quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Quanto vale o nosso idioma?

[O texto abaixo é da autoria de Wilgen Arone e foi publicado na Revista da Cultura, edição 64, deste mês de novembro.]

Estamos acostumados a medir o valor econômico dos objetos a que um idioma dá nome, e não do idioma em si. Se a língua portuguesa estivesse numa prateleira de supermercado, estaria em um empório de luxo ou esquecida a um canto, em promoção num mercadinho?

Um estudo sobre o valor do idioma, solicitado pelo Instituto Camões ao Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Portugal, revela que 17% do PIB do país equivalem a atividades ligadas direta ou indiretamente à língua portuguesa. Apesar de o estudo não visar o Brasil, a pesquisa indica que o fenômeno se repete em coeficientes aplicáveis aos países lusófonos. 

O índice da potencialidade do idioma foi apresentado por atividades econômicas, levando em conta a importância relativa da comunicação e da compreensão em campos diferentes. O PIB de um ramo específico foi multiplicado para entender o valor agregado da língua portuguesa na economia, a partir do peso relativo das atividades com maior conteúdo de língua envolvido. Privilegiando, dessa maneira, relações econômicas que exigem uma dada língua e descartando atividades que podem ser executadas por trabalhadores de outra nacionalidade ou competência linguística.


As indústrias culturais têm um conteúdo linguístico muito forte. Portanto, ensino, cultura e telecomunicações seriam celeiros automáticos de atividades em que o idioma é primordial. “Nas telecomunicações, precisamos da língua em 100% para podermos nos comunicar. Além dessas atividades, há outros ramos, como a administração pública e o setor de serviços”, explica José Paulo Esperança, professor de finanças do Instituto Universitário de Lisboa e coordenador do estudo O Valor Econômico da Língua Portuguesa [o texto da conferência do Prof. José Paulo Esperança sobre o assunto está disponível no site do Observatório da Língua Portuguesa].

Já o setor secundário, como a indústria, por exemplo, atrai maior conteúdo de língua para a economia como um todo. Por último, vêm as atividades do setor primário, em que o peso de um idioma é menor ou só relativo. No Brasil, é o que ocorreria, por exemplo, com a extração de petróleo e de minérios, ou os agronegócios. Apanhar morangos ou fazer algo similar, são atividades que podem ser executadas por um imigrante estrangeiro, que não tem conhecimento do idioma.

O crescimento sustentado da última década fez o gigante da língua portuguesa saltar aos olhos globais. O Brasil virou protagonista das relações comerciais mantidas entre países lusófonos, mercado que movimenta um PIB que passou de US$ 1,9 trilhão em 2009 para US$ 2,3 trilhões em 2010, diz o Banco Mundial. Já o PIB dos imigrantes de língua portuguesa em outros países gira em torno de US$ 107 bilhões (2009).

Línguas diferentes são barreiras para a comunicação e o comércio, equivalentes a tarifas que podem ir de 15% a 22%. Esperança acredita que a divergência linguística provoca complicações na hora de negociar. “Um livro, por exemplo, escrito em outro idioma, precisa ser traduzido para ser lido em português. Neste caso, há um custo significativo, que encarece o produto".  

Estudo da Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex), de 2011, mostra que os negócios realizados em língua portuguesa cresceram 11,7% nos três anos anteriores. O fluxo do comércio entre o Brasil e os outros sete membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) pulou de US$ 6,5 bilhões em 2008 para US$ 7,26 bilhões em 2011. Países de língua portuguesa, principalmente Angola e Moçambique, são economias grandes e em franco desenvolvimento, que oferecem inúmeras oportunidades de negócios para empresas brasileiras. “Há um grande interesse dos empresários brasileiros por estes países, o que certamente tem, em alguma medida, relação com a questão linguística”, exemplifica Rogério Bellini, diretor de negócios da Apex.  

