domingo, 27 de maio de 2012

Economia do Brasil: um touro que encolheu, diz The Economist

[O artigo traduzido abaixo foi publicado há uma semana pela revista The Economist -- resolvi trazê-lo para o blogue depois que a nossa presidente resolveu declarar em público, com a maneira cativante que é sua marca registrada, que o Brasil está "300%" preparado para a crise. Lendo o artigo dessa prestigiosa revista inglesa, que entende do que escreve e é respeitada por isso, chega-se à clara conclusão de que Dª Dilma foi enganada: em vez de bola de cristal o camelô vendeu-lhe uma lente de aumento.

O que estiver entre colchetes e em itálico no texto abaixo é de minha responsabilidade.]

Para o governo brasileiro, as últimas semanas têm trazido vitórias há longo esperadas. A moeda sobrevalorizada se enfraqueceu para dois reais por dólar, de seu pico de 1,54 em julho passado. No patamar de 9%, a política de taxas de juros do Banco Central está próxima de valores baixos históricos e deverá reduzir-se mais, após a corajosa decisão da presidente Dilma Rousseff de reduzir os rendimentos da caderneta de poupança, anteriormente utilizados como piso de referência. Esses dois fatos foram bem recebidos pelos industriais, que por anos têm operado com uma moeda turbinada e taxas de juros estratoféricas.  Nenhum desses fatos, entretanto, foi suficiente para alterar os humores recentes contra o Brasil.

Investidores eram inicialmente céticos quanto à inclusão do Brasil no BRICS, a sigla cunhada em 2001 por Jim O'Neill, do Goldman Sachs, para agrupar  Brasil, Rússia, Índia e China [na realidade, falta o "S", que foi posteriormente acrescentado à sigla original para incorporar a África do Sul]. Mas, estabilidade macroeconômica, desigualdade de distribuição de renda em queda e o surto global de valorização das commodities garantiram o crescimento firme e politicamente harmonioso do Brasil. Bancos fortes e consumo interno elevado conduziram o país a uma rápida recuperação do aperto de crédito em 2008. Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5% , tornando-se a sétima maior do mundo. Os brasileiros, que se tornaram vigilantes e atentos como consequência de um histórico de hiperinflação e moratória de dívida, finalmente relaxaram e acolheram os aplausos.

Isso não durou muito tempo. Em 2011, o Brasil cresceu apenas 2,7%, divergindo negativamente do alto crescimento de seus parceiros do BRICS: Rússia, Índia e China conseguiram crescer entre 4,3% e 9%. Investidores estrangeiros e seus assessores revelam uma abordagem nova e menos entusiástica. "Os dias de passe livre para o Brasil se acabaram", diz Ivan de Souza, da consultora Booz & Company. Alguns outros vão além: em um artigo na Foreign Affairs, intitulado "Bearish on Brazil" ("Expectativa de baixa para o Brasil", em tradução livre), Ruchir Sharma, da Morgan Stanley, argumenta que o país cresceu com os preços das commodities e cairá novamente com a queda deles.

Já devia ter sido feita uma reavaliação do desempenho recente do Brasil. Entre 2000 e 2010, as condições de comércio do país melhoraram em 25%; nos últimos cinco anos, o crédito para o setor privado duplicou. Essa bonança não pode persistir -- e, mesmo com ela, o Brasil cresceu em média apenas 4,2% por ano desde 2006. Um novo impulso só pode ser obtido com ganhos de produtividade, mais poupança e mais investimentos [nada disso vem sendo feito pelo Brasil, apesar da fanfarronice de Dª Dilma]. Nada disso é visível: o IPEA, uma usina de ideias (think tank) financiada pelo governo, situa em pífio 0,9% o ganho anual de produtividade para a década passada, muito disso na agricultura. O investimento [federal] é de apenas cerca de 19% do PIB. Somando a isso custos trabalhistas crescentes e uma moeda ainda forte, muitos analistas estão baixando para 3,5% suas previsões para o potencial de crescimento anual do país.

Taxas de juros mais baixas podiam dar um impulso novo ao crédito, mas nada grande: os consumidores já estão excessivamente onerados. Serasa Experian, uma analista de crédito, diz que a demanda por financiamentos entre janeiro e abril [deste ano] foi quase 8% inferior à do mesmo período em 2011. A inadimplência está crescendo, e os bancos estão tornando suas condições mais restritivas. Empréstimos com mais de 90 dias sem liquidação correspondem agora a 8% do total. Itaú e Bradesco, dois bancos grandes, viram os preços de suas ações caírem quando aumentaram suas provisões contra empréstimos inadimplentes. Banco Votorantim, que financiou fortemente a compra de carros em anos recentes, anunciou perdas no trimestre e há rumores de que possa ser alvo de oferta de compra.

