sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Energia negra: um problema de proporções cósmicas

[O texto traduzido abaixo é da versão digital da revista The Economist que está nas bancas e que é datada de 24/8. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Nos anos 1920, os astrônomos perceberam que o universo estava se afastando deles. Quanto mais distante a galáxia, mais rápidamente ela se retirava. Logicamente, isso implicava que tudo havia estado em um lugar anteriormente. Essa descoberta, que levou à teoria do Big Bang, foi o começo da cosmologia moderna.

Em 1998, no entanto, uma nova geração de astrônomos descobriu que o universo não apenas está se expandindo, mas o vem fazendo a um passo cada vez mais rápido. Ninguém sabe o que está provocando essa expansão acelerada, mas o que quer que seja já recebeu um nome. É conhecido como energia negra (ou energia escura), e embora sua natureza seja misteriosa seu efeito é tal que pode ser calculado. Até onde pode ser determinada, ela compõe dois terços da massa (e, portanto, sendo E = mc², dois terços da energia) do universo. É portanto, literalmente, algo de porte. Se você não entender a energia escura você, na verdade, não pode entender a realidade.

Cosmólogos estão portanto ansiosos para iluminar sua escuridão a respeito da energia negra, e três novas experiências -- duas no Chile e a terceira no Havaí -- deverão ajudá-los nisso. Essas experiências estarão voltadas quase que  para o começo do universo e medirão as relações entre galáxias, e entre aglomerados de galáxias, com um detalhamento sem precedentes. Quando elas estiverem concluídas, embora a natureza da energia negra possa permanecer sem ser decifrada ela deverá estar pelo menos mais clara.

Isso se, realmente, ela existir, pois há um núcleo de cosmólogos do contra (refuseniks) que ainda não acreditam nela [o termo "refusenik" originalmente designava o judeu da União Soviética que não recebera permissão para emigrar, depois ele passou a ter também o significado de pessoa que se recusa a cooperar com um sistema ou a cumprir uma lei por causa de suas convicções morais]. Eles não negam as observações que levaram outros cosmólogos a criar a hipótese da energia negra, mas definitivamente não concordam com a conclusão a que se chegou. Para os refuseniks essas experiências propiciarão então uma oportunidade para testar teorias alternativas.

Escuridão e amanhecer

A mais avançada das novas experiências é a da Câmara de Energia Escura de cinco toneladas e 570 megapixels que foi instalada no ano passado no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no Chile, a 2.200 m acima do nível do mar, no deserto de Atacama. Espera-se que comece a operar dentro de poucas semanas, tirando do céu 400 fotos de um gigabyte cada noite, por 525 noites ao longo de cinco anos.

Essa maratona fotográfica faz parte da Pesquisa sobre Energia Escura (DES, na sigla inglesa), um projeto liderado por Joshua Frieman, da Universidade de Chicago. O plano do Dr. Frieman é escanear um oitavo do céu, examinando 100.000 aglomerados de galáxias ao fazê-lo e medindo as distâncias para os 300 milhões de galáxias individuais dentro daqueles aglomerados.

A razão para todo esse esforço é que pelo acompanhamento de como os tamanhos e formas dos aglomerados de galáxias se alteram ao longo do tempo pode-se estudar em detalhe cada round da luta entre a gravidade e a energia escura. A gravidade, que tende a retardar a expansão do universo, faz com que os aglomerados se tornem mais compactos. A energia negra, que tende a acelerar essa expansão, faz com que os aglomerados se espalhem. A taxa de contração ou expansão dos aglomerados mostra as grandezas relativas das duas forças. Dr. Frieman e seus colegas não podem acompanhar as alterações de qualquer aglomerado em particular, já que veem apenas uma imagem instantânea de sua história. Mas, a melhor coisa a fazer em seguida a isso é examinar as diferenças entre grupos de aglomerados.

