segunda-feira, 24 de junho de 2013

A batalha contra o mal de Alzheimer

[O texto traduzido abaixo foi publicado em 22/6 na revista The Economist. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

O mal de Alzheimer destrói vidas. Com as pessoas vivendo por mais tempo, essa destruição será pior a cada ano que passe. Ele também destrói orçamentos. Nos EUA, em 2010, o custo do tratamento de doentes com demência foi de US$ 109 bilhões. Isto supera o gasto com o tratamento de doentes cardíacos ou com câncer. A Rand Corporation, uma usina de ideias (think tank) da Califórnia, calcula que esse custo mais do que duplicará por volta de 2040. Um tratamento do Alzheimer é, portanto, necessário tanto por razões humanitárias quanto financeiras.

À primeira vista, o desenvolvimento desse tratamento não parece ser tarefa das mais árduas. Um dos principais sintomas físicos da doença é a acumulação de aglomerações viscosas -- "placas" -- no cérebro. Essas placas são compostas de fragmentos (conhecidos como peptídeos) de proteína denominada beta-amiloide. Tem sido amplamente suposto que se as placas puderem ser removidas -- ou melhor, impedidas de se formarem tanto mais cedo quanto possível -- a confusão mental e a perda de memória, que são as manifestações mais externas do mal de Alzheimer, serão também aliviadas. É apenas questão de produzir um medicamento que faça isso. "Apenas" ...

Tentativas falharam, uma após a outra, a ponto de fazer com os pesquisadores estejam arrancando seus cabelos. Mas, ainda continuam tentando. Um artigo publicado nesta semana nos Proceedings of the National Academy of Sciences descreve uma nova tentativa. Em vez de atacar o peptídeo diretamente, Stuart Lipton, do Instituto de Pesquisas Médicas Sanford-Burnham (em La Jolla, Califórnia) e seus colegas estão tentando interromper seus efeitos. Assim fazendo, eles caracterizaram com novos detalhes o modo pelo qual o peptídeo gera seus danos. Isto significa que mesmo que sua abordagem venha a falhar, eles terão ajudado a abrir uma trilha no aglomerado de placas que outros pesquisadores possam ser capazes de seguir.

Conexões ruins

Medicamentos experimentais, destinados a atacar o beta-amiloide diretamente, se mostraram desapontadores. No ano passado, testes clínicos dos dois mais avançados desses medicamentos não retardaram o declínio da memória da maioria dos pacientes -- embora o Solanezumab, da Eli Lilly, conseguisse alguns resultados positivos em um grupo de pacientes nos quais o Alzheimer era moderado.

A prevenção pode ser uma abordagem melhor. Alguns pesquisadores estão por conseguinte testando o Solanezumab para verificar se ele ajuda pessoas idosas que não mostram sinais clínicos de Alzheimer, mas cujos cérebros mostram níveis anormais de beta-amiloide.

Testar medicamentos dessa maneira -- para descobrir se são capazes de impedir que uma doença se inicie -- é eticamente um campo minado, porque significa fazer experiências com pessoas que são sadias, para todas as intenções e objetivos. Entretanto, outros testes desse gênero estão se realizando. Roche, um fabricante de medicamentos suiço, está testando uma família grande na Colômbia cujos membros frequentemente exibem uma mutação que garante que qualquer um que a tenha passa a sofrer do mal de Alzheimer. E um consórcio de pesquisadores nos EUA, no Reino Unido, na Austrália e na Alemanha está também testando o efeito de remédios antiamiloides em pessoas com mutações passíveis de induzir a doença.

Nesses dois casos, a quase certeza de problemas futuros para as pessoas envolvidas significa o desaparecimento do dilema ético. Mas não há garantia de que mesmo que esses testes funcionem, que eles clareiem o problema mais amplo. Ninguém sabe ainda ao certo até que ponto o Alzheimer induzido por mutação se assemelha ao tipo "esporádico" mais comum. Um tratamento para um não necessariamente funcionará para o outro.

