domingo, 6 de maio de 2012

Dúbia política de austeridade e zero de estímulo ao crescimento cobram alto preço na União Europeia (I)

A União Europeia (UE) passa por sua pior crise, essencialmente por sua própria culpa. Juntaram-se 27 economias totalmente díspares debaixo de um mesmo guarda-chuva -- com fiscalização e controle nulos das políticas econômico-financeiras e fiscais de cada membro e do próprio grupo, subsídios absurdos e políticas discriminatórias -- e agora correm completamente aturdidos atrás dos prejuízos sem conseguir domar a crise. Além dos altíssimos custos financeiros e sociais, a crise está fazendo enormes estragos também na área política, com desdobramentos ainda imprevisíveis para a UE. Na França, Sarkozy foi derrotado e na Grécia a crise ressuscitou correntes e partidos de extrema direita e da esquerda, que podem complicar ainda mais a situação do país e sua permanência na zona do euro. Nesse quadro, os grandes perdedores são a Alemanha e a exagerada política de austeridade que ela tem defendido para a UE, sem qualquer concessão a uma estratégia de retomada de crescimento para o grupo.

A esse respeito, os jornais The Wall Street Journal - Europe (WSJ-E) e International Herald Tribune (IHT - a edição global do The New York Times) publicaram, nos dias 30 de abril e 4 de maio, respectivamente, dois interessantes artigos -- o primeiro, assinado por Marian L. Tupy (At What Cost EU Membership?), e o segundo, assinado por Gerhard Schröder (Austerity is strangling Europe), que foi chanceler da Alemanha de 1998 a 2005. Reproduzirei, em tradução, em duas postagens separadas, as parte essenciais desses dois textos.

Artigo de Marian L. Tupy

[O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Marian Tupy [que é um jovem analista de políticas do Centro para Liberdade e Prosperidade Globais do Instituto Cato (EUA)], comenta que, com exceção do mau humorado e encrenqueiro primeiro-ministro da Hungria, poucos líderes da Europa central e oriental querem falar sobre interesses nacionais no contexto do projeto europeu. Segundo ele, isso se deve parcialmente a razões geopolíticas, tais como o receio de um ressurgimento da Rússia, e por razões sentimentais, como por exemplo o orgulho de pertencer a um grupo de nações democráticas avançadas. Os fatores econômicos são, entretanto, mais complexos. Líderes na região não podem ignorar os crescentes custos de participação na UE.

Políticos da UE em Bruxelas falam frequentemente dos "enormes" benefícios de ser membro do grupo. Têm havido tais benefícios, em grande parte decorrentes da liberalização do comércio, que ajudou a reconstruir uma Europa estraçalhada pela guerra [na análise da recuperação da Europa do pós-guerra não se pode esquecer o Plano Marshall] e continua sendo o mais importante aspecto da integração europeia. Entretanto, na medida em que negociações futuras sobre liberalização de comércio diminuam as tarifas em escala global, e transporte e comunicação se tornem ainda mais baratos, os benefícios da área de livre comércio europeia diminuirão. Além disso, a participação na área de livre comércio europeia não é de graça -- como a Estônia descobriu, quando teve que aumentar suas tarifas para juntar-se à UE. O economista francês Patrick Messerlin avaliou que o protecionismo comercial europeu face aos países não pertencentes à UE custa à Europa entre 5 e 7% do seu PIB anual.

[...] Ao mesmo tempo em que o livre comércio entre países europeus foi um passo adiante, o processo de liberalização econômica estacou na última década, ainda antes da crise financeira de 2008. Por exemplo, aproximadamentye 60% do mercado de serviços não foi liberalizado. Em 2006, a UE tornou mais débil sua tentativa de desregular os serviços -- quem pode esquecer o medo dos franceses em relação aos baratos bombeiros hidráulicos poloneses? -- num movimento que foi particularmente prejudicial para novos membros da UE, nos quais os salários são inferiores aos da Europa ocidental.

