quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Mudança climática abre nova rota comercial para a China

[O texto traduzido a seguir é de uma reportagem publicada em 12/8 pelo jornal espanhol El País. Trata-se de mais uma demonstração da presença cada vez mais marcante da China no mundo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

A mudança climática se apresenta como grande aliada das empresas de navegação chinesas. O Yong Sheng, um navio de 19.461 toneladas da empresa Cosco, iniciou na quinta-feira no porto de Dalian (província de Liaoning) uma viagem de 33 dias que o levará a Rotterdam (Holanda), após passar pelo Estreito de Bering e navegar ao largo da costa do norte da Rússia, segundo a imprensa oficial chinesa [ver, por exemplo, a notícia no "Invest in Dalian"]. É o primeiro navio mercante do país asiático a utilizar a chamada passagem do nordeste do Ártico -- ou rota marítima do norte -- para chegar à Europa, uma via que pode implicar uma revolução para o comércio mundial a longo prazo. Prevê-se que encurte em cerca de 30% a duração da viagem entre a China e a Europa, o que representará uma grande economia. Analistas internacionais, entretanto, são cautelosos e alertam que se passarão anos até que o trajeto seja comercialmente viável e uma alternativa real para o canal de Suez.

Os navios quebra-gelos são fundamentais para garantir a rota do Ártico - (Foto: Magnus Elander/Fonte: El País).

A rota se tornou mais facilmente navegável porque o aquecimento global derrete agora o gelo por mais tempo. Ela é transitável por cerca de quatro meses no ano -- desde fins de julho até novembro --, evita 7.000 km de percurso e elimina o gargalo potencial de instabilidade política inerente ao canal de Suez.  Segundo especialistas chineses, essa via mais curta pelo Ártico mudará o cenário industrial em suas províncias costeiras, e dará um impulso à sua indústria de navegação. O governo chinês espera que ela o ajude a desenvolver o nordeste do país, muito afetado pelo processo de desmantelamento e privatização industrial levado a cabo por Pequim desde que pôs em marcha o processo de reformas econômicas há três décadas.

Paso del noreste del Ártico = Passagem do nordeste do Ártico - (Ilustração: El País).


A Cosco utilizou para essa viagem inaugural um navio multifuncional, que terá entre outras a missão de encontrar novos pontos de expansão de mercado. "Uma vez que esteja aberta, a nova passagem modificará as pautas da indústria de navegação global porque encurtará de forma significativa a distância marítima entre os mercados chinês, europeu e norte-americano", assegura ao jornal China Daily o professor Qi Shaobin, da Universidade Marítima de Dalian. Segundo Qi, dada a condição da China de maior país exportador do mundo, muitos de seus portos, como Yingkou (Liaoning), Qinhuangdao (Hebei) e Tianjin, se beneficiarão dessa linha marítima.

Outros analistas são muito mais cautelosos. "Certamente, a mudança climática está abrindo novas rotas navegáveis no Ártico", disse ao Financial Times (FT) o especialista canadense Cameron Dueck. "Mas, as rotas mais comuns (através do Ártico) continuarão tendo gelo nos anos mais quentes, o que significa que as empresas de navegação terão que ser seletivas e escolher bem as oportunidades ao utilizá-las". A incerteza sobre as datas de degelo a cada ano e as próprias condições de navegação sem quebra-gelos pelo Ártico são obstáculos importantes para os requisitos de planejamento do transporte internacional. "Sairão gás e petróleo da Rússia, mas creio que está ainda muito longe o dia em que os cargueiros optarão por utilizar a rota do nordeste", acrescenta ao FT um dos navegadores mais importantes do Canadá.

Ainda que o tráfego de mercadorias pelo estreito de Bering tenha alcançado um milhão de toneladas de diferentes tipos de carga no ano passado, está muito longe do máximo de 6,6 milhões de toneladas de 1987. Após o desmantelamento da União Soviética em 1991, o transporte de mercadorias diminuiu e os portos e instalações que serviam a essa rota caíram no abandono, ao mesmo tempo em que era paralizada a expansão da frota russa de quebra-gelos nucleares. Estes são necessários para abrir caminho pelo gelo e escoltar os petroleiros e os navios de transporte de gás pelo Ártico.

Mas, a mudança climática e a ausência de gelo estão mudando as regras do jogo. Em 2012, 46 barcos usaram a passagem do nordeste do Ártico contra quatro em 2010, informa a Rosatomflot, uma operadora de quebra-gelos russa. Esse volume continua sendo desprezível comparado com outras rotas tradicionais, como o canal de Suez, por onde passaram 19.000 barcos no ano passado. Mas, cerca de 90% do comércio exterior da segunda economia do mundo são realizados pelo mar, e os especialistas chineses acreditam que 15% disso passarão pelo Ártico em 2020.  A Europa é um dos maiores parceiros comerciais da China, com intercâmbios bilaterais de quase 550 bilhões de dólares (413,49 bilhões de euros) em 2012.

A abertura da rota de navegação chinesa ocorre no momento em que são cada vez mais evidentes os efeitos da mudança climática. O ano passado foi um dos 10 mais quentes jamais registrados, com cifras recordes de altura do nível do mar e com a espessura do gelo do Ártico em um de seus valores mais baixos, de acordo com o relatório "O estado do clima em 2012" elaborado popr mais de 300 cientistas para a Sociedade Meteorológica Americana (EUA) [ver aqui o texto desse relatório].  O estudo assegura que a capa de gelo do mar no Ártico no verão foi a mais delgada observada desde que se iniciou a coleta de dados por satélite a respeito, há 34 anos atrás [essa é uma informação assustadora!].

A China intensificou nos últimos anos seu interesse pelo Ártico [em que parte do mundo ela não está interessada?...]. Em maio passado ela conseguiu o status de observador permanente do Conselho do Ártico, um fórum intergovernamental integrado por Noruega, Islândia, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Rússia, Canadá e Estados Unidos, países todos eles com território no Ártico. Os observadores não têm direito a voto, mas podem assistir à maioria das sessões e apresentar propostas.

O governo chinês anunciou em junho a criação de um instituto de pesquisa, com sede em Shanghai, para estudar os recursos e os potenciais de navegação e econômico do Ártico em cooperação com os países da região.

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