quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Telescópio Gaia: um bilhão de estrelas, no mapa mais preciso da Via Láctea

[A notícia traduzida abaixo foi publicada ontem no jornal espanhol El País. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

O telescópio europeu Gaia fará a cartografia de um bilhão de estrelas da Via Láctea [na mitologia grega, Gaia é a (Mãe) Terra, um dos primeiros deuses a emergir do Caos]. Dito assim, parece que é bastante, mas essa quantidade representa apenas 1% da população estelar da nossa galáxia. Mas, é uma amostra tão significativa que possibilitará que os astrônomos obtenham um mapa galático tridimensional, com dados precisos de cada astro observado, sua posição e seu deslocamento com um nível de precisão nunca antes alcançado. Com esses dados, querem reconstruir a história e a evolução da Via Láctea. Para fazer esse censo, o Gaia possui um sensor tão sensível que, da Lua, é capaz de medir a unha de uma pessoa na Terra, destaca Carme Jordi, pesquisadora da Universidade de Barcelona e membro do comitê científico da missão integrado por nove especialistas. "Em comparação", acrescenta a cientista, "a missão anterior de astrometria, [o telescópio] Hiparcos, veria uma pessoa inteira desde a Lua. Mas, além disso, com o Gaia veremos o crescimento dessa unha ou, falando em termos de astronomia, veremos como se altera a posição de cada estrela nos cinco anos de duração da missão". [Hiparco, em grego: Ίππαρχος, Hipparkhos (190 a.C. — 120 a.C.), foi um astrônomo greco-otomano, construtor de máquinas, exímio cartógrafo e matemático da escola de Alexandria, nascido em 190 a.C. em Niceia, na Bitínia, hoje Iznik, na atual Turquia.]
Ilustração do telescópio Gaia sobreposto a uma foto da Via Láctea. - (Autoria: Esa/Medialab/Eso/S. Brunier - Fonte: El País).

O Hiparcos, seguindo com as comparações, fez o censo de 118.000 estrelas entre 1989 e 1993. Era um telescópio da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla inglesa) e, desde então, não houve outra missão espacial de astrometria. "Nesse campo somos os únicos, a NASA não fez nenhuma missão desse tipo", destaca a pesquisadora espanhola.

O Gaia, também da ESA, foi construído pela empresa Astrium em Toulouse (França) e dali foi transportado por avião há alguns dias até a base espacial de Kourou, na Guiana Francesa. Ali, está agora em fase de preparação para o lançamento, fixado para dentro de três meses (entre o 17 de novembro e o 5 de dezembro). O custo do Gaia vai a 800 milhões de euros [cerca de R$ 2,5 bi].

O telescópio, que estará situado a 1,5 milhão de quilômetros da Terra em órbita do ponto gravitacional de equilíbrio L2, rastreará todo o céu, determinando a posição, o brilho e a cor de cada objeto celeste que entrar em seu campo de visão. "Ao repetir essas observações durante a missão (cinco anos, com possível prorrogação por mais um ano), será possível medir a distância, a velocidade e a direção de cada objeto celeste, registrar as variações de seu brilho e determinar se tem companheiros próximos", explicam os especialistas da ESA. 

Na realidade, o telescópio não verá apenas as estrelas da Via Láctea senão que também todos os objetos no céu de até magnitude 20, o que significa que observará astros até 400.000 vezes mais tênues do que o que a vista humana é capaz de sentir a olho nu, assinala seu responsável científico Timo Prusti, da ESA. Os astrônomos estimam que poderão detetar entre 10.000 e 50.000 planetas extrassolares de tamanho semelhante ao de Júpiter ou maiores, assim como 500.000 quásars [ver aqui] distantes e astros das galáxias vizinhas Andrômeda e as duas Nuvens de Magalhães. 

"O primeiro desafio do Gaia é fazer a arqueologia da nossa galáxia", afirma Jordi, cientista do Instituto de Estudos Espaciais da Catalunha. "Segundo as teorias atuais, a Via Láctea se formou engulindo outras galáxias ao longo de bilhões de anos, e as estrelas ficam como se fossem resíduos fósseis dessas outras galáxias canibalizadas. Queremos reconstruir o passado, sua história".

O Gaia pesa duas toneladas (incluindo os 400 kg de combustível) e tem formato cilíndrico. Dois telescópios dirigem a luz dos astros a um sensor único de meio metro quadrado de área (o sensor existente num celular tem cerca de 1 cm²), formado por 106 CCD [charge-coupled device = dispositivo de carga acoplada] e com um total de um bilhão de pixels. O observatório leva uma espécie de ombrelone de 12 m de diâmetro, que irá fechado dentro do foguete no lançamento e que se abrirá no espaço como um guarda-chuva. A empresa espanhola Sener é a encarregada de construir o "ombrelone", informa Jordi. De sua equipe na Universidade de Barcelona trabalham 28 pessoas no Gaia, entre engenheiros de software e astrônomos, e participam também da missão -- sobretudo no processamento de dados -- especialistas da Universidade de La Coruña e da UNED [Universidade Nacional de Educação a Distância].



Nenhum comentário:

Postar um comentário