segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Países emergentes: o risco de se julgar invulnerável

[O texto traduzido abaixo é da autoria de Alicia González e foi publicado ontem no jornal espanhol El País. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. Ele deveria ficar na cabeceira da sorridente Dona Dilma e de seu ministro Mantega.] 

 O acrônimo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em construção - (Foto: Getty Images).


Até no cenário mais incerto, há margem para um certo otimismo e para histórias de sucesso. Na história atual da economia mundial esse espaço é, indiscutivelmente, ocupado pelas economias emergentes. Apesar das surpresas negativas que algumas delas protagonizaram em 2012, os emergentes sempre aparecem no lado ensolarado das perspectivas econômicas, e se converteram nesses momentos quase que na única esperança para o crescimento global.

"75% do crescimento mundial são efetuados pelas economias emergentes, que já são líderes desse crescimento", afirma Allan Conway, responsável por renda váriável do Schroders, em Londres. "Em 2011, a China contribuiu com US$ 1,3 bilhão para o crescimento do PIB do mundo, o que equivale quase a criar uma nova economia como a da Espanha", alerta Jim O 'Neil, presidente da gestora do Goldman Sachs, em artigo recente (O' Neil foi o criador, há uma década, do termo BRIC -- acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China -- que se generalizou para denominar as grandes potências emergentes).

As cifras em termos de crescimento, níveis de emprego, investimento e fluxo de capital são impactantes, mais ainda face à desolação produzida pelos dados de um mundo industrializado arrasado há cinco anos por uma crise econômica e financeira. Mas, nem tudo é cor de rosa no mundo emergente. Os bons resultados obtidos nos últimos anos e a ampla margem existente em suas contas públicas levou esses países a relaxar, em certa medida, o processo de reformas em que haviam embarcado e, sem estas, muitas das estrelas emergentes podem perder seu brilho [o que, certamente, já é o caso do Brasil].

"O maior risco é pensar que não há riscos, porque é aí então que todos começam a relaxar e abandonam o processo de reformas", assegura Álvaro Ordiz Vidal-Abarca, economista-chefe de países emergentes no BBVA Research. Nessa mesma linha se pronunciam os analistas do banco Barclays em seu relatório trimestral sobre países emergentes. "Evitar o esforço de empreender reformas estruturais porque o financiamento externo está fácil é muito arriscado, e pode causar danos às economias. Apesar de suas numerosas vantagens, a maioria das economias emergentes tem ainda muita margem de melhora no lado estrutural", enfatizam os economistas da entidade financeira britânica.

E é nessa necessidade de reformas que convergem as trajetórias dos países industrializados e as dos países em desenvolvimento. "Na realidade, os países desenvolvidos e os emergentes compartilham neste momento a mesma história. Certamente em níveis diferentes, mas os dois grupos precisam efetuar um processo de reformas intenso", assinala Steen Jakobsen, economista-chefe do Saxo Bank. Para os emergentes, o risco é que suas economias se posicionem em uma tendência de crescimento menor, com a qual não seriam capazes de fazer frente às elevadas necessidades sociais de suas populações, nem poderiam gerar empregos em um ritmo adequado [é impressão minha, ou alguém está falando especificamente do Brasil?...].

Essa falta de reformas explica, em parte, o desempenho decepcionante apresentado em 2012 por países como China, Brasil, Índia e Coreia do Sul. "Ainda que o comportamento econômico díspar dos emergentes em 2012 possa vincular-se claramente à deterioração dos mercados aos quais se destinam suas exportações, em particular na zona do euro, não se pode negar o papel desempenhado por fatores estruturais domésticos", advertem os economistas do Barclays.

O certo é que a história das grandes economias emergentes é uma história em transição. O modelo de crescimento dos países que têm liderado os avanços para o desenvolvimento tem sido impulsionado pelas exportações, e chegou a hora de mover-se rumo a outro modelo, com peso maior para a demanda doméstica, o consumo e o investimento [o problema nosso é que a afável Dona Dilma se apaixonou pelos dois primeiros e abandonou o último]. O caso mais evidente, e o que maior peso tem para o resto dos emergentes, é o da China, mas ele não é o único. Os líderes chineses apostaram em dirigir seus esforços na direção dessa mudança de modelo, mas são muitas as modificações que têm que executar para que suas intenções se convertam em realidade. O plano de navegação da China se aplica igualmente a países como a Índia ou África do Sul. "A China precisa aprovar medidas para aumentar a competitividade e reduzir os níveis de corrupção; tem que criar um sistema de saúde e de aposentadoria para seus cidadãos ou, ao contrário, estará economizando e não gastando para se prevenir de emergências futuras; e deve avançar rumo à liberalização dos mercados de capitais e financeiro", enumera Jakobsen, do  Saxobank.