O Dr. Lipton e seus colegas estão assim tentando entender como o beta-amiloide causa seus danos, e como ele poderia ser bloqueado para isso. Eles partiram da observação de que o peptídeo parece armar sua destruição particularmente em sinapses sensíveis ao glutamato. A sinapse é uma conexão entre dois neurônios, através da qual eles se comunicam via moléculas mensageiras chamadas neurotransmissores. Estes ocorrem em diversas variedades, uma das quais é o glutamato. Em níveis normais, o glutamato sustenta ou mantém a formação da memória. Mas, glutamato em excesso deflagra uma cascata de atividades preocupante. Pesquisas anteriores sugeriram que níveis altos de glutamato, em combinação com moléculas receptoras hiperativas chamadas receptores eNMDA, podem ser responsáveis pelos problemas do Alzheimer. 

Inicialmente, o Dr. Lipton demonstrou o efeito do amiloide sobre o glutamato. Ele e seus colegas adicionaram beta-amiloide a culturas de astrócitos, um tipo comum de células cerebrais que ajuda a dar suporte aos neurônios. O Dr. Lipton verificou que o beta-amiloide estimulou os astrócitos a liberarem grandes quantidades de glutamato. Ele observou também o mesmo fenômeno em cérebros de camundongos vivos.

Em seguida, ele mostrou os efeitos desses níveis altos de glutamato. Numa cultura de astrócitos e neurônios, oriundos de células-tronco humanas, ele mediu se as sinapses estavam disparando adequadamente. Não estavam. A equipe de pesquisadores observou que os sinais vindos de neurônios expostos ao beta-amiloide (e, portanto, a bastante glutamato) baixaram significativamente. Isso parecia ser explicado pelo efeito de excesso de glutamato sobre os receptores eNMDA. O neurotransmissor fez com que esses recptores ficassem hiperativos, carreando uma inundação de íons de cálcio para o neurônio. Isso, por sua vez, provocou a criação de níveis tóxicos de óxido nítrico e das proteínas caspase-3 e tau emaranhada -- todos eles envolvidos  na degeneração de sinapses.

Um medicamento chamado memantina (por cujo desenvolvimento Dr Lipton foi responsável e que, ele admite,"não funciona muito bem") teve apenas um pequeno efeito sobre a hiperatividade dos receptores.  Mas, combinando a memantina com um fragmento de outro medicamento, a nitroglicerina, o Dr. Lipton teve mais sorte [a nitroglicerina é utilizada como vasodilatador, no tratamento de doenças cardíacas, para o tratamento da enfermidade isquêmica coronária, o infarto agudo de miocárdio e na insuficiência cardíaca congestiva. É administrado pelas vias transdérmica, sublingual ou intravenosa -- pertence ao grupo dos fármacos antianginosos]. A memantina liberou a nitroglicerina para o neurônio doente; a nitroglicerina aderiu-se então aos receptores eNMDA e amorteceu sua atividade. Subsequentemente, os sinais das sinapses melhoraram. O medicamento combinado do Dr. Lipton, denominado nitromemantina, restaurou também as sinapses de camundongos com Alzheimer.

Tudo isso soa excitante, mas é preciso ter cautela. Muitos remédios para Alzheimer pareceram ter êxito com animais, mas se mostraram ineficientes para seres humanos. Medicamentos promissores foram descartados também por problemas de segurança ou falhas técnicas. No ano passado, por exemplo, um artigo na Science informou que o bexaroteno, um medicamento aprovado para uso contra câncer de pele, estimulou a produção de ApoE, uma proteína que elimina o beta-amiloide em ratos. Mas, em maio outro grupo de pesquisadores, publicando também na Science, disse que não conseguiu reproduzir esse resultado. E em 13 de junho, o Eli Lilly informou que interromperia os testes clínicos de um medicamento destinado a interromper a produção de beta-amiloide. A substância em questão mostrou causar danos ao fígado. O caminho para uma cura real do mal de Alzheimer continua cheio de obstáculos como sempre.

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