segunda-feira, 16 de junho de 2014

Iraque, mais uma trapalhada dos EUA

[Entre sua invasão -- 20/3/2003 -- e sua retirada do Iraque (dezembro/2011) os EUA permaneceram no país oito longos anos. A rigor, os americanos não atingiram seus objetivos e deixaram o país completamente desestruturado politicamente. Menos de três anos depois da saída americana, o Iraque encontra-se sob sério risco de fragmentar-se por conta da exacerbação militar do milenar conflito entre sunitas e xiitas. Reproduzo a seguir a excelente coluna da jornalista Dorrit Harazim publicada no Globo de 15/6. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Do Iraque à Arena das Dunas

Dorrit Harazim -- O Globo, 15/6/2014

Ao contrário das demais seleções, a interação dos 23 jogadores dos Estados Unidos com a população local tem sido zero

O que têm em comum a atual desintegração do Iraque como país e o isolamento da seleção americana que amanhã estreia na Copa contra Gana? Resposta: a Guerra ao Terror, deslanchada em 2001 pelo então presidente americano George W. Bush.
Desde então a National Security Agency (NSA) foi incumbida de reger boa parte da vida americana e, como revelou Edward Snowden, de bisbilhotar o resto do mundo. Entre os múltiplos desdobramentos da nova ordem, a NSA também passou a operar como se todo cidadão representando os Estados Unidos no exterior pudesse vir a ser alvo de um potencial ataque inimigo.


Isso explica a proteção tentacular reservada à seleção comandada pelo técnico alemão Jürgen Klinsmann. Hospedada até anteontem em São Paulo, de onde seguiu para Natal, a delegação americana conta com o mais forte aparato de segurança entre os 32 países representados no Mundial. Ao contrário das demais seleções, a interação de seus 23 jogadores com a população local tem sido zero.
Mantiveram fechadas as janelas dos dois andares que ocuparam no hotel Tivoli Mofarrej e dispunham de uma escolta vitaminada para percorrer os dez quilômetros de distância até o Centro de Treinamento do São Paulo F.C. A caravana somava motocicletas da Polícia de Choque da PM paulista, agentes da Polícia Federal e do Exército, a equipe de segurança trazida dos Estados Unidos. No único treino aberto que fizeram, exigência da Fifa, só entrava quem constava da lista de convidados, seguindo rigorosa revista na entrada. O repórter Fábio Hecico, do “Estado de S. Paulo”, testemunhou que nem as mochilas das crianças americanas escaparam.

Em Natal, uma reunião entre a cúpula da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande de Norte e a esquadra de agentes do Serviço Secreto americano tratou apenas do esquema de mobilidade específica durante a permanência da seleção de Klinsmann em solo potiguar.
A simulação de um ataque terrorista e de um atentado com armas químicas ou radioativas, realizado em cidades-sedes da Copa, contudo, já faz parte do protocolo mundial de todo grande evento desde a declaração de guerra ao Terror.


Pois é justamente essa guerra que os Estados Unidos estão perdendo. E de forma desconcertante. Os americanos já haviam aprendido um truísmo herdado dos anos 1950 e repetido à exaustão pelo Presidente Barack Obama: "É mais fácil começar uma guerra do que terminá-la". Como aponta o major Elliott Garrett, da Escola de Mídia e Políticas Públicas da Georgetown University, as mais recentes terminaram de forma "vaga, inglória ou sem cerimônia". Tecnicamente, por exemplo, o conflito da Coreia ainda é uma guerra, dado que as partes nunca assinaram um tratado de paz, apenas um armistício. A debandada americana no Vietnã tampouco pode ser considerada um final decente. No Afeganistão, a retirada total em 2015, após 13 anos de intervenção, será tão melancólica quanto amarga à luz dos esquálidos resultados e do elevado custo humano.

Mas nada disso preparou os americanos para a hecatombe em curso. Onze anos após atropelar e invadir o Iraque, esmagar Saddam Hussein e ocupar o país até que o novo regime xiita e suas forças de segurança fossem capazes de ficar em pé, vem o choque: o Iraque idealizado pela Guerra ao Terror está perdido.

Pior: sobre os escombros de Saddam Hussein está nascendo um Iraque terrorista, radicalmente islâmico, dominado por extremistas sunitas. Autoproclamado "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" (ou da Síria, segundo a sigla ISIS, em inglês), suas tropas concentradas no Norte e Oeste já rumam em direção à capital, Bagdá. Armamentos não lhes faltam, visto que o Exército iraquiano treinado e equipado pelos americanos tem preferido se render a combater. Entregam tudo, até os uniformes, levando os Estados Unidos a evacuar os agentes de segurança privados que ainda treinavam aprendizes locais no uso de drones e aviões de combate.

As imagens de terroristas do ISIS avançando à luz do dia em blindados herdados das Forças Armadas dos Estados Unidos devem ser estarrecedoras para qualquer cidadão americano. Mas, para os veteranos dessa guerra inútil, em especial, a morte em combate de 4.488 companheiros de farda tem gosto ainda mais amargo. 

Há pouco ou nada que Obama possa fazer para reverter o quadro, além de aumentar o fornecimento de armas a um regime claudicante. Ou dar início a uma terceira guerra dos Estados Unidos no Iraque, o que parece fora de cogitação. Mas terá de explicar para que servem os US$ 50 bilhões anuais consumidos pelos serviços de inteligência da NSA. Não apenas foram incapazes de prever as intenções russas na Crimeia na crescente explosão da Ucrânia como se deixara, surpreender pela debacle no Iraque.

Transportada para o universo do futebol, trata-se de uma derrota político-militar comparável à que a seleção dos Estados Unidos sofreu em 1998, na França, jogando contra um país não apenas inimigo, mas visto como saído das trevas. Naquele dia em Lion, o Irã eliminou a seleção do "Grande Satã"como o regime dos aiatolás chamava os Estados Unidos, por 2 a 1.

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[Nada há a acrescentar ao excelente texto de Dorrit. Apenas para completar a história da paranóia de segurança que cerca a seleção americana de futebol em Natal, vejamos o que nos informa o Estadão de 12/6: "Curioso é que todos dentro do CT já passaram por minuciosa revista na porta de entrada. Equipamentos são verificados e ainda há o constrangimento de ser apalpado por um segurança. Guarda-chuva e líquidos são confiscados. Tudo que pode levar perigo à integridade física dos atletas, também.

Ninguém escapa. Ontem, 700 americanos foram convidados para ver o treino aberto da seleção - cerca de 150 deles foram ao CT são-paulino. Estavam com os nomes na lista, em uma turma com inúmeras crianças. E nem os pequeninos que não se cansavam de gritar "U-S-A" escaparam do esquema de segurança. Tiveram suas mochilas reviradas, "perderam" a mamadeira ou suco e não puderam adentrar ao CT com as flâmulas dos EUA por causa dos cabos de madeira que poderiam ser utilizados como arma". 

Sem comentários.]












 

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