terça-feira, 24 de setembro de 2013

Aviões supersônicos, uma revolução em marcha

[O artigo traduzido abaixo foi publicado em 22/9, no jornal espanhol El País. ]

O avião supersônico que a Lockheed Martin está construindo, baseada em projeto da Universidade de Stanford. - (Ilustração: Lockheed Martin via Nasa).

Voar entre Madri e Nova Iorque, sempre e quando tudo corra bem, pressupõe hoje uma viagem de sete a oito horas, mas não vai tardar muito para que as barreiras do tempo possam comprimir-se e esse mesmo voo reduzir-se a menos de quatro horas. As viagens supersônicas em aviões que desafiam a velocidade do som, superando-a em 1,5 vez -- o que significa voar a cerca de 1.836 km por hora -- estão a ponto de se tornarem realidade. [O Concorde, que é estranhamente ignorado ao longo de todo o artigo, voava (em cruzeiro) a 2,02 vezes a velocidade do som há 27 anos atrás (ver final desta postagem).]

Bastante enfronhado nisso está um grupo de oito estudantes do Departamento de Aeronáutica e Astronáutica da Universidade de Stanford (EUA), liderado por dois professores espanhóis: Juan José Alonso, docente nessa instituição há 13 anos e, além disso, diretor do programa de aeronáutica da Nasa durante dois anos, e Francisco Palacios que, oriundo de Madri, ingressou nessa universidade há dois anos atrás. [Quem tiver curiosidade em ter uma ideia da complexidade dos cálculos envolvidos nesse projeto é só dar uma olhada no artigo desses profissionais e mais três coautores.]

Há 20 meses começaram a trabalhar no projeto SU², "um programa de projeto aerodinâmico para otimizar os aviões, ou seja, para desenvolver modelos que consumam menos combustível, que gerem menos gases de efeito estufa, produzam o menor ruído e que voem mais rápido e a maior altura", explica Alonso. "Para isso, criamos modelos por computador e os combinamos com programas de otimização para que nos digam que aspecto ou detalhe do avião é necessário modificar, para conseguirmos uma aeronave melhor que as de hoje em cerca de 20 a 30%",  acrescenta ele em tom didático.

Os computadores mencionados pelo Prof. Alonso e utilizados no projeto não são computadores quaisquer, mais sim equipamentos do centro de pesquisas da Nasa, umas máquinas gigantescas -- denominadas de "sequoias" -- que analisam milhões de dados em questões de segundos e que equivalem a 10.000 PCs juntos, com a diferença adicional de que estes levariam anos para processar o que esses supercomputadores fazem em questão de minutos.

(...)

Uma ferramenta revolucionária

Uma das novidades dessa ferramenta que, na opinião de Francisco Palacios, "vai revolucionar a aeronáutica", é que se trata de um programa de fonte aberta (open source) ou seja, que pode ser baixado livremente na Internet.

As implicações para o mundo da aeronáutica são enormes, "já que pela primeira vez um programa para projeto de aviões e de outros equipamentos é oferecido livre e gratuitamente, aberto a qualquer empresa, centro educativo e instituições privadas interessadas em baixá-lo", explica Palacios, promotor da iniciativa. "A ideia é colocar o conhecimento ao alcance de todos. E, não apenas isso, mas abrí-lo para que assim quem o deseje possa dar sua contribuição pessoal para melhorar o programa e avançar uns passos a mais para desenvolvê-lo".

"É a vantagem que se tem de trabalhar em uma universidade como a de Stanford", comenta, "que não por acaso é um centro que se caracteriza por atrair as mentes mais brilhantes do mundo, tanto professores como estudantes", destaca Alonso [bem modestozinho este professor espanhol ...]. É sabido por todos que Stanford foi a incubadora do desenvolvimento da Internet, e da criação do Vale do Silício e de suas empresas tecnológicas muito exitosas.

