quinta-feira, 31 de maio de 2012

Governo sírio continua massacrando a população, mas Brasil insiste no "diálogo" com ele

No fim da semana passada, o governo sírio de Bashar al-Assad cometeu outro massacre de civis, desta vez na cidade de Houla, deixando 108 mortos entre homens, mulheres e crianças. Na quarta-feira, observadores da ONU confirmaram a descoberta de 13 homens mortos perto da cidade de Deir al-Zour, no leste do país -- com as mãos atadas atrás das costas, as vítimas vendadas aparentemente foram executadas com tiros nas cabeças.

Já somam milhares as mortes de civis, decorrentes da implacável ação repressora do governo. A ONU tem sido repetidamente ridicularizada por Bashar al-Assad, e o mundo ocidental se perde num tiroteio verbal contra o governo sírio. Rússia e China se opõem a uma ação militar contra a Síria. França e EUA não descartam essa medida, se os massacres continuarem. Após a tragédia de Houla, mais de dez países ao redor do mundo expulsaram os embaixadores sírios como sinal de protesto.

No meio desse imbróglio todo, o Brasil insiste na tecla do "diálogo" com o governo sírio, apesar das reiteradas e trágicas demonstrações de absoluta surdez democrática de Bashar al-Assad -- por isso, não cogita de expulsar o embaixador sírio em Brasília e manterá nosso embaixador em Damasco. O raciocínio da nossa diplomacia é demasiadamente tortuoso, contorcionista e imbricado para ser entendido, em qualquer latitude do planeta -- inclusive aqui. Não dá nem para citar a atitude da Rússia e da China como "respaldo" da nossa, porque os interesses múltiplos desses países na Síria e na sua região são estratosfericamente diferentes e superiores aos do Brasil, no tempo e no espaço -- o que não significa, absolutamente, considerar que russos e chineses estão certos, nesse caso.

A mania itamaratiana de contemporizar em toda e qualquer situação, não importa a gravidade do momento, das circunstâncias e das implicações, já passou da esfera do razoável e descamba para o ridículo. Essa psicose da nossa diplomacia, um misto de masoquismo e de tendência suicida, recorrentemente nos tem deixado em situações constrangedoras em vários quadrantes do planeta. E depois nossos diplomatas se queixam que não nos deixam ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ...

Reproduzo a seguir editorial de hoje do Globo, que mostra implacável e impiedosamente, comme il faut, o isolamento a que essa política de avestruz do Itamaraty nos tem levado.

Brasil se isola na questão síria
Editorial - O Globo, 31/5/12

No momento em que os principais países recorrem às mais duras medidas para repudiar o massacre sistemático do povo sírio por seu próprio governo, o Brasil mais uma vez decide contemporizar. Segundo o Itamaraty, o governo brasileiro está preocupado em não piorar ainda mais a situação na Síria. “O diálogo precisa ser mantido”, sustentou o porta-voz da chancelaria brasileira.

Não é um bom sinal. Mostra uma recaída na diplomacia companheira praticada nos dois governos Lula, de um terceiro mundismo arcaico e antiamericanismo juvenil que resultou em episódios grotescos, como a recepção em Brasília do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e a viagem do brasileiro a Teerã para tentar evitar, inutilmente, uma ação da comunidade internacional contra o programa nuclear iraniano. Ou manifestações de simpatia pelo ditador do Zimbábue, Mugabe, com quem se reuniu por iniciativa de Hugo Chávez. Ou a impotência diante da transformação da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa num palanque do aliado Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras.

A presidente Dilma Rousseff deu sinais importantes de que restabeleceria as melhores tradições do Itamaraty ao fazer dos direitos humanos a pedra de toque de sua política externa. Foi uma decorrência disso o voto brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU de apoio à condenação de atrocidades de Muamar Kadafi na Líbia. Mas a evolução dos fatos, que levou à intervenção militar da Otan para derrubar o ditador, criou mal-estar em muitos países, inclusive o Brasil. Objetavam que a ONU teria dado carta branca à Otan para derrubar um governo, ainda que fosse uma ditadura cruel.

Agora, porém, não há justificativa para a inação do governo brasileiro diante do massacre cotidiano de sírios por parte de um regime que não se acanha de praticar genocídio. Bashar Assad tacha de “terroristas” os que lutam para derrubá-lo — uma força heterogênea de rebelados contra a ditadura, desertores das forças sírias, civis que pegaram em armas. Mesmo que haja entre eles sectários. Assad só tem demonstrado frieza diante das tentativas da comunidade internacional de obter um cessar-fogo via esforços do ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.
 
Recentemente, Dilma determinou ao primeiro escalão da área internacional que repensasse a política externa brasileira para ajustá-la ao pós-Primavera Árabe e crise europeia. O objetivo seria aumentar a influência do país no cenário internacional. Mas há erros evidentes. Ao se referir às divergências de opinião no Conselho de Segurança em relação à Síria, principalmente entre americanos, de um lado, e China e Rússia, de outro, o assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia, comentou: “Parece a volta da Guerra Fria".
 
A frase resume o caráter equivocado da posição brasileira num mundo multipolarizado. Não tem sentido manter uma postura de inércia envergonhada, até porque entre ela e a intervenção militar há uma série de gradações diplomáticas possíveis. O que não pode é defender o indefensável só para não destoar de “companheiros” da sigla Brics e se isolar dos demais países.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário