terça-feira, 10 de julho de 2012

EUA pressionam por mais cientistas, mas não há trabalho para eles

 [A reportagem abaixo retrata uma realidade impensável nos EUA até pouco tempo atrás. O recente cancelamento do programa de ônibus espaciais da NASA é um instantâneo da crise descrita a seguir, ao mesmo tempo em que está na raiz dela.]

Michelle queria ser uma cientista do cérebro para ajudar a curar doenças e, para isso, planejou uma carreira acadêmica tradicional: doutorado, magistério universitário e, por fim, seu próprio laboratório. Mas, três anos após conseguir seu doutorado, ela desistiu de tentar encontrar um trabalho permanente na sua área. Abrindo mão de seu sonho, ela assumiu um cargo administrativo na sua universidade e vivenciou pela primeira vez uma realidade econômica que, à primeira vista, contraria o que é intuitivo: há excesso de cientistas de laboratório e escassez de empregos para eles.

Essa realidade contraria as mensagens enviadas nos últimos anos pelo presidente Obama, pela Fundação Nacional de Ciências dos EUA [NSF, em inglês] e por outros grupos influentes, conclamando as universidades americanas a formarem mais cientistas. Obama fez da educação científica uma realidade, lançando uma feira científica da Casa Branca para atrair jovens para essa área.

Mas, é duvidoso que esses jovens sejam capazes de encontrar emprego quando obtiverem um doutorado. Embora os empregos em algumas áreas de alta tecnologia, especialmente as de computação e de engenharia de petróleo, pareçam estar se multiplicando, o mercado é muito mais acanhado para cientistas vocacionados para trabalhos de laboratório -- os que estão em busca de novas descobertas em biologia, química e medicina.

"Tem havido muitas previsões de escassez de mão de obra científica e ... crescimento robusto de empregos", disse Jim Austin, editor da revista online ScienceCareers. "E ainda assim, parece terrivelmente difícil para as pessoas encontrar trabalho. Qualquer um que se aventurar na área científica, na expectativa de encontrar empregadores clamando por seus serviços ficará profundamente decepcionado".

Um grande responsável por essa tendência: empregos acadêmicos tradicionais parecem mais raros e escassos do que nunca. Anteriormente um roteiro básico na carreira, apenas 14% dos possuidores de um doutorado em biologia e ciências da vida conseguem agora uma cobiçada posição acadêmica no intervalo de cinco anos, segundo uma pesquisa de 2009 da NSF. Esse número vem decaindo em ritmo firme desde os anos 1970, disse Paula Stephan, uma economista da Universidade Estadual da Geórgia que estuda a força de trabalho científica. A explicação: a oferta de cientistas tem crescido muito mais rapidamente do que o número de postos acadêmicos.

Corte em empregos para pesquisadores

A indústria farmacêutica foi anteriormente um porto seguro para biólogos e químicos que não tivessem ido para a área acadêmica. Postos de trabalho de pesquisa bem pagos e estáveis eram abundantes no nordeste americano, na área da Baía de S. Francisco e em outros centros. Mas, uma década de fusões do tipo "corta e queima" ["slash-and-burn" -- técnica usada na agricultura para preparar para cultivo uma área arborizada, cortando e queimando a vegetação para depois fazer o plantio], de lucro estagnado, de exportação de empregos para Índia, China e Europa, e de declínio de investimentos em pesquisa e desenvolvimento fez encolher dramaticamente o mercado de medicamentos dos EUA, com os postos de pesquisa sendo fortemente atingidos. 

Desde 2000, os fabricantes de medicamentos dos EUA suprimiram 300.000 empregos segundo um estudo pelos consultores Challenger, Gray & Christmas. No exemplo mais recente disso, a Roche anunciou que está fechando seu campus Nutley, em Nova Jersey -- onde o Valium foi criado --, e eliminando outros 1.000 empregos de pesquisas.

[...] Dois grupos de cientistas parecem estar se dando melhor que outros: o de físicos e o de médicos. A taxa de desemprego entre eles oscila entre 1% e 2%, de acordo com levantamentos da NSF e de outros grupos. Físicos acabam trabalhando em muitas áreas técnicas -- e alguns vão para Wall Street --, enquanto aumenta a demanda por médicos à medida que a população americana cresce e envelhece.  Mas, para o grupo muito maior de biólogos e químicos "tem sido uma época particularmente difícil",  disse Paula Stephan. Uma razão para isso: um excesso de cientistas biomédicos que entraram no setor quando a economia estava mais saudável. De 1998 a 2003, o orçamento dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, em inglês) dobrou para US$ 30 bilhões por ano. Esse impulso -- muito do qual é injetado em universidades --, atraiu novos e jovens cientistas. O número de novos PhDs em ciências médicas e outras ciências da vida explodiu, quase dobrando de 2003 a 2007 segundo a NSF.

Mas, essa explosão está prestes a se desfazer, porque não houve na sequência a criação do mesmo número de empregos.  Outro fator importante: desde 2004, os gastos federais em todas as agênciais governamentais estagnaram em relação à inflação, de acordo com uma análise feita pela Associação Americana para o Progresso da Ciência.

Os salários para empregos pós-dourados em universidades começam  em cerca de US$ 39.000 [anuais], de acordo com a Associação Nacional de Pós-Doutorado -- exigência: doutorado em alguma ciência, o que pode deixar o beneficiário afogado em dívidas. Os benefícios extra-salário são minimos e, até uma década atrás, até o seguro saúde era raro.


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