Observações anteriores têm sugerido que, por mais da metade do período de 13 bilhões de vida do universo, a gravidade levou vantagem. Há apenas 6 bilhões de anos atrás a energia negra a superou. O projeto DES espera particularmente poder estudar o período de transição olhando para o passado a uma distância de 10 bilhões de anos, simplesmente examinando aglomerados que estejam a 10 bilhões de anos de distância.

A segunda das experiências novas, a Medição de Imagens e de Desvios para o Vermelho ["redshifts", ver aqui] de Subaru (SuMIRe, em inglês), liderada por Hitoshi Murayama, do Instituto Kavli para a Física e a Matemática do Universo, de Tóquio, tem sua base operacional no topo de uma montanha no Havaí. Ela começará a coletar dados no ano que vem, de uma maneira semelhante à da Câmara de Energia Negra mas melhor que ela.  Embora voltada para apenas um décimo do céu, em vez da oitava parte da DES, ela pode ver mais longe -- 13 bilhões de anos em vez de 10 bilhões. Ela possui também mais dispositivos do que a DES -- mais especificamente, ela tem um espectógrafo integral para destrinchar os desvios para o vermelho.

Os desvios para o vermelho são uma das fontes de informação mais importantes da astronomia. Eles nos dizem quão longe está uma galáxia. São causados pelo efeito Doppler, um fenômeno familiar na Terra quando da mudança da altura do som da sirene de um carro policial ou de uma ambulância, quando o veículo se aproxima e em seguida recua. A luz, também, está sujeita a efeitos Doppler, e a luz de um objeto que se afasta é mais vermelha (i.e,. de maior comprimento de onda) do que seria em outro caso. Quanto mais rápido o objeto estiver se afastando, mais vermelha será sua luz. Foi isto que permitiu àqueles astrônomos dos anos 1920, liderados por Edwin Hubble, calcular que o universo está se expandindo. A Câmara de Energia Negra (DES), que carece de um espectógrafo, depende de outros telescópios que o possuem para que estes façam para ela os cálculos de desvios para o vermelho. O fato de possuir um espectógrafo integral dá assim uma vantagem à SuMIRe.

A terceira experiência, a do Receptor Sensível à Polarização do Telescópio Cosmológico de Atacama (ACTPol, em inglês), conduzida por Lyman Page, da Universidade de Princeton, é bastante diferente. Em vez de examinar a luz das galáxias, ela estudará as microondas do background de microondas cósmico (CMB, em inglês). Ele foi criado há cerca de 380.000 anos após o Big Bang e, assim, preserva uma impressão digital da aparência do universo inicial.

O ACTPol está também no Chile, no pico de uma montanha chamada Cerro Toco. Os testes começaram neste 19 de julho. Seu objetivo é examinar a polarização do CMB, alguma parte da qual terá sido distorcida de maneiras significativas pela passagem das microondas de galáxias intervenientes desde sua geração até sua chegada à Terra. A partir daí, usando muitos artifícios estastísticos, deverá emergir uma terceira estimativa do efeito ioiô entre gravidade e energia negra sobre os aglomerados de galáxias.

Se essas três experiências funcionarem e coincidirem entre si, ter-se-á dado um passo adiante para entender como o universo evoluiu de um objeto menor que um elétron para a vastidão que se vê hoje. Teóricos serão capazes de plugar os dados novos em seus modelos de energia negra e ver o que resulta. Mas, outros serão capazes também de usar esses dados novos -- e poderão chegar a conclusões diferentes.

Louco o suficiente para ser correto?

Mesmo enquanto astrônomos travam disputa para explicar o mistério do universo em expansão, alguns teóricos estão tentando explicá-lo ao contrário. A iniciativa mais recente desse tipo acaba de ser publicada por Christof Wetterich, da Universidade de Heidelberg. Ele não apenas não acredita em energia negra, como também não acredita em absoluto que o universo esteja se expandindo. Isto, no contexto da cosmologia moderna, é uma heresia bastante grave. Mas, o artigo mais recente do Dr. Wetterich, publicado em arXiv, um "depósito" de artigos online, tenta dar suporte à sua teoria.

