segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Brasil que não tem conta em banco

[O Brasil volta e meia é chamado de Belíndia, por possuir uma economia e uma população que apresentam segmentos muito distintos, com as características respectivas de Bélgica e Índia -- ou seja, discrepâncias sócio-econômicas tão profundas como as existentes entre esses dois países. Acho que esse apelido é incompleto e insuficiente, nossas mazelas e sequelas extrapolam a simplicidade dessa denominação -- o problema é achar uma sigla palatável e/ou pronunciável para nos descrever. Cada vez mais frequentemente no governo Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias), por exemplo, o Brasil parece e se comporta como uma Belcubíndia, com a excessiva, burra e incompetente ingerência do Estado na economia cada vez mais presente, ao melhor estilo cubano. O texto abaixo, do Estadão de ontem, nos mostra outra faceta singular desse nosso estranho país. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Enquanto as empresas de telefonia celular foram rapidamente ocupando todos os cantos do País, a ponto de já existir mais telefones que brasileiros, as instituições financeiras ainda não conseguiram alcançar cerca de 30% das famílias brasileiras. Ou seja, praticamente uma em cada três famílias está à margem do sistema financeiro. Número que afeta diretamente o crédito e faz com que 17% dos brasileiros ainda comprem "fiado", ou "na caderneta" em estabelecimentos Brasil afora.

Os números fazem parte de uma pesquisa inédita feita no Brasil pela Fundação Bill & Melinda Gates e a Bankable Frontier Associates, e que foi analisada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A pesquisa conclui que a exclusão está diretamente ligada à renda e à falta de contracheques. A lacuna tão grande parece se originar de desconfiança mútua.

Se de um lado estão os bancos, que não emprestam para quem não tem contracheque, temendo calotes, de outro estão clientes como Maria Cristina Santos, 38 anos, moradora da favela de Heliópolis, que tem a sensação de que a estão roubando no banco e prefere deixar o dinheiro que ganha em casa. Maria se vira de todos os jeitos. Faz limpeza em um hospital da capital paulista e vende produtos da Avon, O Boticário, Natura e, em breve, Jequiti. Na 25 de Março, famosa rua de compras de produtos a preços de atacado de São Paulo, só usa cartão de crédito American Express, coisa chique e exigência dos lojistas. Tem ainda cartão Mastercard da Magazine Luiza e Lojas Pernambucanas.

Mas e conta no banco? Só para sacar o dinheiro do salário que recebe do hospital. Investimentos? Apenas em produtos das marcas que vende ou guarda o dinheiro numa bolsinha, que fica dentro do armário, quase como se fosse no colchão. Poupança? Nem pensar, não rende nada, segundo ela. "Coloquei R$ 50 há uns meses e agora fui olhar a conta e tem R$ 51. Banco rouba muito".

O hábito de poupança financeira de fato ainda é muito pequeno no Brasil. A conta poupança atinge apenas 34% da população, enquanto a previdência chega a 26%. O professor da FGV que liderou as análises da pesquisa, Lauro Gonzalez, diz que a população ainda sente mais segurança investindo em cabras ou deixando o dinheiro no colchão. "As pessoas esquecem que as cabras morrem, a traça corrói o colchão e, nas crises, a cabra vale menos", diz.

Faixa. E essas crises afetam diretamente a capacidade de pagamento das pessoas. Uma pesquisa realizada pela consultoria Plano CDE, especializada em baixa renda, mostra que é comum as pessoas mudarem de faixa de renda com a diferença de poucos meses. Se em janeiro estão na classe C, podem facilmente cair para a E em março.


Mesmo o governo federal sabe do risco que é financiar a base da pirâmide, tanto que na faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida o risco de calote é assumido pelo Tesouro.
Os bancos, mesmo os públicos, apesar de terem agregado uma boa parcela da população nos últimos anos à sua rede, só agora começam a ter programas que podem levar trabalhadores informais de forma mais massificada para o sistema financeiro. E depois dos correspondentes bancários - que em boa parte serviram apenas para desafogar as agências bancárias do fluxo de pessoas realizando pagamentos - os telefones celulares podem ser a nova fronteira da inclusão financeira.

Duarte Carvalho, da consultoria Roland Berger, diz que essa tecnologia pode baratear os custos dando escala. O Banco do Brasil, por exemplo, está testando um produto em que seus clientes, que são patrões, podem em vez de sacar o dinheiro transferir o pagamento para o celular de seu prestador de serviço, que por sua vez passa a ter uma conta no BB e ainda poderá usar o celular para fazer saques. O próximo passo é usar o celular para pagar contas e ainda ganhar créditos para ligações.  [Ver postagens anteriores sobre a revolução em andamento no pagamento de contas e serviços -- uma em novembro de 2012 e a outra ("O fim do cartão de crédito?") em novembro de 2011.]

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