domingo, 10 de novembro de 2013

Trens-bala: ainda fora dos trilhos

[O editorial traduzido abaixo foi publicado na revista inglesa The Economist de 2/11. Minha vã esperança é que Dona Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias) ou alguém de sua curriola o tenha lido e meditado. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]


A Era Vitoriana fez aos ingleses o favor de construir-lhes essa fantástica malha ferroviária. Um mapa das ferrovias do país lembra um denso emaranhado de vasos sanguíneos, adensados em torno de Londres, as West Midlands [os condados do centro-oeste da Inglaterra] e o noroeste urbano. Ao contrário, a malha da França se parece com uma teia de aranha mal feita [a velha pinimba entre ingleses e franceses ...]. Mas, os vitorianos também legaram aos seus sucessores um forte senso de inferioridade. O país seria realmente capaz de construir aquilo novamente?

Esse é o argumento do governo de coalizão, que quer uma ferrovia nova de alta velocidade entre Londres, Manchester e Leeds. Em 29 de outubro o governo apresentou uma documentação bem estruturada -- business case -- para a HS2, como a ferrovia será conhecida. Isso é um avanço em relação a esforços anteriores , mas ainda assim o projeto enfrenta dificuldades. Uma rebelião dos conservadores era esperada em uma votação na Casa dos Comuns logo após a The Economist ser liberada para impressão. O Partido Trabalhista, que já apoiou antes o HS2, está agora hesitante. Isso constrangeria os vitorianos determinados. Mas, neste caso, os visionários corajosos estão errados e os que estão indecisos estão certos . A HS2 não tem porquê ser construída. [No dia 4/11, o primeiro-ministro David Cameron disse que os opositores ao HS2 "estão colocando em risco o futuro do país".]

O trem de alta velocidade tem encantado governos ao redor do mundo [inclusive o de Dilma NPS]. É atrativamente high-tech, é mais ecológico que viajar de avião e promete revitalizar regiões economicamente deprimidas. Além disso, outros países já o têm. Mas, trens-bala têm se mostrado muito mais custosos do que o esperado pelas autoridades e são geralmente pouco utilizados. Enquanto casos exemplares de mau investimento se acumulam, isso está começando a parecer um fenômeno de era desenvolvimentista. França e Portugal redimensionaram para menos seus planos nessa área. Os californianos aprovaram um trem-bala em 2008, mas agora a maioria se opõe a ele. 

O tema do trem-bala inglês tem sofrido distorções e reviravoltas. No início, tudo se resumia a deslocamentos mais rápidos. Homens de negócios estão perdendo tempo nos trens, argumenta o governo -- levá-los mais rápido aos seus destinos estimularia a economia do país. Mas, isso pressupunha ridiculamente que as pessoas não trabalham nos trens. Com esse argumento jogado para um desvio, dois outros estão sendo alardeados. Diz-se que um trem-bala reequilibraria a economia do país, deslocando-a de Londres e do sudeste. E acrescentaria uma capacidade adicional muito necessária, possibilitando a operação de mais trens para aqueles que se utilizam desse meio de transporte diariamente para deslocar-se até seu trabalho. 

A ideia de que a HS2 provocaria uma transformação nos Midlands e no norte é uma tolice. Trens-bala em outros países têm beneficiado principalmente as cidades que sediam empresas, ao reduzir a necessidade de escritórios regionais. Trajetos de longa distância existentes provavelmente teriam menos trens, prejudicando as cidades ao longo deles. Assim, o ganho de Birmingham poderia ser a perda de Coventry. E o norte inglês é maior do que os ministros sediados em Londres parecem pensar. Manchester e Leeds poderiam dar-se bem, mas o norte da Inglaterra se estende para muito além delas. 

As ferrovias inglesas estão de fato sofrendo com o peso dos usuários, principalmente nas  grandes cidades e no entorno delas, onde os usuários diários geram uma pressão adicional. Mas, uma ferrovia de alta velocidade cruzando o país é um meio substancialmente caro de reduzir o congestionamento de passageiros nos arredores de Londres e Birmingham. E as linhas londrinas de transporte diário estão lotadas em qualquer direção, não apenas rumo ao norte da estação Euston, onde a HS2 poderia proporcionar algum alívio. De algum modo, os trens que partem de Euston estão inusitadamente vazios.

Certamente, a Inglaterra deve despender algum dinheiro a mais na infraestrutura de transporte -- apenas não deve gastá-lo em uma insensatez [o termo inglês do texto original, "folly", comporta também a tradução de "asneira"] como a HS2. Existem inúmeras outras soluções, melhores e mais baratas, para isso, embora não do tipo para cuja inauguração os políticos desejem estar presentes para cortar a fita inaugural. Os trens podem ser mais longos. A sinalização pode ser aprimorada, para permitir que os trens viajem mais rapidamente e com maior frequência. Novos trilhos podem ser colocados em pontos de estrangulamento. Vagões de primeira classe com ocupação ociosa podem ser cedidos ao povão. A política de preços das passagens poderia ser facilmente ser feita de maneira mais inteligente -- a atual, tosca distinção entre horário de pico e fora de pico geralmente produz um aperto de passageiros no primeiro trem da noite. Um relatório sério sobre gastos em infraestrutura de 2006, justo antes de Westminster ser apanhada pela febre da alta velocidade, verificou que o retorno de tais projetos pequenos e "desinteressantes" era quase sempre maior que o dos projetos maiores.

Este jornal se opôs à HS2 há dois anos atrás, dizendo que £ 32 bilhões [cerca de RS$ 119 bilhões] era demasiado dinheiro para se gastar em uma linha ferroviária. A situação relativa ao projeto não mudou substancialmente, o que mudou foi seu custo: subiu para £ 42 bi [cerca de RS$ 156 bi], mais os trens. A Inglaterra deveria descartar a HS2 já e embarcar em planos mais sensatos.

[Se substituirmos as cidades inglesas citadas por nomes como Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, e outros nomes ingleses por outros tupiquins, o texto acima praticamente descreve a história do trem-bala brasileiro, a obsessão paranóica de Dona Dilma NPS. Num país em que o trem de passageiros foi eliminado do mapa, privilegiando burra e estupidamente os transportes rodoviário e aéreo sem dar ao país a infraestrutura necessária para nenhuma destas alternativas, só mesmo uma megalomaníaca autoritária, incompetente e insensível pode encasquetar com uma idiotice como o trem-bala. E pensar que essa estultice vem de uma presidente do chamado Partido dos Trabalhadores, insensível ao sofrimento dessa população que diariamente sofre uma barbaridade e gasta um tempo precioso de suas vidas para deslocar-se diariamente para seu trabalho por falta de alternativas decentes de transporte público.]



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