quinta-feira, 22 de novembro de 2012

França: uma bomba-relógio no coração da Europa

[Ao longo de sua longa e rica história, a Europa tem sido palco de fatos e feitos históricos, dramáticos e decisivos na vida da humanidade, para o bem e para o mal, e a França sempre foi um dos importante protagonistas desse percurso. Infelizmente, Europa e França são novamente atores de ponta de um drama econômico-financeiro de desfecho imprevisível e assustador não só para europeus e franceses, mas também para as principais economias do planeta Terra e para o mundo como um todo. A reportagem traduzida abaixo, publicada na revista The Economist de 17 deste mês de novembro, nos coloca novamente em sobressalto.]

(Ilustração: Jon Berkeley/Alamy)

A ameaça de colapso do euro reduziu-se no momento, mas colocar a moeda única no caminho certo demandará anos de sofrimento. A pressão por reformas e cortes orçamentários é mais contundente na Grécia, Portugal, Espanha e Itália, onde ocorreram nesta semana greves e confrontos com a polícia. Mas, adiante se avulta um problema maior, que pode sobrepujar e apequenar qualquer desses: a França.

O país sempre esteve no centro [da criação] do euro, assim como no da União Europeia (UE). O presidente François Mitterrand defendeu a moeda única, porque esperava com ela reforçar a influência da França em uma UE que, de outro modo, cairia sob o domínio de uma Alemanha unificada. A França tem ganho com o euro: tem se financiado a taxas excepcionalmente baixas e tem evitado os problemas do Mediterrâneo. No entanto, mesmo antes de maio, quando François Hollande se tornou o primeiro presidente socialista do país depois de Mitterrand, a França havia cedido à Alemanha a liderança na crise do euro. E agora sua economia parece também cada vez mais vulnerável.

A França possui ainda muitos pontos fortes, mas a crise do euro desnudou suas fraquezas. Há anos ela vem perdendo competitividade em relação à Alemanha, e essa tendência se acelerou quando os alemães cortaram custos e efetuaram grandes reformas. Sem a opção de desvalorização da moeda, a França recorreu a gastos e à dívida públicos. Mesmo enquanto outros países da UE reduziam o alcance do Estado, este cresceu na França o suficiente para consumir quase 57% do PIB, o percentual mais elevado da zona do euro. Em decorrência da falha do país em equilibrar um único orçamento sequer desde 1981, a dívida pública francesa passou de 22 % do PIB, na época para mais de 90% agora.

O clima para negócios na França piorou, também. As empresas francesas estão sobrecarregadas com uma regulação exageradamente rígida do mercado de mão de obra e de produtos, impostos excepcionalmente altos e o custo social sobre folha de pagamento mais pesado da zona do euro. Como não podia deixar de ser, são raras as empresas novas. A França possui menos pequenas e médias empresas, as máquinas de gerar empregos hoje, do que a Alemanha, a Itália ou a Grã-Bretanha. A economia está paralisada, pode mergulhar na recessão neste trimestre e mal crescerá no ano que vem. Mais de 10% da força de trabalho e mais de 25% dos jovens estão desempregados. O deficit externo em conta corrente variou de um pequeno superavit em 1999 para um dos maiores deficits da zona do euro. Resumindo, há um número exagerado de empresas francesas sem competitividade e o governo inchado do país está vivendo acima de suas posses.

Hollande acuado

Com coragem e determinação suficientes, Hollande poderia efetuar agora reformas na França. Seu partido retém o poder nas legislaturas e em quase todas as regiões do país. A esquerda deveria estar mais capacitada do que a direita para persuadir os sindicatos a aceitar as mudanças. Hollande reconheceu que falta competitividade à França. E, de maneira encorajante, prometeu recentemente implementar muitas das mudanças recomendadas em um relatório recente de Louis Gallois, um empresário, incluindo a redução do custo social para as empresas. Hollande quer tornar mais flexível o mercado de trabalho.  Nesta semana, ele chegou a falar do tamanho excessivo do Estado, prometendo "fazer melhor, gastando menos".

