domingo, 6 de abril de 2014

Grande projeto agrícola da China na Bahia não sai do papel, mas chineses são uma pedra no nosso sapato

[No momento em que o namoro Brasil-China está nas manchetes, com a assinatura de 32 acordos de cooperação entre os dois países, é interessante constatar que até agora fracassou um projeto agrícola de grande porte da China no Brasil, o que pelo menos serve como alerta de que de repente nem tudo que tem a assinatura chinesa é garantido. A reportagem abaixo foi publicada no site Exame.com em 04/4/2014. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]


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Vista geral do terreno onde a Chongqing Grain Group planeja construir uma fábrica de esmagamento e processamento de soja, perto de Barreiras, na Bahia, em fevereiro - (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters - Fonte: Exame.com).

Nenhuma placa em um campo árido no Nordeste do Brasil indica que ali será o centro de uma das mais ambiciosas incursões agrícolas da China na América do Sul. Em 2011, a Chongqing Grain Group anunciou planos para construir na região de Barreiras, no oeste da Bahia, uma fábrica de esmagamento de soja, ferrovia e um polo gigante de armazenagem e transporte de grãos para exportação para a China. Valor total do empreendimento: 2 bilhões de dólares. No entanto, até hoje, a empresa só conseguiu fazer a terraplenagem de uma área de 100 hectares, onde a unidade de processamento poderia um dia ser instalada.

Com o projeto em espera, o mato e os arbustos estão começando a crescer de novo no terreno limpo. Os planos paralisados são exemplos das dificuldades enfrentadas pelos investimentos chineses outrora promissores no Brasil. A notória burocracia brasileira, a desaceleração econômica do país e uma desconfiança profunda em relação à fome chinesa por terras parecem explicar por que o campo ainda está vazio. Uma investigação da Reuters no ano passado descobriu que, após uma onda de anúncios de investimento nos últimos anos, até dois terços dos projetos chineses no Brasil enfrentam atrasos ou nunca saíram do chão.

O governo do Estado da Bahia diz que os planos do grupo Chongqing ainda estão se movendo para a frente -- lentamente. "É apenas em um processo burocrático", disse Josalto Alves, porta-voz da Secretaria de Agricultura da Bahia. Segundo ele, a fábrica precisa da aprovação de um governo municipal, bem como licenças ambientais. Não está claro se a Chongqing abandonou os outros elementos do projeto. Representantes da empresa na China e em sua subsidiária na Bahia, chamada Universo Verde, recusaram-se a responder repetidos pedidos de entrevista.

Alves disse que a empresa ainda está avaliando projetos de infraestrutura, apesar de outras autoridades locais dizerem à Reuters que as empresas brasileiras tendem a construir o polo ferroviário. Margaret Myers, diretora do programa para a China e América Latina na Inter-American Dialogue, uma empresa de análise com sede em Washington, suspeita que os atrasos são causados por mais do que burocracia.

A Chongqing Grain Group originalmente planejava não apenas construir uma unidade, mas também adquirir grandes extensões de terras ao redor, segundo a imprensa brasileira. Na época, os legisladores brasileiros expressaram preocupações de que a China estava interessada em garantir o máximo de recursos naturais que podia, com pouco benefício para o Brasil, um dos poucos países no mundo com novas terras disponíveis para a agricultura. Myers disse que o projeto da Chongqing foi amplamente percebido como uma "apropriação de terras".

O governo brasileiro reforçou restrições à propriedade de terras por estrangeiros em 2010, exatamente quando as negociações dos detalhes do projeto estavam em andamento. Autoridades disseram privadamente que a nova legislação foi destinada principalmente à China. [Ver postagens anteriores sobre a compra de terras no Brasil por estrangeiros, uma em 13/7/2012 e outra em 16/11/2012. Esse assunto possui contornos de segurança nacional, principalmente no caso de empresas chinesas que, em sua esmagadora maioria, são empresas estatais.]

O governo do Estado da Bahia passou anos cortejando a Chongqing e ainda tem um escritório na China.

A China compra a maior parte da soja enviada pelo Brasil ao exterior. Mas empresas agrícolas chinesas parecem estar mudando sua abordagem após desafios recentes. Em vez de controlar toda a cadeia de produção de soja, algo que pretendia fazer na Bahia, a China tem buscado recentemente a aquisição de casas comerciais de produtos agrícolas.

Na quarta-feira, a maior trading de grãos da China, a Cofco, concordou em pagar 1,5 bilhão de dólares por uma participação majoritária na unidade de agronegócio do Grupo Noble, com sede em Cingapura. A compra seguiu o acordo da Cofco, em fevereiro, para comprar uma participação de 51 por cento na trading de grãos holandesa Nidera, naquela que foi a primeira grande compra de uma casa de comércio por uma empresa agrícola estatal chinesa.

