segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A opção pela inflação feita pelo BCE é desastrosa para a juventude europeia

[O inferno astral da União Europeia parece não ter fim ... Vejam o artigo abaixo, publicado no Le Monde de 16 de agosto, de autoria de Boris Pilichowski, gestor de fundos em Londres, analista financeiro e engenheiro de Minas de Paris. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), decidiu pois utilizar a máquina de imprimir dinheiro para liquidar as dívidas insolúveis de vários países europeus. Isso significa que o balanço financeiro do BCE vai continuar a oscilar na falta de austeridade, atingindo níveis jamais vistos nas economias capitalistas modernas. Ele emprestará mais uma vez bilhões de euros adicionais para ajudar a todos aqueles que não podem pagar, ou seja os governos e outras instituições privadas e públicas mal administrados.

Esse procedimento é tão velho quanto a moeda. Trata-se de imprimir dinheiro para pagar as dívidas de um Estado e de seus bancos em bancarrota. Muitos governos obtiveram assim recursos no passado, e o resultado foi sempre o mesmo: o dinheiro perde pouco a pouco seu valor, porque o aumento da massa monetária acarreta o aumento dos preços dos ativos (imóveis, matérias primas, ações, etc) e dos bens de consumo. É uma solução politicamente prática a curto prazo, mas que faz subir os preços a médio prazo  e provoca, no final, a erosão do poder de compra daqueles que tem uma renda fixa. Em suma, o que o Estado paga de um lado com dinheiro que não saiu de lugar nenhum ele  recupera pelo aumento dos preços.  Essa "inflação monetária" é, portanto, uma taxa imposta pelo BCE agindo por conta dos Estados.

De todas as taxações possíveis, a inflação monetária é a mais anti-igualitária. De fato, o imposto sobre a renda é progressivo e não atinge senão os mais abastados [como assim, cara pálida? Só se for na França ou no Reino Unido ...], o que é aceitável. No que se refere ao IVA [Imposto sobre Valor Agregado], basta apenas consumir menos para pagá-lo menos! Ele valoriza portanto a poupança, em detrimento do consumo. Em compensação, a inflação monetária criada pelo BCE é mais mortífera porque não apenas onera o poder de compra dos assalariados e dos pensionistas, mas favorece os detentores de bens ao induzir uma alta dos ativos financeiros. Ela penaliza em contrapartida aqueles que pouparam para preparar seu futuro e vêem despencar o valor de suas economias. Assim, ao proteger os patrimônios, os bancos centrais quebram a confiança em todo o contrato social, porque taxam aqueles que são mais fracos e aqueles que são mais prudentes [porque poupam].

Enfim, a inflação é mal entendida e é, portanto, uma taxação que não se controla. Hoje, não se sabe se toda a moeda criada mundialmente há cinco anos deflagrará inflação de 3%, 5%, 15% ou 100%, nem quando essa inflação surgirá e em que domínio ou setor se expressará -- no preço dos imóveis? No preço da energia? No preço da alimentação?  Sabe-se apenas que ela surgirá um dia, e os governos fingirão estar surpresos para se eximirem de culpa.

A inflação monetária é, portanto, um imposto covarde porque gerado de maneira disfarçada, e irresponsável visto que é descontrolado. Vemos já como o aumento do balanço dos bancos centrais após dez anos criou sucessivas fogueiras de preços, distantes de serem compensadas por um aumento da receita das populações ativas europeias. O exemplo recente do surto no preço dos cereais e do petróleo deve ser encarado como um alerta: cada choque exógeno, como uma guerra no Oriente Médio ou uma seca nos EUA, tem um efeito multiplicador sobre os preços.

Eis porque, quando demandamos que o BCE intervenha para enxugar o superendividamento bancário e estatal, como nos EUA ou no Reino Unido, fazemos com que os custos da crise sejam pagos não apenas pelos poupadores mas também por aqueles que não adquiriram patrimônio: os mais jovens e os mais pobres. Essa trapaça refinada pode funcionar por um tempo em um país estruturado e solidário, mas não teria como tornar-se o ponto de partida de fundação de uma Europa federal. A União Europeia (UE) não vai encontrar sua unidade copiando o modelo americano, em plena falência e gerador de desigualdades sociais.

