sexta-feira, 28 de março de 2014

A matemática pode ajudar a encontrar os restos do avião desaparecido?

[A notícia abaixo é do site BBC Brasil, publicada em 26/3. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]


Austrália informou que buscas foram retomadas no Oceano Índico - (Foto: Getty - Fonte: BBC Brasil).

Técnicas matemáticas inspiradas em um clérigo britânico do século 18 já ajudaram nas buscas por aeronaves acidentadas no mar. Será que poderão ajudar nos esforços para encontrar o voo MH370?

Na segunda-feira, o premiê malaio, Najib Razak, afirmou que o voo "terminou no mar" e que não deixou sobreviventesNo entanto, a busca pelos restos do avião e sua caixa-preta continua, ela pode dar pistas sobre as circunstâncias que levaram a seu desaparecimento.

A Autoridade Marítima Australiana afirmou, na quarta-feira (noite de terça no Brasil) que as buscas foram retomadas após as condições meteorológicas terem melhorado no sul do oceano Índico, onde acredita-se que o avião tenha se acidentado. Segundo a Austrália, 12 aeronaves participam da operação.

No caso do voo AF 447, da Air France, que se acidentou no Atlântico em 2009 na rota Rio de Janeiro-Paris, destroços foram encontrados flutuando no oceano cinco dias após a tragédia, mas o mistério ao redor do tema não poderia ser resolvido sem que se encontrasse a caixa-preta com as gravações da cabine. E, por conta das correntes marítimas, as partes do avião podem se distanciar muito do local do acidente.

A guarda-costeira americana frequentemente usa diferentes tipos de software para simular possíveis movimentos dos destroços após o impacto inicial. Mas esses programas não serviam no caso do AF 447 por causa da imprevisibilidade que caracteriza a faixa equatorial, sobretudo na época do ano em que a tragédia ocorreu.

Estatísticos

Navios e submarinos de Estados Unidos, Brasil e França continuaram as buscas, sem resultados. A autoridade francesa de investigação de acidentes (BEA, na sigla em francês) decidiu então pedir ajuda a um grupo de especialistas em estatísticas dos Estados Unidos, com experiência na localização de objetos perdidos no mar. Foi por isso que Colleen Keller foi à França para colaborar com as buscas.

Para transformar em números e probabilidades as teorias da BEA quanto aos possíveis locais do acidente, Keller e sua equipe da empresa Metron Inc se basearam no chamado Teorema de Bayes, desenvolvido pelo estatístico e clérigo presbiteriano britânico Thomas Bayes, morto em 1761.

A técnica criada por Bayes permite avaliar ao mesmo tempo vários cenários, inclusive contraditórios, para encontrar a opção de maior probabilidade.

Keller e seus colegas avaliaram o grau de incerteza de cada lado disponível para determinar o local mais provável da localização do avião. Daí dividiram a área de busca em quadrados e usaram cifras para calcular, em cada seção, a chance de que os destroços estivessem ali. Essas cifras vieram da análise de diferentes teorias dobre as causas do acidente -- por exemplo, avaliações de diferentes falhas mecânicas possíveis levaram a diferentes graus de probabilidade de cada cenário.

Os investigadores americanos estudaram então dados históricos de acidentes prévios e determinaram, por exemplo, que os aviões foram encontrados frequentemente muito perto de sua última posição conhecida. Por fim, Keller reduziu a probabilidade dos locais onde já haviam sido realizadas buscas infrutíferas.
"Há dois componentes que fazem da matemática de Bayes algo único", explicou Keller. "Por um lado, permite considerar toda a informação incluindo diferentes graus de incerteza e combinar dados, até mesmo probabilidades excludentes. No caso do voo MH370, se considerava uma possível trajetória ao norte e outra ao sul da última posição conhecida. O avião foi para um lado ou outro, mas o teorema permite avaliar todas as teorias". Além disso, a técnica desenvolvida por Bayes é flexível, diz Keller. Se houver novos dados, eles são incorporados, e o mapa de probabilidades se atualiza.

Hipótese errada

No caso do voo da Air France, havia certeza de que o avião caíra em um raio de 40 milhas da última localização transmitida pelo sistema de segurança da aeronave. Mas a área da busca era tão grande que os investigadores não sabiam por onde começar. O mapa de probabilidades desenhado por Keller permitiu limitar essa área, mas mesmo assim os destroços não foram encontrados. Vários meses depois, Keller foi chamada pela Air France para uma nova tentativa de análise de dados. Então, Keller e seus colegas questionaram uma hipótese presumida a princípio. Dados históricos indicavam que, após a queda de um avião, a caixa-preta seguia emitindo sinal em 90% dos casos.

Imediatamente depois do desaparecimento do voo AF 447, as equipes de busca passaram dias varrendo com radares as áreas próximas da última localização conhecida, tentando detectar sinais dos gravadores de voz da caixa-preta. Como nenhum sinal foi detectado, Keller e sua equipe haviam concluído que a chance de se encontrar o avião nessas áreas era muito baixa. Mas e se nem a caixa-preta ou os gravadores estivessem emitindo sinais?

