segunda-feira, 26 de maio de 2014

A permissividade absurda e criminosa da propaganda de remédios e de bebidas alcoólicas no Brasil

O brasileiro comum, de todas as categorias sociais, é bombardeado diariamente -- principalmente pelo rádio (AM e FM) e pela televisão -- por campanhas promocionais de produtos e serviços desaconselháveis e/ou nocivos à sua saúde ou por propagandas que o induzem a práticas que são danosas a ele e à sociedade. A característica básica dessas propagandas são a permissividade e a irresponsabilidade com que induzem o cidadão a consumir produtos e a adquirir hábitos que são daninhos a ele mesmo e, em alguns casos, ao meio social em que convive. Esse tipo de propaganda deseduca e cria vícios perniciosos. E toda vez que alguém ousa se manifestar contra isso surge a falácia da liberdade de se expor tais produtos e serviços, cabendo ao consumidor decidir o que quer fazer -- é o tal do movimento contra a censura na publicidade. Isso num país de serviços básicos lato sensu de frequência e qualidade baixíssimas, educação precária e com distribuição de renda extremamente injusta.

Esse viés da "liberdade de expressão", que virou um escudo gigantesco à sombra do qual é possível e ocorre cometer inúmeras barbaridades, é o cerne da criação e da atuação do CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Este órgão tem por missão "Impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial" -- "Constituído por publicitários e profissionais de outras áreas, o CONAR é uma organização não-governamental que visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial". 

Observe-se que nem remotamente é preocupação do Conar a saúde física do consumidor, mas a defesa da "saúde" empresarial está explicitada. O termo "constrangimento" utilizado na definição da missão desse órgão é emblemático da visão unilateral, oportunista e mercenária do Conar -- uma das acepções (dicionário Houaiss) desse termo é "violência física ou moral exercida contra alguém; coação". Beleza, com isso o Conar se sente no direito de não coibir a propaganda indiscriminada de medicamentos (que livre e sistematicamente induz a população aos riscos da automedicação), ao consumo de bebida alcoólica (especialmente da cerveja), a associar o carro à direção em alta velocidade, ao consumo (principalmente entre a garotada e adolescentes) de comidas nocivas à sua saúde, etc. Ou seja, com a desculpa do repúdio à "censura" o Conar permite que se protejam as indústrias e se cometam violências contra a saúde do consumidor.

Para variar, o governo federal se omite e não protege o contribuinte, como é de sua responsabilidade. Ministério da Saúde e Anvisa, entre outros, são tímidos, lentos e covardes no exercício de sua missão legal  e via de regra têm comportamento reativo e não proativo, só dando o ar da graça quando o malfeito já se implantou e, geralmente, já se consolidou.

Vamos às principais propagandas perniciosas que rolam soltas nas mídias falada e televisiva do país.

Medicamentos

Uma das mais frequentes e perniciosas, a propaganda livre de medicamentos na mídia é revoltante, criminosa e extremamente preocupante. E ninguém faz nada. O resultado imediato, claro e inequívoco disso é o assustador índice de automedicação no Brasil, o que, por exemplo, faz com que isso seja a maior causa de intoxicação no país

Levantamento feito em 2013 mostrou que nos cinco últimos anos, até aquele, a automedicação levou mais de 60 mil pessoas ao hospital no Brasil. No Brasil, os antiinflamatórios não esteroides (AINES) ocupam três das cinco primeiras posições de medicamentos mais utilizados sem orientação médica (ver tabelas). O problema disso é que essa classe de medicamentos interfere em muitos mecanismos fisiológicos normais do homem e o uso deles pode causar graves complicações. Um dos motivos dos AINES serem os mais procurados pela população em geral é que eles atuam, além de antiinflamatórios, como antitérmicos e analgésicos. O AINES mais utilizado no Brasil é a dipirona sódica. A comercialização dessa substância está proibida em alguns países da Europa e nos EUA, porque há estudos que indicam que ela pode causar agranulocitose ou seja, a falta de produção de células granulares que são responsáveis pela defesa do organismo. 

dipirona sódica foi banida da Suécia em 1974, dos Estados Unidos em 1977, assim como em mais de 30 países como Japão, Austrália, Irã e parte da União Européia. Na Alemanha a dipirona sódica somente é vendida com receita médica. Na Suécia a dipirona sódica foi re-introduzida em 1995 e banida novamente em 1999. Por que, então, ela é permitida no Brasil?!





