quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Três mil vetos e uma grande omissão

[O texto abaixo é da autoria de Alberto Dines e foi publicado no dia 24/12 no site Observatório da Imprensa. Ele aborda, com muita propriedade, mais uma palhaçada protagonizada por nossos parlamentares, no espetáculo deprimente do simulacro da votação a jato de mais de 3.000 vetos presidenciais que mofam no Congresso, alguns há mais de década. O mofo é a característica marcante da mentalidade e da papelada de um Congresso que envergonha nossa democracia. Dines, corretamente, denuncia também veementemente a imprensa omissa que não policiou mais essa demonstração de incompetência e inutilidade de nossos parlamentares.]

Três mil vetos e uma grande omissão

Alberto Dines -- Observatório da Imprensa (24/12/2012)

Quando há duas semanas descobriu-se que havia mais de três mil vetos presidenciais na fila para serem examinados pelo Congresso – alguns datados de 1994! – flagrou-se a natureza e dimensões do leviatã burocrático nacional.

A surpresa foi geral, mas a reação do responsável por este formidável atentado ao Estado de Direito foi kafkiana. Para permitir a urgência na apreciação do veto de Dilma Rousseff à distribuição dos royalties do petróleo, o chefe de Legislativo, o inventivo e sempiterno José Sarney, determinou que os vetos fossem examinados simultaneamente: mandou imprimir um catatau de quase 500 páginas para ser distribuído a cada um dos deputados e senadores onde seriam anotados os respectivos votos, item por item, e depois depositados em “urnas” de madeira, verdadeiras caçambas que os funcionários carregariam nos ombros.

A farsa merecia ser incluída numa novela em quadrinhos sobre a República dos Equívocos. Não deu tempo: os chargistas estão assoberbados, nossos melhores satiristas já se foram, outros estão de licença médica e o recesso natalino não pode ser atrasado. Fica para a próxima.

Escancarou-se simultaneamente a incapacidade da nossa mídia em exercer a sua função fiscalizadora. Aquele que foi chamado de Quarto Poder e hoje se comporta como se fosse o undécimo, não conseguiu enxergar a gigantesca ilegalidade que está sendo praticada consecutivamente há 18 anos. Nem se esforçou.

Ícones da inépcia

Três mil vetos presidenciais pendurados, sem solução, constituem uma aberração institucional que não pode ser varrida para debaixo do tapete. Se nossos repórteres políticos já não cobrem o Congresso, por que continuam ser credenciados para esta missão?

É óbvio que há em Brasília profissionais conscientes, ansiosos para exercer a vigilância sobre um poder que no passado foi o principal aliado da imprensa na denúncia de abusos. Os porteiros das redações é que desistiram do jornalismo de formiguinha, teimoso, tinhoso, anônimo e eficaz.

Os editores querem aparecer, brilhar, produzir manchetes espetaculosas, de preferência sopradas ou vazadas pelas autoridades ou arapongas. Não têm tempo nem ânimo para estimular as novas gerações de repórteres a meter a mão na papelada, devassar os “atos secretos” e driblar os arrogantes assessores de imprensa a serviço do mau jornalismo.

Não se cobrem as sessões, não se cobra assiduidade dos representantes do povo, não se examinam os relatórios produzidos pela descomunal burocracia a serviço das duas casas do Parlamento.

Os três mil vetos em suspenso são os ícones de um Legislativo inepto e viciado. São também um atestado de uma imprensa desnorteada, desfibrada, alheia ao seu compromisso de servir a sociedade e a democracia.

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