quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Um pouco de verdade sobre o aumento de tarifas no Brasil (Instituto Ilumina)

[Vale a pena ler o artigo do ILUMINA - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Um pouco de verdade sobre o aumento de tarifas no Brasil

ILUMINA - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético


Nesse momento em que assistimos mais uma excentricidade brasileira, quando o governo lança um inédito pacote que provocará perdas de receitas da ordem de 70% em suas próprias empresas em nome de uma queda abrupta de tarifas, é necessário recuperar um pouco do nosso passado recente [clique nas figuras para ampliá-las].


O gráfico acima mostra a impressionante proliferação de encargos criados após a implantação do modelo mercantil de 1995. Nem todos os encargos são iguais. Uns têm um caráter compensatórios, como o UBP (Uso do Bem Público), a RGR (Reserva Global de Reversão) [já eliminada] e a CFRUH (royalties sobre recursos hídricos). Outros são Subsídios, como o PROINFA (fontes alternativas), P&D (pesquisa e desenvolvimento) e CDE (desenvolvimento energético). Mas, a grande maioria é composta de custos do modelo de mercado ou decorreram de ações pontuais para corrigir problemas desse mesmo modelo.


TFSEE – Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica que cobre os custos da ANEEL

ONS – Encargo para custeio do Operador Nacional do Sistema
ESS – Encargos de Serviços do Sistema – parte desse gasto é oriundo de divergência de critério entre planejamento e operação. Geração térmica fora a ordem de mérito.
MAE – Encargo para custeio do Mercado Atacadista de Energia, hoje CCEE, Câmara de Comercialização de Energia Elétrica,
RTE - Recomposição Tarifária Extraordinária – Função da queda de mercado pós-racionamento.
ECE - Encargo de Capacidade Emergencial – Função da contratação de térmicas emergenciais.
Leilões – Custo dos leilões.
PERCEE – Parcela Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica
103% - Mudança de regulação que permite as distribuidoras um repasse ao consumidor de energia comprada até 103% da sua demanda.
En. Res. – Energia de reserva que, segundo o governo é necessária, apesar de termos uma energia que se diz “assegurada”.

É bom não esquecer que muitos desses encargos alimentaram a política de superávit primário (principalmente TFSEE, RGR e CDE).

Fica realmente interessante quando se coloca na mesma figura o surgimento desses encargos com a evolução da tarifa industrial no período 1995 – 2011 ao fundo. Reparem que não é um aumento qualquer! Trata-se de dobrar e acrescentar + 20% em termos reais. Ou seja, hoje, a indústria do MERCADO CATIVO paga mais do dobro que pagava há 15 anos. Só esse fato deveria soar todas as “sirenes” avisando que algo estava errado. Estranhamente, a imprensa não procura investigar o que está por trás da explosão e o governo se acha isento de explicar o que fez até aqui.  [É bom observar o aumento tarifário a partir do início da década petista no governo, em 2003.]

Observe-se que as taxas de crescimento foram bem maiores no período 2003 –2006. Isso é muito contraditório, pois, no período pós racionamento, a demanda tinha caído 15%, o equivalente a 3 anos de crescimento. Se a demanda cai, o preço não deveria cair? Onde foi parar a lei da oferta e da procura? É fácil explicar. 


Com a queda de mercado em 2002, era óbvio que mantendo o modelo definido pelo governo anterior (FHC), que previa a descontratação das estatais a partir de 2003 e, com a manutenção dos contratos “self dealing”, que permitiu, sem concorrência e sem licitação, algumas distribuidoras contratarem energia de empresas do seu grupo, as geradoras federais não teriam para quem vender. 



Claro que existiam contratos, mas seria justo impor ao consumidor preços que ultrapassam o dobro dos antes praticados? O racionamento não seria um evento que justificaria no mínimo uma negociação para que os contratos fossem “bons para ambas as partes”?


Mas, enquanto isso ocorria, a lógica operativa diz que as usinas hidráulicas devem gerar antes das térmicas e, portanto, o resultado óbvio foi: estatais, mesmo sem contrato, geraram muitos MWhs. Para onde foi essa energia, por quanto foi vendida e quem comprou? 


