segunda-feira, 23 de julho de 2012

China negocia para construir usinas nucleares no Reino Unido

A China está pronta para protagonizar uma intervenção de peso no futuro energético do Reino Unido, ao se oferecer para investir bilhões de libras na construção de uma série de usinas nucleares.

Altos funcionários da indústria nuclear chinesa têm estado em conversações de alto nível com ministros e altos funcionários do Departamento de Energia e Mudança Climática (DECC, em inglês) nesta semana, sobre um plano que poderia resultar na construção de até cinco reatores diferentes, num custo total de 35 bilhões de libras.

A ONG Greenpeace descreveu a iniciativa como desesperada, enquanto outros alertavam sobre receios quanto à segurança, mas o governo britânico vem cortejando a China pois o programa atômico do Reino Unido (RU) tem sido afetado por discussões sobre subsídios e por receios de que a EDF -- a empresa francesa com os planos mais avançados para construir novos reatores no RU -- possa se ver impedida ou dificultada pela mudança de governo na França.

A China opera suas próprias usinas nucleares desde 1994. Está abarrotada de dinheiro com sua gigantesca e bem sucedida expansão industrial, e vê o RU como vitrine potencial para exportar para o mundo sua tecnologia e sua expertise na área nuclear. Empresas chinesas têm investido em, ou adquirido, outros ativos de infraestrutura britânicos como a Thames Water, o porto de Felixstowe e a refinaria de petróleo Grangemouth. Os chineses possuem também negócios que vão desde a Weetabix [produtora de cereais para o café da manhã] à Gieves & Hawkes [marca famosa de roupas].

A Corporação Nacional de Energia Nuclear da China (CNNPC, em inglês), que está desejosa de investir no RU, acaba de anunciar planos para levantar cerca de 17 bilhões de libras através de uma oferta de ações doméstica. Uma equipe do Instituto de Pesquisa e Projeto de Engenharia Nuclear de Shanghai (SNERDI, em inglês), um braço da gigantesca Corporação Nuclear Nacional da China (CNNC, em inglês), se encontrou com funcionários seniores do DECC em alguns dias recentes, segundo três fontes diferentes.

A primeira parte do plano chinês envolve a CNNC e outra estatal chinesa, a Corporação de Energia Nuclear Guangdong da China, fazendo ofertas em dois grupos, competindo entre si, por uma participação no consórcio Horizonte (Horizon), que deseja construir novas usinas nucleares em Wylfa, no País de Gales, e em Oldbury, em Gloucestershire. Mas, fontes próximas dos chineses dizem que eles estão interessados também em outros locais como Bradwell, em Essex, Heysham em Lancashire, e Hartlepool em County Durham.

A EDF tem a primazia de recusar-se ou não a operar nesses locais, mas a CNNC quer utilizar uma associação tecnológica existente com o grupo de engenharia nuclear da Westinghouse, sediado nos EUA para, potencialmente, construir mais três outros reatores.  Os chineses aceitam que terão que envolver uma empresa britânica na operação das usinas, e que terão que vencer qualquer resistência política ou pública que se opuser aos seus planos.

"Os chineses têm o dinheiro e a experiência", diz uma fonte fidedigna. "Eles vêem seu estabelecimento no RU como uma oportunidade para mostrar que podem operar em um dos ambientes regulatórios mais rígidos do mundo e, assim, ingressar em outros mercados na África e no Oriente Médio".

O DECC não quis comentar se houve realmente o encontro com o SNERDI nesta semana, dizendo que tais reuniões são comercialmente confidenciais. Um porta-voz do DEE disse apenas que "o RU está aberto a negócios e diligentemente acolhe investimentos externos em nosso setor energético, mas qualquer operador nuclear em potencial está, e estará, sujeito a uma avaliação rigorosa através do processo regulatório existente". 

Keith Parker, presidente da Associação da Indústria Nuclear em Londres, disse que era "altamente encorajador" que a China queira investir no RU. "Os chineses têm 14 reatores próprios em operação e 25 em construção, e utilizam projetos tanto da multinacional francesa Areva quanto da Westinghouse que poderiam ser usados aqui. De minhas discussões com eles ficou claro que têm ambições internacionais".

Em maio, o ministro da Energia, Charles Hendry, disse ao seleto Comitê de Energia e Mudança Climática que não tinha objeção contra o desejo chinês de se fazer negócios no RU. "Na China, há diversas empresas com experiência na construção de dezenas de usinas nucleares cumprindo os cronogramas de prazo e de orçamento, portanto não há a hipótese de que tais empresas não têm expertise nesse setor. Elas têm uma experiência extremamente bem comprovada nessa área, e ao procurarmos como avançar nesse setor no Reino Unido devemos nos guiar por onde essa expertise já foi comprovada".

Mas, o Greenpeace disse que a oferta para cortejar a China foi um derradeiro lançamento de dados pelo governo. "Isso é um sinal de desespero", disse Doug Parr, cientista-chefe no Greenpeace. "As empresas nucleares chinesas têm apoio estatal, o que poderia ajudar a resolver a questão do financiamento das colossalmente caras novas usinas nucleares do RU. Mas, isso significa apenas que o dinheiro dos contribuintes britânicos será direcionado para o governo chinês, em vez de ir para a França".

O potencial para que haja um conflito político foi ressaltado pelo ex-diretor de política energética de Downing Street, Nick Butler. Em uma postagem recente no blogue do Financial Times (disponível apenas para assinantes), ele escreveu que o envolvimento chinês no setor energético do RU poderia ser fonte de preocupação: "Eles estarão dentro do sistema, com acesso à intrincada estrutura da Rede Elétrica Nacional (National Grid) do RU e aos processos através dos quais o suprimento elétrico é controlado, bem como à tecnologia nuclear do RU". [Com o Estado chinês onipresente em todas as atividades internas e externas das empresas chinesas, essa questão estratégica do seu acesso indiscriminado em tudo aquilo em que se envolvem não é nada desprezível, mas não parece passar pela cabeça dos nossos dirigentes.] 

"Talvez isso não seja importante. Talvez exista uma muralha chinesa entre a companhia holding Guangdong e o governo em Pequim. Talvez tenhamos atingido um nível de globalização em que a nacionalidade da propriedade seja irrelevante. Mas, mesmo que tudo isso seja verdadeiro, parece lamentável que em contrapartida a esse investimento não se exija dos chineses a suspensão dos ataques cibernéticos e do roubo de propriedade intelectual em que se tornaram líderes no mundo", prosseguiu Butler.




Um comentário:

  1. Muito bem colocado, o comentário final, em particular. Se a propridade intelectual não é respeitada por uma grande potência, vai ai um péssimo exemplo. Exemplo esse que coloca a propriedade intelectual como um bem a ser mantido a ferro e fogo por grandes escritórios de advocacia, ou um simples título desmoralizado. Tudo iso sem mencionar o indecente apoio que a China e a Rússia emprestam ao Baschar-El-Assad, enquanto esse líder-fantoche extermina seu próprio povo. Semi-democracia é pior do que ditadura, acho eu!

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