Medicamentos à venda no Brasil que contêm dipirona sódica (às vezes citadas apenas como dipirona): Anador, Dorflex (que contém também cafeína e orfenadrina, ver tabela 2 acima), Novalgina, Buscopan, Lisador, Neosaldina, etc. Como todo e qualquer medicamento, esses também devem necessariamente ser precedidos de consulta médica.

Além da mídia falada e televisiva -- especialmente esta última, por seu poder de sedução e indução -- abrir indiscriminada e irresponsavelmente espaço para a propaganda de remédios os mais diversos, a televisão usa ainda o recurso criminoso de fazer com fundo azul todos os "alertas" (de araque) que emite após a propaganda de um medicamento. É sabido que a cor azul é relaxante, não transmite jamais a sensação de perigo -- assim, o potencial usuário daquele(s) medicamento(s) não assimila pelo "alerta" nenhuma noção de risco no consumo daquele produto. O alerta deveria ser feito com a tradicional cor de perigo ou risco, o vermelho, mas nem o Conar nem o governo se preocupam com isso. A propaganda do Dorflex que está bombando agora na TV é, ao meu ver, o mais recente exemplo desse tipo de propaganda irresponsável e criminosa.


Bebidas alcoólicas

O que se vê na televisão é uma enxurrada de propagandas de cerveja, todas elas -- sem qualquer exceção -- direcionadas exclusivamente para jovens. Os consumidores mostrados nos comerciais são invariavelmente jovens, saudáveis, bonitos, alegres  -- a cerveja é apresentada como o veículo certo para uma vida alegre, despreocupada e aparentemente saudável. Hipócrita e quase que à surdina, repisando uma frase escrita timidamente e em tamanho reduzido na tela, mal se ouve uma voz (quando existe) que diz "beba com moderação" ou "se beber não dirija". 

Se a cerveja já era um anunciante poderoso e uma enorme fonte de arrecadação fiscal para o governo federal antes da Copa de 2014, agora então nem se fala. Por ser o principal patrocinador do evento para a Fifa, um de seus fabricantes adquiriu poderes absurdos, a ponto da Fifa nos impor a suspensão da lei que impede a venda de cerveja nos estádios. O setor de bebidas frias (cujo principal participante é o de fabricantes de cervejas) é tão forte que -- com a cumplicidade irresponsável do segmento de bares e restaurantes --  pressionou o governo contra o aumento de tributação anunciado, e o governo de Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias) covardemente cedeu. Instrumentos da chantagem contra o governo e contra a saúde dos brasileiros: aumento de 5%  nas bebidas e a ameaça de demissão de até 200 mil pessoas pela Abrasel - Associação Brasileira de Bares e Restaurantes caso a alta de impostos não fosse adiada (isto, em ano eleitoral, seria fatal para Dilma NPS).  

Resultado: o governo voltou atrás nesta terça-feira (13/5) e decidiu adiar por três meses o aumento dos impostos sobre bebidas frias -- cervejas, refrigerantes, isotônicos e refrescos. O reajuste será feita aos poucos, e não de uma vez só. Em troca, os empresários assumiram o compromisso de não aumentar os preços durante a Copa. A alta de impostos estava prevista para entrar em vigor em 1º de junho e, agora, ficou para 1º de setembro.

A decisão foi tomada após encontro do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com representantes do setor de bebidas frias e do segmento de bares e restaurantes. "O governo postergará o aumento da tabela e o setor adiará o aumento de preços. Será uma Copa sem aumento de preços de bebidas", disse Mantega.A manutenção dos preços terá um efeito benéfico na inflação, continuou Mantega. "Inflação está sob controle e o setor poderá dar contribuição nesse sentido. Os preços estão mais comportados, mas queremos que eles não subam nada", explicou.

