quinta-feira, 19 de junho de 2014

A destruição de inestimável patrimônio cultural, histórico e arqueológico do Iraque durante a ocupação militar (2003/2011) liderada pelos EUA

Os 11 anos em que os Estados Unidos permaneceram militarmente no Iraque -- desde que invadiram o país em 20/3/2003 até a retirada de suas tropas em dezembro de 2011 -- revelaram-se não apenas um fracasso do ponto de vista estratégico, político e militar (ver postagem anterior), mas se caracterizaram também por danos irreparáveis a um patrimônio artístico, cultural, histórico e arqueológico inestimável por ação e/ou omissão das tropas americanas.

Todos os relatos disponíveis na mídia internacional e na internet sobre a ocupação americana no Iraque revelam que as tropas dos EUA não só não se preocuparam em proteger minimamente os museus e sítios arqueológicos do país, depositários de testemunhos ímpares de um período importantíssimo da história da humanidade, como em inúmeros casos elas mesmas destruíram fria, irresponsável e criminosamente vários desses locais.

Segundo um relato impressionante de Joanne Farchakh Bajjaly, uma arqueóloga independente e jornalista que cobre o Oriente Médio e estuda o patrimônio histórico iraquiana há mais de uma década,  no site BBCBrasil.com indicado acima, com a guerra -- até abril de 2005 -- o Iraque havia perdido 12 mil peças arqueológicas. Em 2003, saqueadores esvaziaram um dos museus mais importantes do mundo, o Museu de Bagdá, no centro da cidade. Contrabandistas profissionais ligados à máfia internacional de antigüidades conseguiu violar algumas das portas trancadas das salas de armazenamento do museu. Eles saquearam artefatos de valor incalculável, como a coleção inteira de selos cilíndricos do museu e um grande número de esculturas assírias de marfim. Mais de 15 mil objetos foram levados. Vários deles foram contrabandeados para fora do Iraque e oferecidos no mercado.

Até abril de 2005, 3 mil desses objetos haviam sido recuperados em Bagdá, alguns devolvidos por cidadãos comuns, outros pela polícia. Além disso, mais de 1,6 mil objetos foram confiscados nos países vizinhos, cerca de 300 na Itália e mais de 600 nos Estados Unidos. A maioria das peças roubadas não foi encontrada, mas alguns colecionadores privados no Oriente Médio e na Europa admitiram possuir objetos com as iniciais IM (número de inventário do Museu do Iraque).

Sítios arqueológicos destruídos


Um número crescente de websites também oferece artefatos da Mesopotâmia - com até 7 mil anos - para venda. Sem dúvida, há mais objetos falsos apregoados na internet do que autênticos, mas a mera existência deste mercado estimulou o saque de sítios arqueológicos no sul do Iraque.

O quadro é horrendo. Mais de 150 sítios sumérios que datam do milênio 4 a.C. – tais como Umma, Umm al-Akkareb, Larsa e Tello – foram destruídos, transformados em crateras cheias de fragmentos de cerâmica e tijolos quebrados. Se escavados de maneira apropriada, estes sítios - que, estima-se, cobrem 20 quilômetros quadrados - podem nos ajudar a aprender sobre o desenvolvimento da raça humana.

"É um desastre o que todos estamos observando, mas que pouco podemos fazer para evitar. Com a ajuda de 200 recém-recrutados policiais, nós estamos tentando acabar com os saques patrulhando sítios o quanto podemos", diz o arqueólogo responsável pelo distrito de Nasiriya, Abdul Amir Hamadani. "Mas nós agora estamos totalmente sozinhos. Tropas de carabinieri italianos são as únicas forças da coalizão trabalhando ativamente nesta questão por uns poucos meses. Eles costumavam patrulhar a região por terra e por ar. Eles pararam todas as suas operações e agora estão simplesmente ajudando a treinar guardas e policiais". Pelo visto -- digo eu e não a BBC Brasil -- os americanos e outros participantes das forças de coalizão se lixaram para o problema. Faltou-lhes e falta-lhes o sentimento da importância desse tipo de patrimônio, com que os italianos estão mais do que acostumados.

Botas pesadas

As próprias forças de coalizão danificaram sítios arqueológicos ao usá-los como bases militares. 

A retirada de tropas da coalizão da Babilônia revelou a ocorrência de danos irreversíveis a uma das sete maravilhas do mundo antigo. Um relatório alarmante do administrador do departamento de Oriente Próximo do Museu Britânico, John Curtis, conta como áreas no meio de um sítio arqueológico sofreram terraplanagem para que se criasse uma área para helicópteros e estacionamento de veículos pesados. "Eles causaram danos substanciais na Porta Ishtar, um dos monumentos mais famosos da antiguidade", escreveu Curtis.

"Veículos militares dos Estados Unidos esmagaram pavimentos de tijolos de 2,6 mil anos, fragmentos arqueológicos foram espalhados pelo sítio, mais de 12 trincheiras foram cavadas sobre depósitos da antigüidade e projetos militares de deslocamento de terra contaminaram o sítio para futuras gerações de cientistas. Soma-se a isso todo o dano causado a nove das figuras moldadas de tijolos de dragões no Portão de Ishtar por pessoas que tentaram remover os tijolos da parede".