Embaixador da Língua

O português, quinto idioma mais falado no mundo, está representado em todos os continentes. Na Europa, ele é a língua oficial de Portugal; na África, de Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe; na Ásia, do Macau, ao lado do chinês; na Oceania, do Timor Leste; e, na América, do Brasil, país que, de acordo com o Banco Mundial, representa 77% dos mais de 249 milhões de falantes do idioma. Mas o que tem feito a língua adquirir maior importância é o destaque político, econômico e cultural que a CPLP, em especial o Brasil, vem recebendo no cenário internacional. 

Mas aprender um idioma não é suficiente. Quem o faz tem que assimilar a cultura do país onde ele é falado. “A cultura brasileira tem características próprias que, se bem entendidas e absorvidas, dão vantagens competitivas a quem a absorve”, diz Susanna Florissi, diretora internacional da HUB editora. Empresas que estão investindo no país procuram capacitar seu pessoal para que ele possa se comunicar e formar laços comerciais com seus clientes. “Só quando se fala o mesmo idioma é que se pode construir um relacionamento com parceiros de negócios. Se você trabalha com um tradutor, isso não acontece”, explica Sabine Klinkebiel, representante da América Latina da August Herzog Máquinas.  

Os benefícios para os falantes da língua não se limitam ao mundo dos negócios, mas chegam também à cultura de onde ela é falada. Exemplos são as novelas brasileiras, que se espalharam pelo mundo inteiro, assim como as músicas. O idioma passa ainda a ganhar notoriedade no planeta por meio de personalidades que o falam. Os mais conhecidos no momento, segundo a pesquisa do ISCTE, são o ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, os jogadores de futebol Ronaldinho Gaúcho, Cristiano Ronaldo e Figo. Entre os literários, destacam-se Fernando Pessoa, José Saramago, Paulo Coelho, Amália Rodrigues e Luís de Camões.  

Aprendizado do Idioma

Segundo a revista inglesa Monopole, a língua portuguesa está se firmando estratégica e economicamente de forma significativa. Exemplos são a demanda crescente de curso de português para estrangeiros, fluxo de jovens que participam de intercâmbio e o ensino da língua para filhos de imigrantes. Para se ter uma ideia, segundo Florissi, a procura de cursos de português para estrangeiros teve um aumento de, no mínimo, 40% de 2011 a 2012 e o número de pessoas que presta o Celpe-Bras (exame oficial de proficiência em língua portuguesa vertente brasileira) não para de crescer.

Uma das virtudes da internet para a língua portuguesa foi o feito de unir os falantes dos países lusófonos. Com essa integração, o idioma ganhou força e valor no mundo virtual. De sétima língua mais falada na web em 2007, o português é hoje a quinta, ficando atrás apenas de inglês, chinês, espanhol e japonês, que, com exceção do Japão, possuem muito mais falantes do que os países da CPLP. O dado é da pesquisa Internet World Users by Language, de 2011. 

Há um ano, cidadãos portugueses residentes na Suíça enviaram uma petição ao governo português para assegurar o ensino da língua e o acesso à cultura portuguesa para seus filhos. Na Alemanha, as aulas começaram a ser introduzidas no final dos anos 1990. Embora o português não seja um idioma regular como o francês e o inglês, ele é oferecido, em alguns estados, para crianças cuja língua-mãe é o português. O aprendizado é destinado aos pequenos do ensino básico e até a décima série do ensino secundário. “Se essas crianças atuarem na área de importação e exportação, elas terão mais vantagens sobre outras crianças que tiveram e não aproveitaram a mesma oportunidade. É claro que, se uma criança domina um terceiro idioma, além do alemão, ela terá vantagens sobre outras que não dominam”, diz Wolf-Jürgen Karle, do Ministério da Educação, Ciência, Especialização e Cultura da Renânia-Palatinado. 

Seja qual for o idioma, ninguém nega que o multilinguismo aumenta, mais tarde, não só as chances da vida profissional, mas também ajuda a fortalecer culturas. 


(Ilustração: Orlando Pedroso)
 

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