Ainda que atento à gravidade dos problemas econômicos da França, Hollande parece ainda sem entusiasmo. Por que o empresariado iria acreditar nele, se ele já fez aprovar um rosário de medidas esquerdistas, incluindo um imposto de renda de 75% para o topo da pirâmide [esse pessoal quer ganhar bem, mas com menos imposto, claro], um aumento da tributação sobre empresas, riqueza, ganhos de capital e dividendos, um salário mínimo mais elevado e um recuo parcial no aumento já acordado para a idade de aposentadoria? Não é de espantar que tantos empresários potenciais estão falando em deixar o país.

Governos europeus que empreenderam grandes reformas assim procederam porque havia uma profunda sensação de crise, porque os eleitores acreditavam que não havia alternativa e porque os líderes políticos tinham a convicção de que as mudanças eram inevitáveis. Nada disso se aplica a Hollande e à França. Durante a campanha eleitoral, Hollande mal mencionou a necessidade de uma reforma mais pró negócios, focando mais no fim da austeridade. Seu Partido Socialista se mantém antiquado e hostil ao capitalismo -- desde que começou a alertar sobre a competitividade da França sua popularidade caiu. O que é pior, a França está mirando em um alvo em movimento. Todos os países da eurozona estão realizando reformas estruturais e, em sua maioria, de maneira mais rápida e mais ampla do que a França vem fazendo. Recentemente, o FMI alertou que a França corre o risco de ser deixada para trás pela Itália e pela Espanha.

O que está em risco não é apenas o futuro da França, mas do próprio euro. Hollande, corretamente, questionou Angela Merkel por pressionar demasiado na política de austeridade. Mas, quando o tema é a integração política necessária para solucionar a crise ele se esquiva. É preciso que haja um controle maior, em nível europeu, sobre as políticas econômicas nacionais [isto à primeira vista pode parecer, e chega a ser, chocante, mas um bloco de nações com uma moeda única só pode avançar se comportando como uma entidade federativa, com política orçamentária, econômica, financeira e fiscal única]. A França ratificou relutantemente o recente pacote fiscal, que dá a Bruxelas poderes orçamentários extras. Mas, nem sua elite nem seus eleitores estão preparados ainda para uma transferência maior de soberania, assim como estão despreparados para reformas estruturais profundas. Enquanto a maioria dos países discute sobre quanto de soberania tem de ceder, a França está decididamente evitando qualquer debate sobre o futuro da Europa. Em 2005, Hollande se queimou seriamente quando os eleitores rejeitaram o tratado constitucional da UE depois que seu partido se dividiu ao meio. Uma repetição disso jogaria a moeda única no caos.

Grande demais para fracassar?

O relatório especial mais recente desta revista [The Economist] sobre um país grande europeu (junho de 2011) teve como foco o fracasso da Itália de realizar reformas sob o comando de Berlusconi -- no final do ano ele estava fora do poder e as reformas tinham sido iniciadas.  Até agora os investidores têm sido indulgentes com a França; de fato, as taxas de juros de longo prazo caíram um pouco. Mas, mais cedo ou mais tarde isso vai acabar -- não se pode desafiar a economia por muito tempo.

A menos que Hollande mostre que está efetivamente comprometido em mudar o caminho que seu país vem trilhando nos últimos 30 anos, a França perderá a confiança dos investidores -- e da Alemanha. Como vários países da eurozona já descobriram, o comportamento dos mercados pode mudar rapidamente. Reviravoltas anteriores com moedas europeias começaram frequentemente alhures para acabar envolvendo a França -- desta vez, também, mais do que a Itália ou a Espanha a França pode estar onde o futuro do euro será decidido. Hollande não dispõe de muito tempo para desativar a bomba-relógio no coração da Europa.

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