quarta-feira, 19 de junho de 2013

Brasil neste momento, um sonho ou um pesadelo?

[Traduzo a seguir o artigo de ontem de Juan Arias, correspondente no Brasil do prestigioso jornal espanhol El País. É mais um olhar estrangeiro sobre nosso país, e Juan Arias é uma opinião que merece ser ouvida e meditada. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Ninguém se atreve a dar um nome à surpresa trazida pela noite desta segunda-feira, vendo-se o país de repente lançar-se às ruas convocado apenas pela internet e às vezes por simples adolescentes.

O governo está perplexo. Ninguém esperava que essa multidão, formada por pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, saísse de repente às ruas a dizer "queremos mudar o Brasil".

Para alguns foi um sonho de democracia, um despertar depois de anos de silêncio para expressar, das formas as mais criativas, que não estão satisfeitos com a qualidade de vida que lhes oferece o governo, nem com a corrupção, nem com o desperdício do dinheiro público -- a começar com os bilhões gastos para preparar o Mundial de futebol

Para outros, mais que um sonho, o que viveu ontem [segunda-feira] um Brasil atônito poderia terminar em pesadelo pelos gestos de violência de alguns grupos de extremistas, que tentaram destruir a sede do governo do Rio de Janeiro ou invadir o Congresso.

O que estão dizendo, sobretudo os mais jovens, explicava na televisão o historiador Francisco Carlos Teixeira, é que "os políticos já não os representam mais". Por isso, arremeteram ontem à noite contra os símbolos do poder político no Rio e em Brasília. 

Da presidência, a presidente Dilma Rousseff mandou dizer que existe no país o direito à livre manifestação e que protestar é típico dos jovens. O ex-presidente Lula da Silva, ainda uma forte referência no Brasil, saiu em público para dizer que somente "um irracional pode estar contra as manifestações".

Um líder sindical histórico, Lula apelou para que a reivindicações sejam tratadas via "negociações". No entanto, o que ocorreu nessa noite de segunda-feira não facilita essas negociações porque não existem líderes com poder no movimento, nem se trata de uma lista de reivindicações sindicais. "Queremos um Brasil novo", diziam os cartazes. E as queixas iam desde o preço dos transportes às deficiências na educação e na saúde públicas, passando pela corrupção política.

Ninguém sabe como é esse Brasil novo que profetizavam as centenas de milhares de pessoas que ontem à noite invadiram as cidades. Mas, para vários analistas políticos ficou claro que se trata de uma "insatisfação e de uma irritação difusas", como disse a jornalista Eliane Cantanhêde, que acrescentou que o momento não era de resposta e sim "de dúvidas e interrogações". 

O líder da oposição, Aécio Neves, afirmou que existe hoje "insatisfação nas ruas", e até o ministro Gilberto Carvalho, homem de confiança de Lula, admitiu que esses jovens que se lançaram às ruas "nos trazem angústia" [perspicaz e profundo conhecedor da nossa política e de nossos políticos, Juan Arias foi preciso: Gilberto Carvalho é homem de confiança do NPA, não de Dilma].

A gente que no Brasil continuará saindo de novo nos próximos dias a manifestar seus protestos em 220 cidades não luta contra uma ditadura, nem sequer contra o governo. Quer mais, como já dissemos nesta segunda-feira.  A grande incógnita é como querem conseguí-lo, quem cristalizará esses protestos sem líderes, cujos participantes afirmam, ao mesmo tempo, que os políticos de turno "não os representam". [Este, sem dúvida, é um ponto crucial.]

Se existe "angústia difusa" nas ruas, essa angústia chegou na noite passada como um alerta no Palácio do Planalto, onde se senta a mandatária Dilma Rousseff, ex-guerrilheira que lutou contra a ditadura quando tinha a idade do que nessa noite tentaram invadir o Congresso.

Sua tarefa não é fácil, mas talvez sua biografia possa ajudá-la a buscar respostas a essa insatisfação de um país que até ontem estava mudo e que, de repente, sem que ninguém esperasse, retomou sua voz.

Essa voz esteve bordada com muitas notas. Uns choravam nas ruas e se abraçavam. Outros se dedicaram ao vandalismo e a manchar aquela festa que, ainda que difícil de ser definida, foi sem dúvida celebrada pela imensa maioria no palco da democracia, de uma democracia mais de todos, mais autêntica, mais participativa, onde cada um e não uns poucos possam ter não apenas voto mas também voz. 

Imagem do protesto frente ao Congresso em Brasília - (Foto: Evaristo Sa/AFP).

Vídeo (You Tube) da manifestação no Rio





Um comentário:

  1. Um sonho... certamente! Aquele de ver os petralhas desalojados de um poder que não souberam respeitar. Com sua notável inépcia, levaram o povo brasileiro ao seu limite humano. E agora, José? A "herança maldita" acabou! E agora NPA? E agora Didico?
    E agora, cidadão? Falta levar o protesto às próximas urnas!

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