quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Empresariado feminino, o recurso econômico mais subutilizado na América Latina

[A reportagem traduzida abaixo foi publicada no jornal espanhol El Mundo no dia 18 deste mês de janeiro. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

A América Latina é a região do mundo que mais avança no tocante à igualdade legal entre homens e mulheres. Apesar disso, as mulheres empreendedoras enfrentam barreiras culturais e sociais. Ampliam-se as iniciativas para que aumente o contato entre empresárias veteranas e experientes com aquelas que estão ingressando no mercado.

"As mulheres empresárias na América Latina e no Caribe são potencialmente um dos recursos mais desperdiçados da região", segundo o relatório  Women's Entrepreneurial Venture Scope elaborado pela consultora The Economist Intelligence Unit para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O estudo revela que "a grande maioria das empresas dirigidas por mulheres na região é incapaz de ir mais além das 'microempresas' ou de sair da economia informal".

Em outras palavras: o problema das mulheres que querem montar negócio na América Latina não é legal, nem regulatório -- é, sobretudo, cultural. Passar da barraca de frutas para o escritório, para dar um exemplo. Assim é que as mulheres estão em posições de comando em 23% das pequenas empresas da região, mas apenas em 9% das grandes empresas, segundo estudo do Banco Mundial

"As empreendedoras latino-americanas demandam mais apoio para que suas empresas cresçam", explica Yanire Braña, que dirige a Comunidad MET (Mulher, Empreendimento e Tecnologia), que oferece um programa de orientação ("mentoring") para empreendedoras da Espanha, Colômbia, Argentina, Peru, EUA e, em futuro próximo, no Brasil [ver vídeo abaixo]. É um ponto de vista que se reflete nos números: um estudo conjunto do BID e do Banco Mundial evidencia que entre 55% e 91% da atividade empresarial das mulheres latino-americanas estão na economia informal. Novamente, é a barraca de frutas frente ao escritório.

O problema é, portanto, mais psicológico e social do que econômico e legal, como reconheceram o relatório Women Business and the Law, do Banco Mundial, e o banco de investimentos Goldman Sachs com sua iniciativa 10.000 Mulheres, que busca com que 10.000 mulheres de países em desenvolvimento lancem sua próprias empresas. Na realidade, o número de mulheres que criam projetos empresariais na América Latina porque vêem uma oportunidade de negócios é várias vezes superior ao daquelas que o fazem por necessidade econômica. "Isso indica que as mulheres têm uma verdadeira vocação empreendedora para iniciar projetos", enfatiza Braña, cuja organização ajudou, no ano passado, 70 mulheres latino-americanas a lançar ou desenvolver seus próprios projetos empresariais.

Avanços rumo à igualdade

Os problemas surgem na hora de continuar esses projetos. Por exemplo, as mulheres na América Latina costumam ter um nível educacional inferior ao dos homens, e desempenham um papel menos visível na sociedade. Isso dificulta o acesso ao crédito, simplesmente por uma questão psicológica: a mulher não está acostumada a ir ao banco, e o empregado do banco não está acostumado a lidar com clientes femininos.

E não é que na América Latina faltem mulheres empresárias. Na Colômbia, por exemplo, 26,9% dos homens têm um negócio, enquanto entre as mulheres esse percentual é de 16,3%. Ou seja, há 1,65 homens empresários (ou "empreendedores") para cada mulher. Essa é uma proporção muito respeitável, que revela que as mulheres do país têm espírito empreendedor.

Combater essa situação é complicado. De acordo com o Banco Mundial, a América Latina é a região no mundo que mais avançou rumo à igualdade legal entre homens e mulheres nos últimos cinquenta anos, razão pela qual não há muito o que fazer nesse sentido. É a região que tem a maior proporção de mulheres no Parlamento de todo o mundo depois da Escandinávia, segundo dados da ONU [não encontrei esta estatística no site da ONU]. E quatro dos chefes de Estado da região são mulheres: Dilma Rousseff (Brasil), Cristina Fernández de Kirchner (Argentina), Laura Chinchilla (Costa Rica) e Michele Bachelet (ainda que só vá assumir o cargo em 11 de março). São quatro países com 260 milhões de habitantes -- tanto como Alemanha, Reino Unido, França e Itália juntos --- e um PIB de 2,2 bilhões de euros, maior que o da Alemanha [não é verdade -- é bastante significativo, mas não supera o PIB alemão, que em 2013 foi de 2,73 bilhões de euros].

A questão é que esses progressos ocultam os verdadeiros problemas que as mulheres enfrentam no dia a dia empresarial. Para enfrentá-los, iniciativas como o MET -- que conta com o apoio do BBVA [Banco Bilbao Vizcaya Argentaria] e da Fundação Belcorp -- põem em contato com pessoas de experiência empresarial as mulheres que estão lançando ou planejam começar seus próprios negócios. É o que se chama de "mentoring" ["orientação"], uma iniciativa muito praticada nos EUA mas ainda pouco conhecida na Espanha e na América Latina. Para isso, candidatas são selecionadas e postas em contato com seus orientadores. Por meio de uma ferramenta informática, uma série de testes de personalidade, de capacidades e de conhecimentos decide quem "emparelhar" com quem. As "orientadas" ("mentees", no jargão dessa atividade) também podem se contatar umas com as outras e pedir apoio. Seu objetivo é ajudar empresas como a Crispy Fruits, uma sociedade criada por duas colombianas -- Johanna Salgado e Jimena Flórez -- que em menos de um ano está exportando frutas secas a países como Brasil e Austrália.

Braña não esconde sua satisfação pelo fato de a Crispy Fruits ter passado direto para o escritório, sem passar pela barraca de frutas. Mas, o problema tem umas dimensões difíceis de avaliar. Como afirma o estudo da The Economist Intelligence Unit, "limitar as possibilidades de expansão das empresas dirigidas por mulheres reduz a receita, a inovação e o crescimento econômico, e prejudica a competitividade dos países".

Afinal de contas, é preciso lembrar que, segundo o BID, 50% das mulheres latino-americanas são economicamente ativas.  Limitar as possibilidades de crescimento de metade da população [feminina] é algo que país algum deve permitir-se.

[No estudo da Intelligence Unit da The Economist foram analisados 20 países latino-americanos, e o Brasil ocupa exatamente a posição intermediária (10ª posição), sendo superado -- por ordem decrescente -- por Chile, Peru, Colômbia, México, Uruguai, Costa Rica, Argentina, Trinidade e Tobago e Panamá. Isso deixa mal na foto os governos petistas e, em particular, Dona Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias) que há uma década dita cartas na economia brasileira.



Presença maciça de mulheres em um fórum do MET - (Foto: .metcommunity.co/El Mundo).



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