Em seus 20 primeiros meses de desenvolvimento, o programa [do avião supersônico] já teve uma grande acolhida. Os oito estudantes, prestes a concluírem seu doutorado em Stanford, apresentam com entusiasmo as cerca de 50.000 visitas de internautas de 136 países recebidas por sua página na Web, os 6.000 downloads do software, assim como as muitas empresas e universidades que se interessaram por conhecer o programa, entre elas a Ferrari, a Boeing e a Rolls Royce. A cereja do bolo é a Nasa, que financiará através da empresa Lockheed Martin a construção de um avião supersônico baseado no projeto dos alunos de Stanford. [No site da Universidade de Stanford há um pequeno artigo ("Additional Considerations for Supersonic Aircraft") com detalhes interessantes sobre o projeto da fuselagem, envolvendo seu diâmetro, a disposição dos assentos, o número de passageiros por classe e as diversas geometrias em estudo para o avião supersônico, tudo tomando o projeto do Concorde como referência.]

Se os planos vingarem, não tardará muito para que os aviões supersônicos comerciais sejam uma realidade, e viajar de Madri a São Francisco não demandará mais 15 horas ou mais, senão menos de 6, em um avião ecológico e de pouco ruído.

[O Concorde, o primeiro jato comercial supersônico e um marco da história da aviação, operou de 21 de janeiro de 1976 a 24 de outubro de 2003 tendo como únicas operadoras as estatais Air France e British Airways, que dividiram entre si as únicas 20 aeronaves fabricadas.  Ele fazia Paris - Nova Iorque em 3,5 horas, contra 8 horas de um jato comum. Sua velocidade de cruzeiro era de Mach 2,02 (ou 2.472 km/h, considerando a velocidade do som como de 340 m/s ou 1.224 km/h -- observar que a velocidade do som varia com a temperatura e a pressão) e sua velocidade máxima era de Mach 2,2 ou ≈ 2.693 km/h, ambas bem maiores que a velocidade de Mach 1,5 do avião projetado por Stanford. 

Um caça FA-18 Hornet rompe a barreira do som sobre o Oceano Pacífico. - (Foto: Wikipédia).

Outra diferença do Concorde era sua altitude de cruzeiro; enquanto um jato comum voava perto dos 14 mil metros de altitude, o Concorde chegava a 18 mil. O vôo em uma altitude mais alta, dá mais estabilidade para a aeronave e as perturbações meteorológicas são quase nulas. Porém voar nessa altitude, gera mais radiação para os passageiros, mas como o tempo de viagem era muito menor, o nível de radiação era igual ao dos jatos convencionais. Além disso o Concorde possuía um medidor de radiação e quando esta estava muito alta, ele descia para menos de 14 mil metros.  Porém, por se tratar de um avião supersônico, o Concorde emitia muito ruído e poluição, e assim, por muito tempo, restrições ambientais impediram sua operação nos Estados Unidos.

O Galeão, no Rio de Janeiro, foi um dos poucos aeroportos do mundo a receber o Concorde. O vôo, que fazia escala em Dakar, durava seis horas e meia, enquanto um vôo direto entre Paris e Rio pelo 747, durava 12 horas. O serviço de Concorde para o Rio foi cancelado devido à baixa ocupação em 1982.

Em 25 de julho de 2000, uma das aeronaves da Air France (Voo Air France 4590) teve um acidente fatal, causado por uma peça de um DC-10 da Continental Airlines, que se soltara na pista minutos antes, o que causou a paralisação de toda a frota francesa e britânica. Este acidente foi o começo do fim para o os voos do Concorde.  Após o acidente, o Concorde sofreu algumas modificações, retornando ao serviço de passageiros 15 meses após. Porém, em 10 de abril de 2003, Air France e British Airways decidiram juntas encerrar os voos comerciais da aeronave -- a Air France em 31 de maio de 2003 e a British Airways em 24 de outubro do mesmo ano.  O último voo oficial foi realizado por uma aeronave da British Airways, em 26 de novembro de 2003, para Filton, sua terra natal, quando homenagens e manobras foram realizadas, como o movimento do "Bico" (levantamento e abaixamento). Logo depois seus motores foram desligados fechando um dos mais gloriosos capítulos da aviação.

Um Concorde da British Airways. - (Foto: Google).




O Concorde da British Airways que encerrou a história desse avião, fazendo seu último pouso no aeroporto inglês de Filton. - (Foto: Wikipédia).]

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