Os analistas da Metron adaptaram seu modelo para incluir essa possibilidade e determinaram novas áreas de alta probabilidade. Os novos dados permitiram a localização do avião.
"Áreas imensas"
A caixa-preta e o gravador indicaram uma combinação de erros humanos e falhas técnicas por trás da queda do voo, que resultou na morte de 228 pessoas. Para Keller, foi um "milagre" que os restos do avião tenham sido encontrados. "Estavam no fundo do mar, em uma zona arenosa". 
Ela não tem certeza de que os destroços do voo da Malaysia Airlines sejam achados algum dia - porque, mesmo que sejam encontradas algumas peças, não significa que o restante da aeronave seja fácil de se encontrar. "Se passaram tantos dias desde o desaparecimento que não acho que encontrar algum objeto possa ser muito útil", prosseguiu Keller. "São áreas imensas. Sei que muitos podem pensar: como é possível não encontrar um Boeing 777? Mas, se estiver no fundo do oceano Índico, infelizmente talvez não seja encontrado".

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Outra notícia da BBC Brasil, também de 26/3, informa que dados enviados por satélite mostram outros 122 objetos que, possivelmente, seriam vestígios do avião da Malaysia Airlines, segundo ministro interino dos Transportes da Malásia, Hishammuddin Hussein. As imagens, capturadas no domingo, 23 de março, mostram objetos com até 23 metros de comprimento, de acordo com o ministro.

Os objetos foram localizados em uma área de 400 quilômetros quadrados, a cerca de 2,5 mil km de Perth, no oeste da Austrália, segundo Hussein.

[Thomas Bayes (pronuncia-se "beiz")  bayes.pdf  foi um reverendo presbiteriano que viveu no início do século 18 (1701?-1761) na Inglaterra. Estudou teologia na Universidade de Edimburgo (Escócia), de onde saiu em 1722. Em 1731 assumiu a paróquia de Tunbridge Wells, no condado de Kent, a 58 km de Londres. No mesmo ano apareceu na Inglaterra um livro anônimo – hoje creditado a Bayes – chamado Benevolência Divina. Cinco anos
depois, publicou seu primeiro e único livro de matemática, chamado "The doctrine of fluxions" ("A doutrina dos fluxions") – o nome fluxion foi dado pelo matemático e físico Isaac Newton (1642-1727) para a derivada de uma função contínua (que Newton chamava de fluent).

Com base nesse livro e em outras possíveis contribuições sobre as quais não temos dados precisos, Bayes foi eleito em 1752 para a Real Sociedade, entidade científica britânica criada em 1645. Dois anos após sua morte um amigo, o filósofo Richard Price (1723-1791), apresentou à Real Sociedade um artigo, que aparentemente achou entre os papéis do reverendo, com o nome "An essay towards solving a problem in the doctrine of chances" ("Ensaio buscando resolver um problema na doutrina das probabilidades"). Nesse artigo estava a demonstração do famoso Teorema de Bayes. Price acreditava que o artigo fornecia uma prova da existência de Deus -- o texto, na íntegra, está na página http://publicacoes.gene.com.br/ciencia_hoje/Bayes.pdf.  Após sua publicação o artigo caiu no esquecimento, do qual só foi resgatado pelo matemático francês Pierre-Simon de Laplace (1749-1827), que o revelou ao mundo.

Em teoria da probabilidade o Teorema de Bayes mostra a relação entre uma probabilidade condicional e a sua inversa; por exemplo, a probabilidade de uma hipótese dada a observação de uma evidência e a probabilidade da evidência dada pela hipótese. Esse teorema representa uma das primeiras tentativas de modelar de forma matemática a inferencia estatística, feita por Thomas Bayes.


teorema de Bayes é um corolário do teorema da probabilidade total que permite calcular a seguinte probabilidade:
\Pr(A|B) = \frac{\Pr(B|A)\, \Pr(A)}{\Pr(B)} \!

A regra de Bayes mostra como alterar as probabilidades a priori tendo em conta novas evidências de forma a obter probabilidades a posteriori.
Alguns preferem escrevê-lo na forma:
\Pr(A|B)\, \Pr(B) = \Pr(A\cap B) = \Pr(B\cap A) = \Pr(B | A) \Pr(A)=\Pr(A | B) \Pr(B) \!

A ideia principal é que a probabilidade de um evento A dado um evento B (e.g. a probabilidade de alguém ter câncer de mama sabendo, ou dado, que a mamografia deu positivo para o teste) depende não apenas do relacionamento entre os eventos A e B (i.e., a precisão, ou exatidão, da mamografia), mas também da probabilidade marginal (ou "probabilidade simples") da ocorrência de cada evento. Por exemplo, se as mamografias acertam em 95% dos testes, então 5% é a probabilidade de termos falso positivo ou falso negativo, ou uma mistura de falso positivo a falso. O teorema de Bayes nos permite calcular a probabilidade condicional de ter câncer de mama, dado uma mamografia positiva, para qualquer um desses casos. A probabilidade de uma mamografia positiva será diferente para cada um dos casos.

No exemplo dado, há um ponto de grande importância prática que merece destaque: se a prevalência de mamografias resultado positivo para o câncer é, digamos, 5,0%, então a probabilidade condicional de que um indivíduo com um resultado positivo na verdade não tem câncer é bastante pequena, já que a probabilidade marginal deste tipo de câncer está mais perto de 1,0%.

A probabilidade de um resultado positivo é, portanto, cinco vezes mais provável que a probabilidade de um câncer em si. Além disso, alguém pode deduzir que a probabilidade condicional que mamografias positivas realmente tenham câncer é de 20%. Isso poderia ser menor, se a probabilidade condicional que dado um câncer de mama, a mamografia sendo positiva não é de 100% (i.e. falso negativos). Isso serve para mostrar a utilidade do entendimento do teorema de Bayes.]



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