A Cofco agora vai ser capaz de comprar suprimentos de soja diretamente no Brasil e em outros países produtores, e processá-los em ração animal na China. Isso permitiria aos chineses trabalhar com menor interferência das quatro grandes tradings de grãos do mundo: ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. Isso pode ser mais viável do que tentar entrar no jogo do Brasil, onde empresas dos EUA e da Europa têm unidades para esmagar e negociar soja há décadas.

No oeste da Bahia, unidades da Cargill e Bunge já têm acordos para comprar soja de produtores locais. "As indústrias são muito bem estabelecidas e é difícil para os recém-chegados entrarem, mesmo para aqueles tão persistentes chineses", disse Carlo Lovatelli, presidente da Abiove, que reúne as indústrias de soja do Brasil.

A cidade de Barreiras vai analisar a proposta da Universo Verde para o plano de planta de esmagamento em breve, disse Adalto Soares, porta-voz do gabinete do prefeito, nesta semana. A planta seria integrada com um novo distrito industrial planejado para a cidade, que incluiria um porto seco com acesso ferroviário -- agora suscetível de ser construído por empresas brasileiras, disse ele.

[No contexto da recente reunião dos Brics em Fortaleza a China, com o apoio do Brasil, conseguiu um precioso espaço adicional na América do Sul para ampliar sua posição estratégica no continente. O Brasil petista ajudou a raposa chinesa a entrar no galinheiro sul-americano, e roubar-lhe espaço político-estratégico. Não há a mínima hipótese de que a China faça o mesmo com o Brasil na Ásia ou na África por exemplo. Nem mesmo no próprio mercado chinês. Reciprocidade não é o forte da República Popular da China. 

Um dos grandes resultados para a China nesse envolvimento com os países sul-americanos, com o estímulo brasileiro, foi investir , negociar, financiar e conseguir contratos na Argentina -- algo em torno de 11 bilhões de dólares.  Esse espaço chinês na Argentina o Brasil jamais conseguirá desfazer e, certamente, ele se ampliará.

A América Latina é o novo -- ou mais um -- campo de batalha econômico entre China e EUA. Nada me tira da cabeça que essa atitude de Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias) de apoiar a "ocupação" da China nas nossas redondezas faz parte da miopia petista de "represálias" contra os EUA, para não deixar esmaecer a animosidade entre nós e os americanos. A China já entrou firme no setor energético brasileiro, na área elétrica e no pré-sal. Há evidências claras de que a China tem utilizado a Argentina para burlar as medidas do governo brasileiro para proteger nossa indústria de uma invasão de produtos chineses.

Enquanto se discute o papel do BNDES no financiamento a obras de infraestrutura no exterior, a China ganha espaço silenciosamente nos serviços de engenharia da América Latina e já se apresenta como uma ameaça às pretensões de empresas brasileiras em países vizinhos. Em 2003, os asiáticos detinham participação de 1,8% no mercado latino-americano de grandes obras de engenharia. Essa fatia, impulsionada por financiamento de longuíssimo prazo e compras de petróleo com pagamento antecipado, subiu sete vezes em uma década e alcançou 12,1% em 2012.

A presença cada vez mais agressiva de construtoras chinesas se coloca como ameaça ao crescimento das grandes empresas brasileiras (Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Camargo Corrêa) na América Latina e na Ásia. Segundo um executivo de uma empreiteira nacional, a agressividade da China não está tanto no custo do crédito -- com o qual o BNDES consegue competir --, mas nos prazos do financiamento e no volume de desembolsos. Enquanto o banco de fomento brasileiro dá entre oito e dez anos de prazo nos empréstimos a serviços de engenharia, com dois a quatro anos de carência, os chineses oferecem até 30 anos de financiamento e carência raramente inferior a cinco anos. "Outro aspecto a notar é a liberação dos recursos. O BNDES demora até 480 dias, após a aprovação do financiamento, para fazer o primeiro desembolso. A China faz isso em 120 dias", diz o executivo.

Outro expediente adotado por Pequim, especialmente na Venezuela, é fechar grandes contratos de compra de petróleo com entrega durante anos, mas pagamento antecipado. O dinheiro se volta justamente para obras executadas por empreiteiras chinesas.

Os gráficos abaixo nos dão uma ideia da posição relativa entre Brasil e China na América Latina em termos de serviços de engenharia (clique na imagem para ampliá-la):




É ilusão pretender superar a experiência milenar e a inteligência chinesas em negociações bi e multilaterais, mas o Brasil regrediu tremendamente nos últimos 12 anos nessas áreas e em política externa em termos gerais.]









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