segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A sede dos indianos por ouro cria problemas financeiros para a Índia

[O jornal Financial Times publicou uma série de artigos sobre a obsessão dos indianos por ouro e como isso tem criado problemas para seu país. O primeiro artigo da série foi publicado no dia 30/10 na edição virtual do jornal, e no dia 31/10 a edição impressa publicou uma espécie de condensação dessa série. É deste resumo, de autoria de Avantika Chilkoti e James Crabtree, que faço uma tradução mais ou menos compactada abaixo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]


Estação nupcial: modelos vestindo saris nupciais bordados em ouro e usando jóias em ouro em um carnaval nupcial em Mumbai- (Foto: Getty Images/Fonte: Google).

No meio da correria do caótico aeroporto internacional de Mumbai (Bombaim) os funcionários da alfândega solicitam a um passageiro que se apresente. Uma caixa de papelão com os lados juntados por grampos muito pequenos havia chamado sua a atenção. Uma inspeção cuidadosa revelou que os grampos eram feitos de ouro, moldados e banhados para que se parecessem com grampos normais de papelaria.

Esse está longe de ser um incidente isolado. Funcionários aduaneiros dizem que as apreensões de ouro aumentaram dramaticamente nos últimos meses. Cartazes ostensivos nos principais aeroportos avisam os passageiros desembarcados de que todo ouro deve ser declarado, seja sob a forma de gargantilhas e braceletes delicados ou em lingotes.

A Índia absorveu cerca de um quarto do suprimento de ouro mundial no ano passado, transformando-se no maior importador de ouro do planeta. O apetite aparentemente insaciável dos indianos por ouro é visto geralmente como uma charmosa esquisitice nacional movida por casamentos elaborados e pródigas ofertas religiosas. Mas, com as importações explodindo, a demanda sempre crescente tornou-se um fatores que estão levando a terceira economia da Ásia a uma crise financeira. 

Apesar da Índia elevar repetidamente a taxação sobre o ouro, as importações em maio atingiram o maior valor já registrado. Essa entrada de ouro ajudou a levar o atual deficit em conta corrente do país a níveis recordes, deixando a Índia especialmente vulnerável durante a fuga de capitais que varreu os mercados emergentes neste verão, arrastando para baixo o valor da rupia em mais de 15 por cento. Em agosto, os aumentos de impostos começaram a fazer efeito, causando um colapso nas importações e uma severa ruptura no mercado indiano de ouro. 

Agora, o governo indiano enfrenta um duplo dilema. Suas restrições funcionaram, pelo menos no curto prazo. Mas, a demanda por ouro permanece forte, particularmente no momento em que o país caminha para sua estação anual de casamentos e de festivais hindus. Durante esse período, as compras disparam, especialmente durante o fim de semana de celebrações do Diwali [festa religiosa anual hindu e um grande feriado indiano de cinco dias, também conhecido como "festival das luzes", em que as pessoas estreiam roupas novas, dividem doces e soltam fogos de artifício -- foi celebrado no primeiro fim de semana de novembro], gerando receios de um rápido retorno a importações mais elevadas e a pressões adicionais sobre as finanças externas do país.

A demanda por ouro se origina de uma afinidade por tecidos dourados profundamente entranhada na cultura indiana -- geralmente até em termos factuais, como no caso dos saris que as mulheres vestem no dia em que se casam [ver foto]. Cerca de metade das compras de ouro estão vinculadas de algum modo aos casamentos, nos quais o metal é usado para os dotes das noivas. 

"Em nossa comunidade definitivamente vão lhe pedir ouro, caso contrário não se casam", diz Kalavati, uma empregada doméstica da província sulista de Karnataka, que gastou seis vezes mais que seu salário mensal de 10.000 rupias [cerca de R$ 370,00] comprando ouro para o casamento de sua filha, para satisfazer ao requisitado pela família de seu genro [o sistema de dotes na Índia obriga a família da noiva a fazer, no casamento, pagamento à família do noivo em dinheiro ou em presentes -- geralmente isso inclui dinheiro vivo, jóias, aparelhos elétricos, mobílias, roupa de cama, artigos de cerâmica, utensílios e outros itens domésticos que ajudam os recém-casados a montar sua casa]

A religião é outro fator importante, não apenas durante a festa de Dhanteras [primeiro dia do festival do Diwali], quando metais preciosos são usados em homenagem a Lakshmi, a deusa da riqueza, da prosperidade e do bem-estar. Junto com pilhas de cravo-de-defunto perfumado, ofertas de jóias e ornamentos de ouro são levados aos locais de culto durante o ano todo.

Essas doações tansformaram os templos da Índia em grandes depósitos de ouro, com os três maiores templos do país sendo donos de um estoque de 3.500 toneladas, de acordo com um relatório recente do Credit Suisse. Em 2011, apenas um deles, o Sri Padmanabhaswamy, no estado sulista de Kerala, revelou possuir um estoque que vale US$ 20 bilhões pelas cotações atuais.  "Hoje, as pessoas estão doando mais. Diariamente, o movimento está aumentando", diz Subhash Vittal Mayekar, que chefia o templo de Siddhivinayak em Mumbai.

Essas afinidades culturais e religiosas tornaram-se mais importantes na última década, fazendo com que a demanda por ouro aumentasse em consonância com a crescente afluência da população da Índia. No entanto, o surto dessa demanda tem tanto a ver com investimento quanto com celebrações piedosas e nupciais, especialmente num país em que 40% da população não têm ainda uma conta bancária, diz Renny Thomas, um sócio da consultora McKinsey em Mumbai [esse é o país que acaba de enviar uma missão não tripulada a Marte ...].

"A sedução pelo ouro é sintomática da fraqueza do sistema financeiro indiano, e encontrar alternativas financeiras para isso é crucial para o desenvolvimento do país", diz Eswar Prasad, um economista da Brookings Institution.

Raguram Rajan, presidente do Banco Central da Índia (BCI), diz que os certificados de poupança indexados à inflação, emitidos pelo banco no final de outubro, pode ser parte dessa resposta. O BCI fala também de outros produtos garantidos pelo ouro, incluindo esquemas para depósitos em ouro, nos quais os investidores ganham juros ao depositar seus estoques pessoais em bancos, estoques esses que os financiadores podem reciclar no mercado doméstico, reduzindo a demanda por importações.

Esses produtos suscitaram dúvidas. "Ainda acho difícil imaginar um pai presenteando uma filha em seu grande dia com um certificado de um fundo financeiro vinculado ao ouro", diz um financista sênior.  "Restringir a demanda por ouro exigirá muito mais -- uma perspectiva estável para a inflação, novos tipos de produtos de poupança e controle do mercado negro", diz Shinjini Kumar.

Importações oficiais de ouro da Índia - Anos fiscais terminando em março. -- Rupia indiana contra o dólar. - (Ilustração: Financial Times/Fonte: Google).

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