  
Uma “Bolsa MW”: A resposta está evidente no gráfico acima. De 2003 até 2006, a energia hidráulica descontratada das estatais, que era mais barata, foi “liquidada” no “mercado livre” brasileiro. Começou liquidada por R$ 4/MWh e só ultrapassou R$ 20/MWh quase em 2007 (Gráfico azul com valores no eixo direito). Ou seja, praticamente 3 anos oferecendo energia assegurada, sem risco, ao preço médio de 2 cafés com pão e manteiga por cada 1000 kWh! Só a empresa FURNAS ficou com aproximadamente 2.000 MWmédios/ano sendo remunerados por esse inédito preço. São mais de 17 TWh/ano. Em que outro país isso acontece? Além disso, toda vez que o preço sobe abruptamente, como ocorreu em 2008, revela-se uma enorme descontratação e inadimplência nesse nosso bizarro mercado livre1.

Conseqüência: O gráfico abaixo mostra o impressionante afluxo de consumidores livres e comercializadores que, LEGITIMAMENTE e LEGALMENTE, foram aproveitar o derrame de MWh que o estado brasileiro proporcionava a quem se “libertasse” do mercado cativo, que, como se viu antes, pagava cada vez mais.


É preciso deixar muito claro que o mercado livre brasileiro nada tem a ver comoutros mercados spots no mundo! Aqui, num certo dia X, um consumidor pertence ao mercado cativo e recebe em suas instalações a energia despachada pelo ONS. No dia X+1 ele passa para o mercado livre, pode pagar aproximadamente 20% a menos e continua a receber exatamente a MESMA energia despachada pelo ONS da MESMA maneira. Nenhuma nova usina foi ligada ou gerou mais. Trata-se de um mero arranjo financeiro. Ora, se todos se servem do mesmo sistema interligado e alguns pagam menos, há grande probabilidade de que custos tenham sido transferidos ou vantagens do sistema tenham sido capturadas sem isonomia.

 
O que vai ocorrer no Brasil a partir da medida provisória 579 de 11 de setembro de 2012 é algo inédito no mundo! Marcará definitivamente uma reviravolta de conceitos que ameaça a estabilidade de qualquer regime de regulamentação.

As vítimas, mais uma vez, serão as empresas estatais. Como não há um kWh sequer cujo preço não tenha sido definido pelo mercado e por medidas pontuais, o sistema falhou em reduzir tarifas. Só que o governo não quer admitir essa hipótese. Com a implantação de competição na geração, é o preço de mercado que define a tarifa. Conceitualmente, nesse sistema nem cabe a adoção de tarifas de geração, como determina a MP 579 em seu Art. 1º § 1º. Ainda mais quando se induz que ela se reduziu ao custo de O&M. Há uma espantosa contradição de princípios, pois se embaralham duas estruturas de regulação opostas. Agravando o problema, a mudança é feita sem sequer se examinar a possibilidade de se alterar a carga tributária, essa sim, uma aspiração de toda a sociedade

Toda essa confusão para conseguir uma redução que não agrada a indústria (a FIESP cita uma desejada redução percentual de 35%) e ainda nos deixa muito longe dos países hidroelétricos, como Canadá e Noruega.

A sociedade brasileira precisa entender que a receita MP 579 é um remédio sem diagnóstico e pode matar o doente. Independente do que se fez com as estatais em termos de loteamento dos seus cargos e políticas “tiro no pé”, é preciso ficar atento a medidas que reduzem da noite para o dia as receitas de FURNAS e CHESF em 60% e 80% respectivamente. Achar que isso não tem efeito no mundo real é acreditar em “curandeiros”.

 


 

Um comentário:

  1. Amigo VASCO:

    Embora você tenha gasto todo o seu conhecimento derivados dosa "intestinos" do Setor Elétrico de forma bastante didática, fico com a impressão de que essa brilhante análise foi dirigida a um público que só paga a conta, sem outra força para mudar esse "status quo". Não posso me dar ao luxo de "viver no escuro" como forma de protestar sobre a forma como as "otoridades" gerenciam om setor. E isso não ocorre só no setor elétrico. Tudo é o resultado do aparelhamento político pelo qual passaram, principalmente os orgão técnicos dos diversos ministérios nessa época de (des)governo petista.
    Não tem solução a curto prazo, infelizmente. Vamos continuar pagando essas tarifas (e outras), e não cabe reclamar. Aliás, RECLAMAR A QUEM?

    Abraços - LEVY

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