quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pepinos e abacaxis no julgamento do mensalão

[A democracia é muito bonita, mas não tem nada de simples para ser construída e consolidada, principalmente num país como o Brasil, cujos problemas e vícios tiveram início em 22 de abril de 1500. Segundo Churchill, "democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos". 

A democracia em nossas paragens vem passando por uma saudável, bem-vinda e mais que necessária revigorada com o julgamento do Mensalão. É emblemático, reconfortante e animador ouvir-se pela primeira, e da Suprema Corte do país, palavras como "condenação" e "prisão" para indivíduos como José Diirceu et caterva, que até há pouquíssimo tempo usavam da coisa pública com a mais deslavada impudicícia, sob o manto protetor e cúmplice do NPA (o Nosso Pinóquio Acrobata, Lula). Mas, o céu sobre essa democracia extirpada de alguns de seus cânceres está longe de ser de brigadeiro. Paira sobre ela, por exemplo, a hipótese remota mas nada impossível de um indulto presidencial -- principalmente de um governo petista -- em algum momento futuro. E, para os condenados políticos com mandato, há ainda a ameaça de proteção pelo espírito corporativo da Câmara dos Deputados, já que há dúvidas não dirimidas sobre a perda automática de mandato para esses indivíduos, como lembra bem Elio Gaspari em seu artigo publicado hoje no Globo e na Folha de S. Paulo, que reproduzo abaixo.]

Supremo F.C. x Câmara Sporting

Elio Gaspari - Folha de S. Paulo - 21/11/2012

Assumindo a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa terá um abacaxi para descascar: os quatro deputados delinquentes que foram condenados pela corte devem perder o mandato? José Genoino (PT-SP) tomou seis anos e 11 meses e terá que dormir na cadeia. João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) também foram condenados, mas sua penas ainda não foram definidas.

À primeira vista, cidadãos condenados pelo Supremo não podem exercer mandatos parlamentares. A Constituição é clara quando diz que o parlamentar cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral perde o mandato, mas, por incrível que pareça, não atribui esse mesmo poder ao STF. Deveria, mas não atribui.

Quem tem poder absoluto para cassar deputados é a Câmara. Ela já viveu dois precedentes. Em 1947, o Tribunal Superior Eleitoral cancelou o registro do Partido Comunista e, no ano seguinte, o Congresso cassou o mandato dos parlamentares comunistas. Em 1968, a Câmara negou o pedido de abertura de processo contra o deputado Marcio Moreira Alves, o governo baixou o AI-5 e o Congresso foi fechado. Foi um grande momento para o Legislativo.

Em 1974, livre da peia da licença, a ditadura processou o deputado Francisco Pinto, e o Supremo Tribunal Federal condenou-o a seis meses de prisão, que cumpriu num quartel da PM. Seu crime: ter chamado o general chileno Augusto Pinochet de ditador. Nenhum ministro justificou seu voto reconhecendo que se estava numa ditadura. Foi um dos piores momentos do Supremo.

Chico Pinto não era acusado de corrupção, lavagem de dinheiro nem formação de quadrilha. O centro do problema, contudo, não está nos delitos cometidos pelos parlamentares, mas na independência dos Poderes. Pelo andar da carruagem, essa questão arrisca ser discutida num clima de arquibancada, favorecido pela demonstração da culpa dos réus. Contudo, no caso há uma questão constitucional, pois o tribunal avançará sobre uma prerrogativa que hoje é da Câmara. Hoje, numa disputa entre o Supremo Futebol Clube e o Câmara Sporting, os ministros ganham de goleada, mas não se está num jogo de bola. Tudo bem, e no próximo caso?

Há o risco de que a Câmara proteja os mensaleiros, atropelando a noção do decoro. Afinal, em 2006, ela liberou João Paulo Cunha. Cassações de mandatos pelo Supremo por crimes de ladroeiras atribuem à corte uma responsabilidade que a história já mostrou ser tóxica. Há um caminho alternativo: os ministros podem decidir apenas suspender os direitos políticos dos réus e, nesse caso, eles preservam os mandatos, pois foram eleitos quando os tinham. Se a Câmara achar que a presença de quatro condenados pelo STF no seu plenário não constitui uma ofensa ao decoro da Casa, problema dela e da base de apoio do governo petista.

Admita-se que aconteça isso. Poderá ocorrer uma votação noturna apertada e o presidente da Casa será obrigado a dizer o seguinte:  -- Apresso a tomada dos votos porque quatro nobres deputados precisam deixar o plenário, pois são 19h45 e eles deverão se recolher à penitenciária da Papuda antes das 20h, como é do conhecimento de todos.

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[PS - É surreal, para dizer o mínimo e ser bem educado, essa história já reincidentemente utilizada e subscrita por diferentes Casas Legislativas do país, incluindo a Câmara Federal, de que parlamentar condenado por pilantragens, malfeitos e safanagens durante o exercício do mandato, não o perde porque quando eleito não padecia de condenação. Mesmo como história da carochinha isso é de um absurdo repelente -- é como admitir-se que um cidadão elegeu-se anjinho e por obra do demo virou um sacripantas, depois de eleito. Essa teoria é muito parecida, quase gêmea, da aplicada pela Igreja Católica na proteção a padres, bispos e cardeais pedófilos.

Até a Igreja Católica, que permanece praticamente estacionada e estagnada no tempo, em seu Direito Canônico (Cânon 1097 - § 2) admite a anulação do matrimônio pelo chamado "erro de pessoa" -- quando uma pessoa pensa casar-se com alguém que ela julga possuir determinadas características ou qualidades muito significativas para ela e, depois de casada, descobre que essa pessoa não possui tais características ou qualidades. Interpreto o mandato como caracterizando um contrato entre o eleitor e o político, como uma espécie de "matrimônio", em que o eleitor bem intencionado é atraído pelas qualidades e características aparentadas pelo candidato. Se este, depois de eleito e empossado, se revela um delinquente (caso em tela no mensalão) não vejo fundamento algum para que o mandato desse delinquente seja mantido. Sem quaisquer outras considerações, a perda do mandato é o mínimo que a Câmada ou o Senado, conforme o caso, pode fazer para compensar o erro de pessoa cometido na eleição desse famigerado delinquente (novamente, caso em tela).]






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