Irritações desconsideradas quando do crescimento a 4,5% podem ressurgir quando se chegar mais próximo de 3%. Impostos são terrivelmente complicados, e engolem cerca de 36% do PIB, um valor muito mais elevado do que em outros países de renda média. Guido Mantega, o ministro da Fazenda, menciona que o governo cortou alguns impostos e que a arrecadação de impostos está crescendo porque mais empresas estão formalizando suas atividades. Mas, Raphael de Cunto, do escritório de advocacia Pinheiro Neto, de S. Paulo, afirma que a capacidade do governo em cobrar e arrecadar impostos tem de longe ultrapassado quaisquer esforços para simplificá-los e torná-los mais eficientes, onerando mais os negócios.

Para alguns, a intervenção política suplantou a moeda supervalorizada como o maior risco  no Brasil. Petrobras, uma petrolífera estatal gigante, e Vale, a maior produtora mundial de minério de ferro, estão agora sendo geridas para atender mais aos objetivos do governo do que aos interesses dos acionistas minoritários, diz Joseph Harper, da Explorador Capital Management, uma gestora de fundos. Tais preocupações têm pesado nos preços das ações de ambas as empresas. Explorador está gradualmente reduzindo sua exposição ao Brasil em favor de Peru, Colômbia, Chile, Panamá e México, onde vê oportunidades semelhantes a preços mais baixos e com menos risco político. [Já salta aos olhos que nosso Banco Central tem hoje muito menos independência do que no período de Lula, o Nosso Pinóquio Acrobata, graças ao autoritarismo míope de Dª Dilma.]

Tais receios se ampliaram com a expropriação da YPF, uma empresa de controle espanhol, pela Argentina no mês passado. Embora em caráter privado ministros brasileiros sejam ciosos em estressar que o Brasil respeita os direitos de propriedade, eles relutam em criticar o vizinho publicamente com receio de  irritar um parceiro comercial importante ou prejudicar os interesses da Petrobras na  Argentina.  Isso é arriscado: o Brasil é de fato diferente da Argentina, mas quem vê a situação de fora pode não perceber isso. Os governos da Colômbia e do México se distanciaram publicamente da iniciativa da Argentina. [Mais uma vez tivemos uma clara demonstração da política externa de dobradiça na coluna vertebral adotada pelo Itamaraty, que tem pavor de "aborrecer" qualquer vizinho, especialmente os argentinos, que se dane a imagem que isso possa transmitir a investidores ou quem quer que seja. Se ainda tivéssemos alguma reciprocidade ou costumeira atenção por parte da Argentina, ainda poder-se-ia de certa maneira agir assim, mas só recebemos rasteiras e bolas pelas costas desses falsos "hermanos"!]

A ameaça de um promotor [brasileiro] de aplicar enormes multas à Chevron, uma petrolífera americana, e de prender seus executivos após um pequeno vazamento de óleo ao largo da costa brasileira no início do ano gera preocupações quanto ao tratamento dispensado pelo país a estrangeiros. Advogados dizem que clientes estão agora indagando se um passo em falso no Brasil significa correr o risco de ter seu passaporte confiscado, como aconteceu com vários executivos da Chevron. A resposta é quase que certamente não; o fato de a pergunta chegar a ser feita reflete que a atitude brasileira foi desnecessária e contrariou os próprios interesses do país. [Acho que aqui há um certo excesso de dramaturgia shakespeariana por parte da The Economist, já que ela é inglesa, aliado a um alto grau de hipocrisia e de desapego à verdade, algo recorrente nos anglo-saxões. Tipicamente, a revista omite que a alta direção da Chevron no Brasil sonegou informações sobre o que de fato havia ocorrido, e mentiu a respeito para nossas autoridades.]

Um pouco menos de "Brasil-mania" seria salutar. Nenhum país foi ainda capaz de eliminar ciclos de negócios, e algum cuidado agora poderia evitar que a exuberância se torne irracional. Ainda melhor, poderia persuadir o governo a remover certas barreiras que travam o progresso do país. Mas, apesar do crescimento geral poder ser modesto por alguns anos, ainda há muitas oportunidades, especialmente no agronegócio e em mineração, e em atender à crescente demanda por educação, serviços de saúde e outros.  Os novos humores, diz o Sr. Harper, são "seletivamente otimistas em relação a Brasil". [Este finalzinho do artigo é um tanto ou quanto malcriado, mas é bom se receber um pouco de franqueza pela cara de vez em quando -- principalmente quando se tem uma presidente autoritária e arrogante, que adora dar lições a Deus e ao diabo, e está sempre com a aparência de que vai saltar na jugular do interlocutor ...].

(Foto: Alamy)

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