terça-feira, 14 de agosto de 2012

Alta tecnologia: como a Speedo criou maiôs e calções para quebrar recordes de natação

[É inimaginável a tecnologia que está hoje por trás de um calção ou maiô de competição. Um detalhe adicional interessante é que o artigo traduzido abaixo foi publicado antes das Olimpíadas de Londres, onde Michael Phelps, Ryan Lochte e outros nadadores (somente os americanos, creio) usariam pela primeira vez em competições oficiais os calções high-tech de que trata o texto, e a Speedo não sabia ainda qual seria o resultado. Deu no que deu ...]

Em 2009, a equipe de pesquisas da Speedo começou a buscar meios inovadores para ajudar os nadadores a serem mais rápidos.  Tinham sido banidos os maiôs e calções (bermudões) de natação de poliuretano, que contribuíram para um número surpreendente de recordes mundiais de natação nos últimos 18 meses. Na busca de uma solução, representantes da Speedo fizeram reuniões conjuntas, fora dos laboratórios, com acadêmicos, treinadores e consultores de pesquisas em hotéis, centros de convenções e até em uma casa de campo, para gerar ideias, ideias inspiradas mais pelo Capitão Vingador do que por Mark Spitz.

"Houve muita conversa em torno de ideias loucas e excêntricas", diz Joe Santry, o diretor de pesquisas do Aqualab da Speedo em Nottingham, Inglaterra. "Alguns dos esboços conceituais trazidos para discussão eram parecidos com uma roupa de super-herói, com uma touca macia e brilhante, óculos especiais, e uma combinação de peças que não ficaria deslocada em uma tira do Capitão Marvel". Estava-se tentando substituir o agora abominado macacão de corpo inteiro LZR.  Apelidado de "a roupa de borracha", ele comprimia o corpo do nadador, transformando-o em um tubo aerodinâmico, capturando o ar, aumentando a flutuabilidade e reduzindo o arrasto [resistência da água]. A Speedo diz que 98% das medalhas nas Olimpíadas de 2008 foram ganhas por nadadores que usavam o LZR [Não sei se isso é realmente para se comemorar. É mais uma demonstração de que transformaram os jogos olímpicos em campos de provas tecnológicas, os atletas em cobaias e os espectadores e torcedores em fantoches]. Michael Phelps estabeleceu sete marcas mundiais em suas oito provas em Pequim usando essa roupa, mas aplaudiu sua proibição.

As novas regras, em vigor desde 2010, permitem apenas uma espécie de "pijama", uma roupa [tipo bermudão] que vai do umbigo até o topo dos joelhos nos homens e dos joelhos aos ombros nas mulheres. Ele tem de ser feito com um material permeável ao ar, e não pode ter nenhum dispositivo de prender ou apertar, como um zíper por exemplo, uma resposta a fabricantes que começaram a criar trajes de neoprene semelhantes às roupas de mergulhadores após as Olimpíadas de 2008.

No final, a Speedo decidiu não apenas refazer a roupa de natação mas criar um "sistema de competição" que, segundo ela, combina roupa e óculos e gorro trabalhando juntos em sinergia, para reduzir o arrasto e melhorar o desempenho. No Aqualab, pesquisadores levaram quatro anos e gastaram 55.000 homens-hora para produzir o que a Speedo chama de sistema "Pele-rápida" (Fastskin) 3. A equipe interna de 19 pessoas, acrescida de especialistas externos à empresa, conversou com especialistas em hidrodinâmica, engenheiros aeronáuticos e produtores de texturas com nanotecnologia. Foram requisitados especialistas em cinesiologia, biomecânica, dinâmica dos fluidos e até um psicólogo esportivo, que sugeriu uma cor cinza-azulada para as lentes dos óculos para transmitir uma sensação de calma e concentração. O grupo usou o método dos "Seis Chapéus Pensantes" de fazer um brainstorm [que nós mineiros chamamos de "toró de parpite"...], um chapéu verde para maneiras criativas de atacar um problema, um chapéu preto para verificar a viabilidade [risco] dessas ideias. Fizeram um "brainstorm reverso", configurando como fazer um nadador deslocar-se o mais devagar possível, com óculos superdimensionado e uma roupa de compressão que fizesse com que o corpo "estufasse" em certos locais, provocando arrasto. Quanto mais louca a ideia, melhor. "Isso abre sua cabeça", diz Santry. "Temos todos um jeito definido e estrito de pensar. Usamos essas técnicas [de reunião] para extrair fatos interessantes e trabalhar ideias".

Eles escanearam atletas em 3-D, criando avatares de modo que um software de dinâmica de fluidos pudesse identificar em que locais estivessem sendo criados turbulência e arrasto, do mesmo modo como as escuderias de carros de corrida usam a modelagem aerodinâmica. "Descobrimos que a cabeça e os óculos criavam enormes turbulências no topo do corpo, e isso retardava o nadador e diminuía o efeito da roupa", diz Santry. "De modo muito semelhante a um carro de Fórmula 1, que tem aquele aerofólio que permite ajustar o fluxo de ar, percebemos que necessitávamos de algo parecido para um nadador".

