionárias de geração e transmissão que concordaram com a proposta de renovação de contrato feita pelo governo também se livraram da conta, além de concessões de transmissão de energia feitas a partir de setembro de 2012. 

[A denúncia acima é a segunda contra a Eletrobras no intervalo de uma semana. Em reportagem de 03/4, a revista Época afirma que Eliseu Padilha, ministro da Aviação Civil, faz lobby junto à empresa e acusa o diretor de geração da Eletrobras, Valter Cardeal, de envolvimento nisso. O executivo da estatal é acusado de participar de um esquema de favorecimento da multinacional portuguesa de energia elétrica EDP Renováveis. A EDP tem interesse em ampliar a geração e a venda de energia de um parque eólico no Rio Grande do Sul, o Cidreira I, para a estatal Eletrobras. Trata-se de um negocião, que inclui Padilha. A EDP tem com o ministro uma parceria comercial escamoteada por um emaranhado de empresas e laranjas, que garante a Padilha rendimentos de R$ 30 milhões ao longo da vigência do contrato.

A história contada em detalhes pela revista é gravíssima. Em entrevistas concedidas no sábado, 04/4, Padilha se defende das acusações e diz que pretende processar a publicação. 

Com o negócio indo de vento em popa, por que Padilha acionou Cardeal?, pergunta a revista. O sucesso na expansão do negócio da EDP se reverteria em mais rendimentos para o ministro. “Foi uma consulta que fiz para ele (Cardeal). Tenho na minha área, da minha propriedade, um parque eólico da EDP. Fiz uma consulta sobre a possibilidade de expansão do parque eólico”, disse Padilha, em entrevista a ÉPOCA, depois de ser questionado sobre Cardeal e seu envelope pardo. Como o ministro não é produtor de energia nem tem contrato com a Eletrobras, apenas alugando o terreno para que ali sejam erguidos aerogeradores, o que fez foi lobby para a EDP. Por si só, é algo impróprio. Ganha contornos mais graves, porém, porque os registros da terra arrendada à EDP tiveram seus rastros “borrados”, para que não fosse vinculada diretamente ao ministro.

A Época diz que "o lobby confesso de Padilha desencapou o fio de sua relação com Cardeal, o diretor da Eletrobras que foi visitar o ministro no gabinete. Questionado sobre a ampliação do parque eólico advogada pelo ministro, Cardeal, por meio da assessoria de imprensa da Eletrobrás, nega o lobby e afirma que fez uma visita agendada de cortesia a Padilha. Diz que foi colocar a Eletrobras “à disposição para discutir assuntos relacionados à confiabilidade do suprimento de energia aos aeroportos brasileiros”. No entanto, a agenda oficial do ministro não registra o encontro. Informado sobre a versão de Cardeal, Padilha recuou da declaração gravada. Disse que Cardeal, como ele, é gaúcho e que o diretor da Eletrobras esteve em seu escritório para levar “votos de sucesso à frente do Ministério”.



O envelope com “Medidas anemométricas”, ou seja, relativas ao vento. A favor dos negócios com a multinacional EDP Eliseu Padilha, ministro da Aviação (à esq.) Valter Cardeal, executivo da Eletrobras (à dir.) (Foto: Adriano Machado/ÉPOCA )]

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