Esse último é um fator que ficou em clara evidência durante esta crise.  Como enfatiza o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla inglesa), em termos de crescimento custou aos mercados emergentes, como grupo, apenas quatro trimestres para superar seus níveis anteriores e manter, desde então, níveis sólidos de aumento do PIB [a autora não pode estar se referindo ao pibinho do Brasil]. "Por isso chama tanto a atenção o fato de que os mercados de ativos emergentes tenham seguido em geral a tendência dos mercados desenvolvidos, que tampouco alcançaram os níveis que ocupavam antes da crise. Isso reflete até que ponto a política dos mercados maduros, em particular a da Reserva Federal americana, continua ditando a marcha dos mercados globais", assinala a instituição que congrega os principais bancos privados do mundo em seu relatório sobre mercados de capitais neste mês.

"Continua existindo um predomínio dos mercados desenvolvidos sobre os emergentes, e se estes querem passar a jogar na primeira divisão precisam mudar essa tendência. É o que tem acontecido entre os países desenvolvidos", repisa Ordiz Vidal-Abarca, do BBVA Research.  Para Allan Conway, do Schroders, disso não resulta no entanto uma condição indispensável. "Sem isso, [os emergentes] já são os que mais crescem em nível mundial e, quanto ao resto das reformas, não há porquê se tornar obsessivo. É um componente natural do crescimento, e esses países estão melhores que no passado", diz ele por telefone. A opinião de Conway parece um tanto isolada entre os demais analistas.

Da disposição desses países para levar adiante as reformas, de que seus governos consigam obter o apoio político para aprová-las, e do calendário em que consigam isso dependerá o sucesso ou o fracasso dos emergentes nesse empenho -- ainda que os pontos de partida sejam muito díspares. O México, que já pertence ao clube dos países industrializados, a OCDE, parece concentrar as esperanças dos analistas com a mudança de governo. "No caso do México, um círculo virtuoso de iniciativas do lado dos legisladores e de decisões de investimentos pelas companhias parece estar emergindo com força. No Brasil, observamos hoje justamente o contrário", assinalam os especialistas do banco HSBC. Apesar da comodidade que é tratar o grupo como um todo, são muito profundas as diferenças entre os diferentes países e regiões emergentes.  "A principal característica dos emergentes, ou dos mercados em crescimento, passou a ser a sua heterogeneidade", assinala O'Neill em seu artigo.

Por exemplo, a antiga Europa Oriental foi, de longe, a região de pior desempenho nos últimos anos, afetada em cheio pela crise da eurozona, com a qual mantém estreitos laços comerciais e financeiros. Tanto assim, que alguns países -- República Tcheca, Hungria, Croácia e Sérvia -- recaíram na recessão e se prevê apenas uma leve recuperação de suas economias em 2013. A China deixou para trás o temor de uma aterrissagem forçada -- que, segundo os analistas da Societé Génerale, passaria por crescer abaixo de 6% -- e registrou no mês passado uma forte recuperação da produção industrial e das exportações, o que permite prever uma recuperação modesta neste exercício, fechando-o com um crescimento em torno de 8%.

No lado das surpresas positivas se encontram Rússia e Turquia, que em 2012 cresceram acima do previsto.  Em especial a Turquia que, com uma política econômica "inovadora",  foi capaz de frear a crescente bolha de ativos sem impedir o crescimento da economia. Mas, pode ser que não seja apenas por isso que Istambul fique na moda. Segundo os analistas do Barclays, a Turquia se unirá ao Brasil e a outros países latino-americanos como soldado da guerra cambial. A esperada melhora da economia americana e o consequente aumento da demanda por matérias primas e produtos pela primeira economia mundial produzirão uma revalorização das moedas, principalmente das latino-americanas, e contra isso se posicionarão as autoridades desses países na opinião da equipe de analistas econômicos da Societé Génerale.  O tirambaço de partida para isso pode ser a decisão do Japão de aprofundar a depreciação que o yen já vem sofrendo, e de intervir com dureza no mercado para conseguir esse objetivo.

Em todo caso, as perspectivas de curto prazo dos países emergentes sinalizam para uma recuperação moderada, que não é tão segura no caso dos países desenvolvidos. Acontece que esse cenário criou um binômio paradoxal, no qual a percepção de risco aparece concentrada nos países desenvolvidos e não nos emergentes, como acontecia no passado. Nessas circunstâncias, as economias emergentes podem julgar-se invulneráveis.






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