"Não terá fim a destruição do patrimônio histórico do Iraque, a menos que os líderes do país tomem uma decisão política de considerar arqueologia uma prioridade. Por isso, a rede de comerciantes em Bagdá tem que ser apreendida, saques no sul têm que ser confrontados de maneira eficaz e as forças de coalizão têm que ser impedidas de montar bases em sítios arqueológicos", escreveu a arqueóloga Bajjaly em abril de 2005. "Quanto mais tempo o Iraque ficar em estado de guerra, mais o berço da civilização estará ameaçado. Pode nem durar o suficiente para que nossos netos aprendam com esse patrimônio".

A catástrofe piorada contra a qual a arqueóloga faz seu alerta dramático pode, infelizmente, atingir em breve seu ápice. Os extremistas sunitas do autoproclamado "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" (ou da Síria, segundo a sigla ISIS, em inglês -- ver postagem anterior), já direcionam suas tropas concentradas no Norte e Oeste em direção à capital, Bagdá. Vejam o mapa abaixo:



O avanço do ISIS no Iraque - (Mapa: Haaretz). As posições acima refletem a situação em 12/6. Informações do The New York Times atualizadas hoje (18/6) indicam que Mosul, Tikrit e Dhuluiya (não mostrada e vizinha a Bagdá) já foram capturadas e Baiji foi parcialmente capturada pelo ISIS.


O nível de violência que tem caracterizado os combatentes do ISIS permite supor que a proteção a relíquias e sítios arqueológicos não faz parte de suas preocupações e objetivos. 

Os Estados Unidos falharam redondamente no Iraque e deixaram atrás de si o caos político, social e arqueológico. Não só não se interessaram em proteger os tesouros arqueológicos do país, como eles mesmos destruíram partes significativas e relevantes deles.

No entanto, à medida que cresce a perspectiva de uma invasão de Bagdá pelo ISIS, os EUA prontamente providenciaram uma força de mais de 250 soldados posicionados dentro e fora de Bagdá para proteger bens americanos, incluindo a embaixada americana na capital. Desse contingente 170 já chegaram ao Iraque, preparados e equipados para combate -- embora o presidente Obama insista em que não é sua intenção que quaisquer de seus soldados se envolvam em combate direto. Os americanos bravamente impedirão que os extremistas do ISIS façam com sua embaixadas e seus ativos no Iraque a destruição que eles americanos fizeram com sítios arqueológicos de Bagdá e alhures.

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Porta de Ishtar

A porta de Ishtar foi o oitavo portal da cidade mesopotâmica da Babilônia. Foi construída por volta de 575 a.C. por ordem do rei Nabucodonosor II no lado norte da cidade. Dedicado à deusa babilônica Ishtar (deusa da fertilidade, do amor e da guerra) o portal foi construído em fileiras de azulejos azuis brilhantes mesclados com faixas de baixo-relevo ilustrando sirrushs (dragões) e auroquesO teto e as portas foram feitos em cedro, de acordo com a placa dedicatória. Embora dedicasse o templo basicamente à deusa Ishtar, Nabucodonosor nele rendia tributo a outros deuses: os touros (auroques) são associados a Adad (deus do clima) e os dragões representam Marduk, o deus nacional da Babilônia.


Através do portal corria o caminho processional ladeado por paredes de 15 m cobertas por leões em tijolos envidraçados (aproximadamente 120 deles). Estátuas de divindades eram conduzidas através do portal durante as procissões uma vez por ano durante a celebração do Ano Novo. Originalmente o portal foi considerado uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, sendo substituído pelo Farol de Alexandria algumas centenas de ano à frente.


A reconstrução da Porta de Ishtar e da via processional foi feita no Museu do Antigo Oriente Próximo, uma seção do Museu Pergamon em Berlim, utilizando o material escavado por Robert Koldewey, tendo sido finalizada em 1930. Inclui também a placa de inscrição. Possui uma altura de 14 metros e extensão de 30 metros. A escavação se deu entre 1902-1914, e nela foram descobertos cerca de 14 m das fundações originais do monumento.

Devido às restrições de espaço no Museu Pergamon, a Porta de Ishtar ali reconstruída não está completa, nem tem seu tamanho original. A porta, originalmente, era um portão duplo, mas o Pergamon Museu utiliza apenas a parte frontal, que é a menor delas. O segundo portal está guardado, estocado. Uma reprodução menos da Porta de Ishtar foi construída em Bagdá em 1950 por Saddam Hussein, como entrada para um museu.

Partes do portal e leões da via processional se encontram espalhados por diversos museus ao redor do mundo. Apenas dois museus adquiriram dragões enquanto leões estão em alguns poucos museus. O Museu Arqueológico de Istambul possui leões, dragões e bois. O Instituto de Arte de Detroit abriga um dragão; o Museu do Louvre, o Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pennsylvania em Philadelphia, o Metropolitan Museum of Art em Nova York, o Instituto Oriental em Chicago, o Rhode Island School of Design Museum, o Museu Röhsska em Gothenburg, Suécia, e o Museu de Belas Artes em Boston possuem cada um, leões.


A Porta de Ishtar reconstruída em Bagdá por Saddam Hussein com elementos da porta original e danificada pelas forças de ocupação - (Foto: Google).






 




Detalhes da Porta de Ishtar reconstruída no Museu Pérgamo, em Berlim - (Fotos: Google).





















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