Eis aí a síntese de como o governo de Dilma NPS -- que é uma mãe de família -- vê a indústria cervejeira: fonte de arrecadação de impostos e instrumento de pressão sobre a inflação. Só isso, nada mais que isso. Danos à saúde da juventude que se embebeda cada vez mais, e cada vez mais cedo? Besteira, isso não é problema dela -- mesmo tendo um netinho. Em setembro de 2012 fiz uma postagem sobre isso

O consumo de álcool no Brasil supera a média mundial e apresenta taxas superiores a mais de 140 países. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, em um informe publicado em 12/5, alertou que 3,3 milhões de mortes no mundo em 2012 (5,9% do total) foram causadas pelo consumo excessivo do álcool. O volume é superior a todas as vítimas de aids e tuberculose. A OMS avaliou dados de 194 países e chegou à conclusão de que o consumo médio mundial para pessoas acima de 15 anos é de 6,2 litros por ano. No caso do Brasil, os dados apontam que o consumo médio é de 8,7 litros por pessoa por ano.

Em outubro de 2012, fiz postagem denunciando que o álcool mata mais rápido que o cigarro e que casas noturnas do Rio faziam promoções para que os jovens se embebedassem.

Em 15 de março de 2011, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS -- epa, uma maçã "podre" decente na cesta do PT?!) apresentou proposta de ementa que modifica a Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, estendendo as restrições da publicidade de bebidas alcoólicas a cervejas e assemelhados. Sua proposta tramita apensada ao Projeto de Lei PL 2134/2007. Pelo tempo já decorrido, essa proposta deve estar sofrendo forte reação da indústria cervejeira.

Carros

Muito raramente se vê na televisão uma propaganda de carro em que o veículo não esteja em alta velocidade, na cidade, em estradas e até no campo. Há um claro e criminoso estímulo à direção em alta velocidade, num país traumatizado por mais de 40.000 mortes no trânsito por ano.

Encaminhei ao Conar uma reclamação contra uma propaganda recente da Ford, em que um pedestre toma o carro (Ford) de um motorista, identificando-se como policial, e sai em louca disparada por uma cidade cantando pneus em perseguição a uns marginais mascarados. O Conar se lixou para a minha reclamação. E ninguém se mexe para coibir isso, nem os órgãos de defesa do consumidor e muito menos o governo.


Fast food


A propaganda de produtos alimentícios na televisão é outro lixo, apregoando produtos extremamente nocivos à saúde humana. E frequentemente esse tipo de propaganda envolve crianças e adolescentes, que aparecem felicíssimos comendo hambúrgueres, batatas fritas, frituras e outros besteiras de mesmo calibre. É claro que ninguém, em esfera alguma, se mexe contra isso. O resultado disso já pode ser visto em qualquer lugar: se não gostar de ir a shoppings, nem que seja vapt-vupt, sente-se num banco de jardim e veja a fauna humana que circula. É impressionante o aumento visível de obesos, em todas as faixas etárias! E esse é apenas o lado visível da ingestão crescente de alimentação inadequada e ruim, de alto teor de gordura e de outros produtos maléficos à saúde contidos principalmente na comida chamada de "fast food", indiscriminada e impunemente anunciada na rádio e na televisão.


Uma exceção

A fantástica e extremamente louvável eliminação da propaganda de cigarros em toda a mídia é um claro e inequívoco exemplo de que devemos persistir na luta para eliminar também da mídia os anúncios dos três péssimos produtos citados acima.

Outra exceção


Em 23 de junho de 2010, enviei por e-mail reclamação ao Conar contra uma propaganda denominada "Shell - Vamos Juntos" que mostrava um garoto soltando pipa numa praia, junto com um cachorro. Solicitava a suspensão imediata da propaganda, por seu caráter deseducativo e ilegal, já que infrigia legislações específicas que proíbem cães e soltar pipa nas praias. 


No dia 23 de setembro de 2010 recebi email do CONAR (ver postagem) informando-me de que minha queixa havia sido levada a julgamento pelo seu Conselho de Ética, tendo sido deliberada por unanimidade de votos, em 1ª instância,  a sustação da veiculação daquele anúncio. Isso vem mostrar e comprovar a importância e a necessidade da manifestação do cidadão contra atos e atitudes que agridem a ética e a moralidade e ferem seus direitos.


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