Há ainda a Política Agrícola Comum (CAP, em inglês) da UE, na realidade exatamente uma rede de subsídios rurais e de quotas de produção que a França exigiu como o "preço" para a criação de um mercado comum há mais de 50 anos atrás. Desde o início, a CAP tem sido cara, perdulária e corruptora -- ela agora suga cerca de metade do orçamento comum total da UE. Seu sistema de desembolso de viés geográfico discrimina também contra os fazendeiros da Europa central e oriental. Um fazendeiro letoniano típico, por exemplo, recebe um subsídio de 90 euros por hectare por ano, um fazendeiro grego recebe [pelo mesmo critério] 650 euros.

A própria Comissão Europeia estima que atingem cerca de 600 bilhões de euros por ano os custos da regulação da UE. Regulações severas quanto a meio ambiente, saúde, e segurança são particularmente prejudiciais aos países do leste e do centro da Europa. A Bulgária é o membro mais pobre da UE, com uma renda per capita média anual de 4.800 euros, um quinto da média da UE. Os gastos com eletricidade consomem uma grande parte dos salários mensais. Ainda assim, a UE insiste em que 16% da energia elétrica para a Bulgária terão que ser supridos em 2020 por fontes renováveis muito mais caras, tais como painéis solares e turbinas eólicas.

A natureza regressiva de alguns regulamentos da UE ficou novamente evidenciada no início deste ano, quando uma diretriz da UE destinada a aumentar o conforto das galinhas resultou num redução drástica da produção de ovos na Europa central e oriental, e em um aumento de 100% no preço dos ovos na República Tcheca. Mas, desde que as galinhas estejam felizes ...[Esta é inacreditável!...]

Finalmente, há o aparententemente interminável compromisso dos membros europeus orientais e centrais em ajudar a salvar a moeda comum. Até agora, o compromisso total da Eslováquia para com o fundo de resgate europeu chega a 13 bilhões de euros em transferências financeiras e garantias de empréstimos. Isso é superior ao que o governo eslovaco arrecada de impostos por ano. Vale mencionar que a renda per capita na Grécia, que já recebeu dois empréstimos de resgate, era de 20.100 euros em 2010 -- na Eslováquia, era de 12.100 euros.

Um refrão típico de Bruxelas é que países do centro e do leste europeus têm prosperado desde que se juntaram à UE, em parte porque seu "fundo de coesão" tem distribuído tanto dinheiro do oeste para o leste. A Eslováquia, por exemplo, ficou apta a receber cerca de 11,6 bilhões de euros entre 2007 e 2013. Até o início de 2012, entretanto, ela havia usado apenas cerca de 30% desse dinheiro -- parte dele atrelada a projetos de valor duvidoso.

O que acontece, quando subtraimos os custos explícitos da participação na UE, incluindo as contribuições para o orçamento da UE dos países do centro e do leste europeus, da generosidade da UE, incluindo fundos de coesão e subsídios agrícolas? O "ganho" líquido para a Eslováquia valeu uma média de 77 euros por pessoa por ano entre 2004 e 2010. Esse valor foi de 102 euros na Polônia, 115 euros na Hungria, 66 euros na República Tcheca, 200 euros na Estônia, 163 euros na Letônia e 224 euros na Lituânia.  Esses montantes não levam em conta os custos implícitos da participação na UE, resultantes de protecionismo e regulação comerciais (no mínimo de 2.552 euros por pessoa em cada país, usando as cifras da Comissão [europeia] e de Patrick Messerlin), sem mencionar os resgates financeiros.

Esta não é uma análise científica de custo-benefício da participação na UE. Tampouco é uma convocação para que os países do centro e do leste europeus abandonem a UE. Na realidade, é um chamamento ao realismo e à honestidade [no sentido de aderência ao que é real e verdadeiro]. A UE não é nem tão bem sucedida, nem tão benéfica como as elites políticas em Bruxelas proclamam. Para prosperar dentro da UE, os líderes dos países do centro e do leste europeus têm que se tornar menos idealistas e mais peremptórios. Esta é sua obrigação para com quem os elegeu.



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