quinta-feira, 3 de abril de 2014

Apreensão de 3,7 toneladas de cocaína em Santos provoca investigação sobre conexão entre traficantes brasileiros e europeus

[A reportagem abaixo foi publicada no site da versão brasileira do jornal espanhol El País de 01/4.]

Há um ano, agentes de São Paulo e Santos apuram quem seriam os receptores de 3,7 toneladas de cocaína. Uma das suspeitas é de ligação com a facção criminosa PCC

É a maior apreensão do tráfico internacional dos últimos anos



Parte do dinheiro apreendido pela polícia em Santos, durante operação contra tráfico internacional. / Divulgação Polícia Federal - (Fonte: EL PAÍS)

Um dia após anunciar a apreensão de 3,7 toneladas de cocaína no porto de Santos, o maior terminal da América Latina, a Polícia Federal agora se vê diante de um novo desafio: identificar quem seriam os compradores dessa droga no atacado e se as quadrilhas brasileiras têm conexões com facções internacionais, como a máfia italiana ou bandos portugueses e espanhóis. Para chegar a essas informações, os agentes brasileiros contam com a colaboração de policiais de outros países para onde a droga foi levada como Espanha, Itália, Portugal, Cuba e África do Sul.

Nos últimos doze meses, duas operações da PF (batizadas de Hulk e Oversea) descobriram um esquema de transporte um tanto simples, mas até então desconhecido dos policiais. Funcionários terceirizados de empresas de logística cooptados pelas quadrilhas brasileiras inseriam mochilas e sacolas carregadas de cocaína dentro de contêineres que já haviam sido embarcados e lacrados. Os donos dessas cargas e os responsáveis pelo porto, conforme a polícia, desconheciam o delito.

Era um tráfico “formiguinha”, já que, raramente, a quantidade de cocaína colocada dentro de cada contêiner passava de 100 quilos - um contêiner comporta em média 20 toneladas de produtos. Para não levantar suspeita, os criminosos rompiam o lacre do contêiner e o substituíam por um lacre clone (igual ao que havia sido rompido). Junto com a mochila com a droga, havia outro lacre clone para ser usado quando a droga chegasse ao seu destino. Isso porque a droga era retirada do navio antes que a carga legal fosse desembarcada.

No período, 83 pessoas foram presas, sendo 23 delas na segunda-feira passada. Há ainda outros 23 suspeitos foragidos, entre eles, um português. A polícia chegou ao esquema após uma série de denúncias que apontavam a participação desses funcionários. Nas investigações, descobriu-se que ao menos uma das células da quadrilha era vinculada à facção Primeiro Comando da Capital (PCC), a principal organização criminosa de São Paulo. Dois suspeitos foram apontados como membros desse grupo: André Oliveira Macedo, o André do Rap (um dos chefes do grupo em Santos) e Jefferson Moreira da Silva, o Dente, seu braço-direito.

De acordo com a polícia, a droga apreendida em Santos era produzida na Bolívia e entrava no Brasil pela fronteira seca com os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (às vezes passando pelo Paraguai) e por meio de rodovias seguia até a região da Grande São Paulo, onde era estocada. Quando algum chefe do bando ordenava, a droga era levada para Santos, de onde partia para as rotas internacionais. Um dos portos onde a cocaína desembarcou antes de seguir para o continente europeu foi um das Ilhas Canárias, arquipélago espanhol no oceano Atlântico próximo ao Marrocos.

Dimensão

Esse foi o maior desfalque dado contra traficantes internacionais brasileiros nos últimos anos. Antes dele, houve um outro grande rombo contra o crime, em março passado, quando a operação Monte Pollino, também da PF, prendeu 20 pessoas acusadas de enviarem 1,3 tonelada de cocaína para a Itália. Nesse caso, conforme a PF houve a participação da máfia italiana.

A enorme evolução patrimonial dos investigados na última investida contra os criminosos chamou a atenção da polícia. Eles tinham investimentos em imóveis, carros de luxo e usavam laranjas para ocultar e lavar o dinheiro, assim como para fazer o câmbio do dinheiro obtido com o tráfico internacional.

A opção por vender a droga em outros continentes é óbvia: fora do Brasil o traficante lucra mais. Um grama de cocaína em São Paulo, por exemplo, custa até 50 reais (22 dólares), enquanto que em solo europeu é 4,4 vezes mais cara, 222 reais (98 dólares).
Durante os 12 meses de trabalho, a polícia apreendeu uma embarcação, 230.000 euros em dinheiro, 290.000 reais, 440.000 dólares, 13 carros e dois caminhões, além de dez fuzis e pistolas. Ainda é pouco, perto dos milhões de reais que o grupo movimentou nos últimos meses, entre 20 milhões e 30 milhões de reais, segundo policiais consultados por este diário.

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