terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A mídia está nítida e sintomaticamente forçando a barra na tipificação da tragédia que matou o cinegrafista da TV Bandeirantes

O absurdo, deplorável, revoltante e inadmissível ato de violência ocorrido na manifestação na Central do Brasil, no Rio, na quinta-feira passada, que resultou na tragédia da morte do Santiago Andrade da TV Bandeirantes tem que ser repudiado por todos e o culpado tem que sofrer o rigor da lei. E algo precisa ser feito urgentemente para acabar de vez com a liberdade de vandalismo e barbárie que a sociedade delegou aos boçais mascarados que transformaram nossas ruas e praças em palcos franqueados para sua estupidez e selvageria -- tudo isso para preservar um conceito inteiramente equivocado e idiota de "liberdade de expressão". Mesmo quando os atores são figuras covardes e abjetas que sequer têm a coragem de agir sem máscaras.  Mas, o episódio começa a ser perversa, sintomática e egoisticamente distorcido em benefício próprio pela mídia, como já assinalei em postagem recente.

Há reiterados e preocupantes indícios de, a partir desse episódio, montagem de uma estratégia e de uma campanha sistemáticas para se transformar todo e qualquer jornalista aprioristicamente em uma vítima caçada por todo mundo, um mártir eterno da democracia e que, por isso, a sociedade como um todo tem que lhe dispensar uma proteção especial absolutamente diferenciada -- para melhor -- dos demais cidadãos do Brasil e do planeta.  Esse andor do jornalismo seguramente não aguenta esse sacolejo todo, a não ser que o reforcem com recursos que vão acabar prejudicando a democracia, em de ajudá-la e protegê-la.

Em seu editorial de hoje o Globo diz: "Nessas manifestações, desde a infiltração daqueles grupos radicais, repórteres da imprensa profissional passaram a ser hostilizados e ameaçados — uma excrescência na democracia". Quer dizer então que para esse ilustre jornal hostilizar e ameaçar o transeunte comum, os comerciantes, os policiais, os motoristas de carros privados e do transporte público e seus veículos, e o patrimônio público (só para citar alguns casos) -- como fazem os manifestantes boçais -- não é também uma excrescência na democracia?! Jornalistas da TV Globo foram hostilizados nas manifestações de junho passado no Rio, e a mesmíssima coisa ocorreu em assembleia de policiais em fevereiro de 2012. A estrada da democracia está entupida de quebra-molas, buracos, bueiros que explodem e outros que tais -- quem quiser enfrentá-la tem que estar preparado, ou então não saia de casa. Espero que o editorialista de hoje do Globo não tenha escrito sob o efeito da mágoa com as hostilidades recentes aos seus colegas -- mas, tudo indica que o cidadão ficou e está ainda mordido com isso. 

O jornal Estado de S. Paulo de hoje publica matéria com o título "Jornalistas foram alvo de 126 atos de agressão desde o início dos protestos". Este título é um primor de capciosidade e de tendenciosidade, quer fazer crer que tais atos foram intencionalmente dirigidos contra os jornalistas -- o próprio fato que serviu de gancho para essa denúncia por representantes das empresas de comunicação brasileiras ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em reunião realizada em Brasília desmente essa afirmação.  Ficou mais do que claro que o cinegrafista da Band foi vítima da fatalidade de um rojão que é intrinsecamente imprevisível depois de aceso e solto, disparado por um boçal mascarado. Com essa abordagem da mídia, fatos fundamentais nesse contexto acabam ficando em segundo ou terceiro plano, como por exemplo a utilização absurda desse tipo de artefato no protesto e a maneira completa e irresponsavelmente despreparada -- em termos de segurança pessoal -- com que o cinegrafista foi cobrir um episódio de guerrilha urbana de violência inteiramente previsível.

O que nos deixa perplexo é que mesmo com o registro das tais 126 agressões em apenas oito meses desde os protestos de junho/2013, e com toda a violência que a mídia afirma -- e certamente documenta -- que cerca o jornalismo nas ruas, uma empresa de TV manda um cinegrafista seu documentar uma manifestação de protesto no Rio -- com um histórico de 8 meses de violência sem controle -- absolutamente desprovido de qualquer item de proteção à sua integridade física. Isso é facilmente constatado em todos os registros da tragédia -- além disso, Santiago Andrade foi atingido quando estava de costas para a Central do Brasil, onde se concentravam os black blocs e demais manifestantes, filmando algo que ocorria da direção da Av. Presidente Vargas.

Aí, depois da tragédia e de uma família enlutada, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Augusto Schröder, destacou nesta segunda-feira a necessidade de adoção de equipamentos de segurança nas coberturas jornalísticas. "Além disso, as empresas precisam incorporar a responsabilidade de segurança para elas. Precisamos usar todos os equipamentos de segurança em situações em que ocorra o risco", afirmou Celso Augusto Schröder. Por que ele e a Fenaj não brigaram por isso antes, o que poderia ter poupado a vida de Santiago Andrade? O que esse cidadão e sua Federação faziam e fizeram enquanto seus membros reportavam e denunciavam que eram vítimas de violências físicas, e toda a mídia confirmava isso? 

Ainda no Globo de hoje a jornalista e professora da UFF Sylvia Moretzsohn afirma: "Foi um cinegrafista. Ele não estava com os equipamentos de segurança necessários para uma cobertura como aquela, o que responsabiliza a empresa para a qual trabalhava. Se usasse capacete, talvez tivesse escapado. É certo: jornalistas precisam estar protegidos para desempenhar sua função. Mas podia ter sido qualquer um, e pessoas comuns não andam por aí com armaduras". A mestra resolveu dar uma no prego e outra na ferradura -- teria sido muito melhor se tivesse se limitado só à primeira martelada. É evidente que a TV Bandeirantes tem que ser responsabilizada por proteger um empregado seu para realizar um trabalho de alto risco -- alguém ouviu algum outro cidadão ou entidade da mídia falar em responsabilização criminal e trabalhista da Band pelo ocorrido com seu cinegrafista? Com referência ao uso de armaduras, a professora poderia ter nos poupado dessa idiotice.

Querer privilegiar o jornalista como um profissional sob alto risco na presença de uma coletividade que, diariamente, enfrenta os trens sucateados e descarrilantes da Supervia, os ônibus sem segurança (veicular e policial) e sem vistoria, o cerco dos traficantes, sem serviços públicos de saúde, etc, etc, é cuspir na cara dessa gente. Depois, a mídia finge não entender porque é hostilizada. 





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