segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Jogo de empurra trava pesquisa brasileira

Toda burocracia, na ótima das hipóteses, é burra e irresponsável. No Brasil, no entanto, ela geralmente é usada como artifício para venda de favores e cobrança, sem o quê a liberação de algo que deveria ser de pronto acesso, cumpridas as disposições legais, pode durar uma eternidade. A Alfândega costuma ser um gargalo para importações de coisas importantes -- como não há, ao que saiba, registro de corrupção de agentes alfandegários, quando acontece um caso relevante de bloqueio de equipamento(s) e/ou insumos para pesquisas, a culpa então ou é da burrice e da irresponsabilidades dos agentes que cometem essa estupidez, ou é uma mistura de rigidez alfandegária (também burra, porque trata um microscópio destinado a uma universidade com o mesmíssimo enfoque de quem está trazendo um relógio de pulso) com a ignorância (viciada ou não) de quem está do lado importador -- tudo faz crer que este é o caso relatado a seguir pelo Jornal da Ciência (e publicado também no O Globo de 10 de janeiro, pág. 27).

Peças retidas são exemplo de como burocracia atrasa produção científica brasileira. 

Nem a falta de cérebros, nem a carência de boas universidades. O maior  vilão dos cientistas brasileiros é a burocracia. Que o diga o  Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, há quase sete meses sem um  microscópio confocal, usado por cerca de 400 pesquisadores. O  aparelho, de tecnologia japonesa e adquirido em junho de 2009,  apresentou defeitos em algumas de suas peças dois anos depois, quando  ainda estava dentro da garantia. Os acessórios poderiam ser trocados  gratuitamente até novembro do ano passado, mas, desde então, os  acadêmicos disputam uma batalha inglória contra a Receita Federal,  cujas exigências dificultam a reposição do material.


A universidade, que encaminhou o processo para a Receita em julho,  pretendia receber as novas peças antes de enviar as defeituosas. Mas,  segundo pesquisadores da UFRJ, demorou três meses para o órgão federal  afirmar que deveria ser feito o contrário - primeiro as unidades  estragadas sairiam do país; depois chegariam suas substitutas.

Indispensável para revistas científicas - As peças velhas foram  encaminhadas à Receita em outubro. Mesmo assim, elas ainda não teriam  sido remetidas ao exterior até agora. A Leica, fabricante do  microscópio, aceitou prorrogar a garantia do equipamento, expirada em  21 de novembro. No entanto, a alfândega só consideraria, para este  processo, o contrato original, e não o acordo firmado recentemente  entre a universidade e a empresa japonesa. A troca gratuita das peças,  portanto, estaria ameaçada.


A UFRJ não divulgou o valor das cinco peças a serem repostas. Para o  diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Roberto Lent, o  maior prejuízo não é monetário, mas o andamento das pesquisas.  "Não temos noção de quando isso será resolvido, ou se teremos de pagar  as peças", lamenta. "A empresa estendeu a garantia, mas, se quiser,  terá o direito de cobrar pelas peças. Este é um exemplo claro de como  o excesso de burocracia nos impede de ser competitivos  internacionalmente. Em outros países, os cientistas têm o material que  demandam em 24, 48 horas. Aqui já se passaram seis meses".

Cerca de 150 orientadores de pós-graduação de unidades como clínica  médica, anatomia patológica e farmacologia dependem do aparelho para  realizar as pesquisas - além de seus alunos. Embora o equipamento não  seja o mais moderno em termos de microscopia, seu uso é "absolutamente  indispensável", segundo Lent, inclusive para a publicação de estudos  em revistas internacionais.

O microscópio confocal, diferentemente de modelos mais antigos, capta imagens em 3D de estruturas e eventos biológicos. Com ele, é possível visualizar fragmentos de tecido e até de embriões inteiros sem cortes mecânicos na amostra. "É um instrumento integrado a nosso cotidiano. Se um artigo científico não tiver ilustrações vindas desse microscópio, nenhuma publicação irá aceitá-lo. Vão mandar fotografar as células estudadas no confocal", declara o diretor.

Outros equipamentos semelhantes - e mesmo mais sofisticados - estão disponíveis na universidade, mas a disputa por horário neles, assegura  Lent, é enorme.

Chefe da Divisão de Administração Aduaneira da 7ª Região Fiscal da  Receita Federal, que abrange Rio e Espírito Santo, Paulo Ximenes  estranhou a demora no andamento deste processo. Ele, no entanto,  acredita que o órgão que representa não é o culpado.  "A Receita não pode autorizar a importação de uma peça sem cobrança de  tributos se o material defeituoso não for exportado antes", lembra. "A  empresa contratada pela universidade para cuidar da troca do  equipamento deveria saber disso. Ela também pode ter demorado a se inteirar sobre o andamento do processo. Afinal, são vários atores  envolvidos em toda esta operação".  [É difícil conceber que esse desacerto de enfoques ou concepções possa estar durando 7 meses!!]

A Aotec Instrumentos Científicos, empresa responsável pela importação  das novas peças, não respondeu aos questionamentos do jornal O Globo.
(O Globo)

 Um microscópio confocal - (Foto: Google).


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