sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Dois médicos e um radiologista franceses condenados a 1,5 ano de prisão em regime fechado por superexposição de pacientes a radiação

[A reportagem abaixo foi traduzida de texto em francês que me foi enviado gentilmente por meu caro amigo Amauri, a quem agradeço. Ela é oportuna, não só pelo tema que aborda mas também porque lembra a história recente de pacientes que morreram em Campinas após receberem aplicação de contraste para ressonância magnética. O que, abaixo, estiver entre colchetes e em itálico, é de minha responsabilidade.]

Os males dos pacientes que fizeram radioterapia em Epinal [França] persistem, mas sua luta na justiça chegou ao fim. Sete indiciados, 448 vítimas, cinco anos de instrução e cinco semanas de audiências. O grosso dossiê do mais grave acidente de radioterapia ocorrido na França foi encerrado na quarta-feira, 30 de janeiro.

O tribunal correcional de Paris condenou a penas de 18 meses de prisão em regime fechado dois ex-médicos radioterapeutas do Hospital Jean Monnet, de Epinal (Vosges), Michel Aubertel e Jean-François Sztermer. Seu colega radiologista, Joshua Anah, recebeu também a mesma sentença. [Pela magnitude do caso, parece ter havido poucos punidos e assim mesmo com penas brandas.]

A Francetv Info responde a seguir às questões levantadas por esse escândalo na saúde.

* Quantas pessoas sofreram excesso de radiação?

As superexposições mais graves (da ordem de 20% acima da dose normal) afetaram 24 pacientes entre maio de 2004 e agosto de 2005. As outras superdoses (de 8% a 10% acima da dose normal) vitimaram 424 pessoas entre 2001 e 2006.  Se, no total, 448 pessoas foram gravemente expostas a excesso de radiação, um especialista que serviu de testemunha no processo informou que o mau funcionamento dos aparelhos de radioterapia remonta a 1987 [que absurdo!], levando a cerca de 5.230 o número de pessoas superexpostas em cerca de 20 anos, informa o jornal L'Est Républicain (O Leste Republicano): "Entre setembro de 1987 e novembro de 2006, apenas durante três meses não houve a superexposição de pessoas a superradiação", relata o periódico.

* Quantas morreram?

Segundo o Dr. Jean-Marc Simon, que acompanhou a partir de fevereiro de 2007 um grande número das 448 vítimas reconhecidas, 12 pessoas morreram em consequência dessas superradiações. Dessas, 10 fazem parte das 24 pessoas fortemente afetadas e 2 estão entre as 424 atingidas entre 2001 e 2006. Uma contagem que se avoluma com o tempo: "Superradiado com 8%, Pierre Rémy era um dos demandantes da ação quando da realização das audiências no final de 2012. Esse habitante de Rehaincourt morreu há um mês", escreveu o L' Est Républicain em 30 de janeiro. Por fim, dois dos 24 pacientes superexpostos morreram de outras causas, um deles tendo se suicidado em 2010 com a idade de 78 anos.

* Quais são as causas dessas superradiações?

Os superradiados a 20% de 2004-2005. Os 24 pacientes reportados estavam todos sob cuidados, por câncer de próstata, no Hospital Jean-Monnet de Epinal. Foram eles que apresentaram, já em julho de 2005, os primeiros problemas ligados à superexposição.

Vários problemas de funcionamento são apontados a dedo. Já em 2010, a Agência regional de hospitalização de Lorraine fazia acusação contra uma "má utilização" de um software de radioterapia usado a partir de 2004, e erros de parametrização, assim como "uma falta de domínio técnico" pela equipe.

"A fim de evitar qualquer dispersão, o feixe ionizante é "estreitado" sobre o tumor por filtros chamados cunhas", explica o site DNA (Dernieres Nouvelles d' Alsace). "Em maio de 2004, o centro hospitalar fez a escolha de passar da técnica de "cunhas estáticas" de chumbo para a de "cunhas dinâmicas", pequenas lâminas móveis".  Ora, essa evolução exige que a intensidade dos raios seja recalculada, e revisada para baixo. "O segundo cálculo de parametrização do equipamento e a dosimetria in vivo [cálculo da dose], feitos tradicionalmente ao término da primeira sessão, não foram mais efetuados", confirmou Guillaume Wak, da Agência de Segurança Nuclear (ASN), um dos especialistas convocados durante o julgamento.

Os superexpostos a 8% de 2001 a 2006.  A superradiação desses 424 pacientes decorre do fato de não terem sido levadas em conta, no cálculo final das radiações, as doses suplementares de radiação quando dos controles/aferições radiológicas -- chamados "matching" -- efetuados antes de cada uma das sessões de radioterapia, para verificar o bom posicionamento do corpo do paciente. "Esse controle inicial é de 8% dos raios", explica ao DNA Philippe Stäbler, presidente da Associação das vítimas de superradiação. "Em seguida, durante a sessão propriamente dita, o paciente deveria ser submetido a apenas 92% dos raios, mas foi feita a aplicação de 100% ...", explica ele.

* Que consequências essas superdosagens impõem ao organismo?

Dores abdominais e retais, sangramentos, diarreia, etc. As consequências dessas superradiações são inúmeras, e fortes. Ao L'Est Républicain, vítimas falaram do "isolamento social progressivo e da ausência de acompanhamento pelos dois radioterapeutas". No julgamento, a filha de uma das vítimas falou do calvário de seu pai, morto em 2007. "Meu pai morreu com dores terríveis (...) No fim, ele estava muito magro e exalava um cheiro horrível. Um cheiro insuportável de ovo podre, que saía de seu corpo".

Convidado pela RTL [maior empresa de rádio e televisão na Europa, de propriedade do conglomerado de mídia alemão Bertelsmann] em setembro de 2012, Philippe Stäbler lembrou as dores "24/24h" antes de acrescentar: "Felizmente há remédios muito poderosos. Vou ao banheiro de quatro a seis vezes ao dia", diz ele, "são diarreias permanentes".

* Como os profissionais da saúde reagiram à repercussão do caso?

"Presta-se muito mais atenção e cuidado na distribuição das doses (de radiação), faz-se o máximo de proteção aos órgãos de risco crítico", enfatizou Bruno Cutuli, médico radioterapeuta. "Mas isso se deve também ao fato de termos feito grandes progressos em termos de dosimetria nesses últimos dez anos" [medição precisa dos raios absorvidos por órgãos e tecidos do corpo]".

Após a explosão do escândalo dos superradiados em 2006, "houve reforços em vários níveis em matéria de regulamentação", explicou à AFP o Dr. Bruno Sauvet, presidente da Sociedade Francesa de Radioterapia Oncológica (SFRO), que cita principalmente o aumento do número de físicos médicos, os cientistas responsáveis pelas máquinas de radioterapia nos centros de tratamento. Em termos de controle, ele cita as "visitas mais frequentes e mais detalhadas" pela ASN.

A despeito desse drama, a fisioterapia continua a salvar vidas.  Essa técnica, que permite destruir de maneira cada vez mais precisa as células cancerosas, cura 40% dos doentes com câncer, diz a SFRO.  Dois terços dos doentes portadores de câncer são submetidos a radioterapia em um momento ou outro de seu tratamento, o que representa 200.000 tratamentos por ano na França.





 



Um comentário:

  1. "A despeito desse drama, a fisioterapia continua a salvar vidas." Fisioterapia? Ou radioterapia?

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