Na visão de cosmo do Dr. Wetterich, os desvios para o vermelho que os outros astrônomos atribuem à expansão do universo são, em vez disso, o resultado do universo estar ganhando peso. Se os átomos pesavam menos no passado, raciocina ele, a luz que emitiam então -- em conformidade com as leis da mecânica quântica -- era menos energética do que a luz que emitem agora. Como luz menos energética tem comprimento de onda maior, astrônomos que a examinam hoje a perceberiam como um desvio para o vermelho.

À primeira vista isso soa maluco. A ideia de que a massa é constante é incutida em cada físico em formação. Abandonar isso seria doloroso. Mas, em troca, a proposta do Dr. Wetterich lida muito bem com uma grande crítica à teoria do Big Bang, que é a de trabalhar com o conceito de densidade infinita no começo [do universo], chamada de uma singularidade, que as teorias ortodoxas não conseguem explicar.

O modelo do Dr. Wetterich não explica, ainda, as alterações nos desvios para o vermelho dos aglomerados de galáxias que a DES, a ACTPol e a SuMIRe estão tentando esclarecer. Mas, talvez, um dia possa fazê-lo. O Dr. Wetterich é um físico bem conceituado, e sua matemática não se mostra obviamente errada. Além disso, sua teoria efetivamente permite um curto período de rápida expansão, conhecida como inflação, cujos traços já foram vistos no CMB. Entretanto, o Dr. Wetterich acha que essa inflação não ocorreu logo após o começo do universo (a visão consensual), pois para ele o universo não teve começo. Em vez disso, um pequeno universo estático que sempre existiu transformou-se em outro grande universo estático que sempre existirá, tornando-se cada vez mais pesado nesse processo. Não houve, assim, singularidade.

Provavelmente, essa teoria está errada. Como diz Cliff Burguess, do Instituto Perimeter, um centro canadense de física teórica: "A questão da energia negra facilmente degenera em algo como uma multidão de pessoas em que cada uma diz ser Napoleão, enquanto afirma que estão obviamente loucos todos os demais que dizem o mesmo". Mas, as teorias perduram até que não conflitem com os dados, e quando as novas experiências terminarem haverá um bocado mais de dados com os quais as teorias podem conflitar, e assim será revelado quem é o verdadeiro Napoleão. Talvez, portanto, a última palavra caiba a Niels Bohr, um dos fundadores da teoria quântica.  Ele uma vez disse a um colega, Wolfgang Pauli: "Todos concordamos em que sua teoria é maluca. A questão que nos divide é saber se ela é maluca o suficiente para ter uma chance de ser correta".



Um comentário:

  1. Amigo VASCO:

    Bem-vindo ao ramo da difusão de conhecimentos cieníficos.
    Esse tema é interessante, mas acho que ainda estamos longe de saber realmente o que venha a ser a ENERGIA ESCURA (tal qual s MATÉRIA ESCURA, que também é um mistério).
    Tenho lido muito sobre esses assuntos (e outros), já tendo iniciado um texto que pretendo publicar no início do próximo ano. O título provisório: NOVOS CONCEITOS EM FÍSICA - Para entender a Física do Século XXI.
    Quanto às teses apresentadas no artigo acima, particularmente acho que os resultados ainda serão muito parciais; os esforços de observação são válidos, mas serão interpretados pelas leis da Fìsica como as conhecemos. A teoria sobre o aumento de massa do UNIVERSO é inverossimil, pois TODAS as relações entre as massas PERMANECERIAM AS MESMAS, SENDO IMPOSSÍVEL
    DETETAR TAIS AUMENTOS.
    Muitos cientístas não gostam da SINGULARIDADE inicial, daí gerirem teses, as vezes, absurdas.
    Ainda é possível teorizar um Universo sem singularidade, e apresentar uma idéia aceitável.
    Aqui na terrinha, o Prof. MARIO NOVELLO, do CBPF (o maior da nossa atualidade) publicou um livro com o título: DO BIG BANG AO UNIVERSO ETERNO. Vale a pena lê-lo
    Abraços, e até a próxima.

    LEVY

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