A Europa federal não pode propor um modelo menos equitativo que o dos Estados que a compõem. Ela não sobreviverá senão se os jovens encontrarem nela o que lhes interessa e, para isso, é preciso aceitar a deflação natural dos patrimônios  e portanto tolerar que certos Estados não honrem suas dívidas soberanas (i.e, façam default) [esta política do "laissez faire" é, a meu ver, suicida e econômico-financeiramente anárquica, mesmo como uma "autoexpiação" da UE por ter se estruturado mal e ter permitido que as coisas chegassem ao ponto em que estão]. Dizendo de outra maneira, admitir a falência inexorável de certos bancos. Haverá em seguida uma aceleração da crise financeira, mas também um desenlace mais rápido e mais justo: os jovens serão os grandes beneficiários dessa crise, porque poderão enfim comprar os bens adquiridos por seus pais a preços aceitáveis! [Muito estranho este raciocínio, a menos que queira dizer que os ativos dos espólios ficarão com valores mais aceitáveis (?).].

Os nascidos do "baby boom[surto de natalidade, especialmente o ocorrido no Reino Unido e nos EUA entre, aproximadamente, 1945 e 1965], ou "baby- boomers", serão os grandes perdedores, mas com razão. Eles são os que geraram e acumularam as dívidas do sistema durante trinta anos e prosperaram sem trabalhar, apoiados em lauréis ou prêmios usurpados [ o autor pegou pesado!...]. Contudo, eles necessitarão sempre dos jovens para pagar suas aposentadorias e suas despesas médicas.  A crise financeira europeia de nossos pais terá sido então resolvida dentro da justiça social, e isso poderá servir de base democrática para a integração europeia. Mas, eis que nossos líderes políticos se recusam a aceitar defaults (=calotes) soberanos. Nos falam de consequências desastrosas, das quais não nos recuperaríamos. Tudo deve portanto ser acionado para evitar a crise e defender assim os patrimônios e as aposentadorias de seus congêneres. Pede-se a Mario Draghi que intervenha com sua máquina de imprimir dinheiro. Que se dane a inflação! Que se danem os pobres! Que se danem os jovens! Que se dane a Europa! É um erro histórico.

Os baby-boomers fazem parte de uma geração que se definiu na luta de classes de idade [entre jovens e seniores], rebelando-se contra os mais velhos que eles. Suas grandes descobertas foram o consumo e o prazer individual, e seu grande projeto político o aumento do poder de compra pela dívida. Nos anos 1970, arruinaram seus pais garantindo a si mesmos, pela força, aumentos salariais e novas proteções sociais. 

Hoje, os "papy-boomers", transformados em patrões, acionistas em todas as direções, proprietários imobiliários, responsáveis políticos, se recusam a pagar suas dívidas ou a ver seus ativos financeiros diminuírem, porque estes garantem seu estilo de vida. Não aumentam os salários dos mais jovens (menos numerosos), porque querem preservar as margens de lucro de suas empresas que lhes garantem renda. Quando seus interesses financeiros são ameaçados pela crise, eles usam o Estado e, a partir de agora, o BCE para se proteger.

Ao recusarem os calotes (defaults) dos Estados, deixam inflação e dívidas insolúveis como legados para seus filhos. Os partidos políticos europeus de esquerda, que pregam na maioria pela necessidade de fazer o BCE intervir para aumentar a inflação, precisam se dar conta de que a escalada dos preços não é corrigida por uma alta nos salários.

Os jovens europeus não vão tardar a perceber que as soluções econômicas propostas para salvar a Europa interessam antes de tudo a seus antepassados.  Eles terão então perdido a confiança em líderes desacreditados, e se voltarão para soluções políticas, para certas alternativas mais extremistas e perigosas. Aí, a Europa não sobreviverá.

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