Isso deflagrou os aspectos mais revolucionários do sistema: redesenhar os óculos e a touca. Eles escanearam cabeças de atletas ao redor do mundo e juntaram os resultados em um programa computacional para gerar um formato  de cabeça médio, que se ajusta a 95% das pessoas. Santry, que havia desenvolvido capacetes para ciclistas, observou que corredores que querem tentar marcas de tempo usam um capacete aerodinâmico com a forma de uma gota de lágrima. Eles projetaram uma touca de nadador que produz um efeito similar, construindo um local para o cabelo feminino que cria uma cauda atrás da cabeça.  "De pesquisas feitas em Pequim, sabíamos que óculos e touca provocavam muito arrasto, mas desta vez tínhamos nossa expertise e tempo para produzir um par de óculos desde a estaca zero baseado em pesquisa", acrescenta ele.  "Isso nos permitiu a realmente jogar nessa área e trazer para a realidade aqueles esboços malucos do tipo super-heróis".

Em poucas horas, uma nova impressora em 3-D no Aqualab permitiu a fabricação de protótipos da touca e dos óculos para teste, em vez de mandar desenhos para um fabricante e esperar durante semanas ou meses. "No passado, não podíamos fazer muitas alterações no projeto original", diz Santry. "Com esse processo, revolucionamos completamente os óculos desde o ponto zero".

Para a roupa, a equipe passou um ano inventando um material novo, com uma textura que cria mudanças de compressão ao longo de sua superfície nas áreas em que houver mais lycra costurada. Para concluir, o Fastskin é Spanx com esteroides, comprimindo o corpo três vezes mais que o LZR. A roupa comprime o estômago ao mínimo, e o tórax, nádegas e quadris ao máximo, tentando moldar o nadador como se fosse um tubo perfeito, sem defeitos. A Speedo solicitou 9 patentes para o Fastskin-3. A empresa diz que apenas seis máquinas no mundo são capazes de produzir o material de compressão -- ela é a proprietária de todas elas.

Nos estágios finais dos testes, nadadores com a roupa usaram uma piscina high-tech de laboratório no InnoSportlab De Tongelreep, na Holanda, e foram gravados por câmeras submersas e um sistema de medição de arrasto. Segundo a Speedo, o Fastskin-3, quando medido em comparação com uma roupa convencional de natação, reduz em 16,6% o arrasto passivo -- a resistência produzida pelo corpo de um nadador enquanto mantido numa posição aerodinâmica --, e em 5,2% o arrasto ativo, a resistência na superfície. Medindo o oxigênio absorvido e eliminado pelo corpo enquanto os nadadores se moviam sobre uma escada submersa, pesquisadores na Universidade do Estado de Iowa informaram que o sistema melhora em 11% a economia de oxigênio. "Isso é que nem milhas por galão de gasolina num carro", diz Santry. "Você pode nadar na mesma velocidade, mas usar menos combustível. Isso permite a um nadador ir mais forte por mais tempo".

A Speedo escaneou seus principais atletas para criar um avatar em 3-D e dimensionar a roupa. Só para vestir o Fastskin já é preciso ser atleta. Entre as nadadoras, que entram no maiô através de um buraco no braço, algumas informaram que levaram nada menos que uma hora se contorcendo para entrar nele em sua primeira tentativa. Santry diz que, com a prática, isso pode ser feito em 10 ou 15 minutos [caramba! ...]. "Na primeira vez em que você experimenta, é desanimador", acrescenta ele. "Há um bocado de compressão nessa roupa. Ela parece ser um pouco alienígena".

Quanto mais rápido fica um nadador numa prova de 500 m, "encaixado" nesse invólucro tubular e justo? "Ainda não chegamos a esse detalhe", responde Santry. "Há muitos fatores diferentes, quando se comparam roupas de natação".  Ele comenta que Phelps, Rebecca Adlington e Ryan Lochte nadaram seus melhores tempos em anos, usando o sistema em meses recentes (todos eles têm contratos de patrocínio lucrativos com a Speedo; Phelps ganhou US$ 1 milhão de bônus por seu desempenho em 2008 e o doou para uma instituição de caridade).

Entretanto, o teste final se dará na piscina em Londres [como disse no início da postagem, o artigo foi escrito e publicado antes dessas Olimpíadas]. Santry espera até lá para ver algumas provas. Enquanto isso, ele já está trabalhando na próxima geração da roupa, que será usada nos jogos do Rio. "Temos algumas ideias brilhantes já se antecipando, mas receio que no momento sejam todas confidenciais", disse ele.

[O que fica patente desse trabalho fantástico é que esses maiôs e calções-bermudões da Speedo devem custar uma nota preta -- ou pretíssima -- e, certamente, só podem ser usados por pouquíssima gente. Aí, o juramento olímpico criado pelo Barão Pierre de Coubertin em 1894 -- "A coisa mais importante nos Jogos Olímpicos não é vencer, mas participar, assim como a coisa mais importante na vida não é o triunfo, mas a luta. O essencial não é ter vencido, mas ter lutado bem." -- fica com sabor de, no mínimo, uma gozação com quem não pode adquirir essa roupa de competição high-tech e, portanto, já entra na piscina com um tremendo handicap.]




Nenhum comentário:

Postar um comentário