domingo, 27 de janeiro de 2013

Economia do Reino Unido se contrai e aumenta dúvidas sobre a cartada de Cameron

"Se deixarmos a União Europeia não haverá retorno". O tom foi sem apelo, a ameaça sem ambiguidade. O discurso do premiê britânico David Cameron na quarta-feira 23 gerou perturbação no seio de uma União Europeia (UE) enfraquecida pela crise: tudo dependerá do referendo que ele se comprometeu a organizar daqui ao final de 2017, cedendo aos euro-céticos de seu partido conservador.

Até a opinião pública pende para uma "Brexit" [corruptela para "Britain's exit" = saída do Reino Unido (RU)] da UE: se o referendo fosse feito hoje, 40% das pessoas pesquisadas votariam a favor da saída e 37% concordariam em ficar, com 23% de indecisos. O banco americano Morgan Stanley, em uma nota intitulada "From Grexit to Brexit" ("Da saída grega para a saída britânica") publicada em dezembro passado, fez a aposta de que o Reino Unido saíria da UE neste ano de 2013.

Se, por um lado, Cameron tenta tranquilizar seus parceiros aborrecidos com sua declaração -- tendo à frente François Hollande, que declarou que "a Europa deve manter-se como está" -- ele não transige de sua intenção de ver reformulada uma Europa "superada pela competição mundial e negligenciada pelos investidores" [os políticos ingleses são bons de retórica e oratória -- se nelas há sempre  conteúdo é outra história. Ver postagem anterior sobre a posição de Cameron].

No momento em que se anuncia que a economia britânica sofreu uma contração de 0,3% no último trimestre de 2012, deixando aberta a possibilidade de uma terceira recessão desde o início da crise, não há certeza de que Londres terá muita vantagem em se retirar do mercado único [ver: UK official data confirm fourth quarter economic contraction].

"Incerteza prejudicial"

O desejo de Cameron de tornar a Europa "mais competitiva, mais aberta e mais fexível" e não uma "fonte de custos para o mundo dos negócios" não é no entanto surpreendente para um conservador cujo partido é inteiramente devotado à causa das empresas do país -- que se beneficiam alegremente de uma política fiscal muito favorável: para o período compreendido entre 2010 e 2014, o governo baixou de 28% para 21% o imposto de renda das empresas.

Entretanto, inúmeros são os empresários que se mostram publicamente inquietos nessas últimas semanas com a possibilidade da saída do Reino Unido da UE.  "As empresas não querem que se coloque em risco o importante por razões secundárias -- não com 50% de nossas exportações direcionadas à Europa" [os franceses usam a expressão "jeter le bébé avex l'eau du bain", que significa "por em risco o bebê, preocupando-se com o que fazer com a água suja do banho"], alertou John Cridland, diretor-geral da confederação patronal CBI [Confederation of British Industry] ao formular seus votos para 2013. [A CBI se apresenta como "a principal organização de lobby das empresas do Reino Unido em nível nacional e internacional", e a frase lapidar de John Cridland no site oficial da CBI é "We listen, we lobby, we get results" -- assim como nos EUA, o lobby é uma atividade legal no RU]. Grandes figuras dos meios de negócios como Richard Branson, fundador do grupo Virgin, estão igualmente inquietas com um processo de renegociação que "resultaria em criar uma incerteza prejudicial para as empresas britânicas", afirmou ele em uma carta publicada no início de janeiro pelo jornal Financial Times.

Para as empresas estrangeiras, o mesmo problema: "Por que implantar sua indústria no RU, se você não sabe -- e ninguém está em condições de lhe dizer -- quais serão os termos de nosso comércio no futuro?", se pergunta Lord Heseltine, um ex-ministro de Margaret Thatcher. "A UE é, destacadamente, a principal parceira comercial de Londres", enfatiza Stéphane Deo, economista-chefe para Europa do UBS [instituição financeira suiça] em Londres. "Se ele [RU] se retirar dela, se verá obrigado a negociar um acordo comercial a exemplo de outros países não-membros, como a Suiça". Enfim, para ter acesso ao mercado europeu Londres teria que pagar direitos alfandegários que, dependendendo do produto, variariam de 55% a 200% segundo a revista The Economist.

"Uma pistola contra a cabeça"

O clima de incerteza seria tal, que empresas e investidores estrangeiros abandonariam o RU, estimam por seu lado os liberais, acenando com a perda de três milhões de empregos no país. Os primeiros a sair seriam sem dúvida os bancos estrangeiros da City, principal centro financeiro da Europa e plataforma privilegiada para as transações em euro. Ora, o setor financeiro representa 9,6% do PIB britânico segundo o relatório anual da associação professional TheCityUK [voltada, entre outros objetivos, a criar condições para que os negócios britânicos tenham êxito em mercados globais -- segundo ela, a indústria de serviços financeiros e de professionais correlatos gera mais de 2 milhões de empregos no RU].

Para Stéphane Deo, "o problema na realidade são a regulamentação financeira e as negociações que se iniciam sobre a união bancária.  Há um risco para Londres de que o acordo se faça em detrimento da City. Por exemplo, o presidente (governor) atual do Banco da Inglaterra será substituído por Mark Carney, o presidente (governor) do banco central canadense -- um especialista em regulamentação bancária -- o que demonstra que o RU precisa ter um grande negociador para esse tema", explica ele.

David Cameron pode, todavia, se gabar de após seu discurso haver recebido o apoio de uma cinquentena de dirigentes empresariais de alto escalão em uma carta ao jornal The Times.  Entre os signatários -- um terço dos quais é de financiadores do partido conservador -- estão o diretor da Bolsa de Londres, o francês Xavier Rolet, os presidentes dos conselhos das marcas de luxo Burberry e Rolls-Royce, John Peace e Simon Robertson, e ainda o dirigente da gigante das bebidas alcoólicas Diageo. Todos avaliaram que "David Cameron tinha razão".

Cameron, aliás, repete a quem quer entendê-lo que se trata de um debate aberto há muito tempo no país e que "o mundo dos negócios sabe do que se trata". Seu antecessor, o trabalhista Tony Blair, ironiza: "Isso me faz lembrar uma comédia de Mel Brooks, "O xerife está preso". O xerife bota sua pistola contra a própria cabeça e diz: "se não fizerem o que digo, darei um tiro na cabeça".

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