terça-feira, 15 de novembro de 2011

Bruxelas quer reduzir o poder das agências de classificação

Quando a agência de classificação Moody's rebaixou a nota de Portugal em julho deste ano, criando um fator adicional de instabilidade naquele país e na zona do euro, os líderes da União Europeia (UE) mostraram sua insatisfação contra o poder praticamente ilimitado de tais instituições e manifestaram sua intenção de lhes impor regras de controle.  Segundo reportagem publicada na segunda-feira pelo jornal francês Le Monde, Bruxelas dá sinal de que esse projeto de regulamentação das agências de classificação não só continua na pauta, mas está em vias de ser implementado.

Possibilidade de suspender a classificação em certas circunstâncias, mais concorrência, mais transparência ... : o comissário europeu para serviços financeiros, Michel Barnier, iria anunciar ontem (15/11) novas medidas para regulamentar as agências de classificação, essas sociedades encarregadas de avaliar a solidez de um devedor -- empresas ou Estados -- nos mercados. Trata-se de um terceiro texto nesse sentido, depois de duas versões anteriores, em 2009 e em maio de 2011.

Essa apresentação ocorre apenas alguns dias depois que a agência Standard & Poor's (S&P) enviou inadvertidamente a clientes seus um correio eletrônico, que podia deixar crer que a França havia sido rebaixada. Uma mancada que reabriu as críticas contra as agências: abuso de poder, parcialidade, oligopólio, avaliação de efeitos negativos e contraditórios ...  "Não se trata aí de criar bodes expiatórios, sua utilidade é reconhecida", diz-se em Bruxelas. "Mas, o incidente grave com a S&P demonstra mais ainda a necessidade de uma regulamentação restritiva".

No futuro, o ESMA, o regulador europeu de mercados, poderia assim suspender temporariamente a classificação de um Estado em certas circunstâncias "excepcionais". Esse seria um meio de evitar a repetição de dois precedentes que irritaram de maneira particular as autoridades europeias: os rebaixamentos, pela agência Moody's, para o nível de junk bonds (bônus podres ou de alto risco) das dívidas grega (em junho de 2010) e portuguesa (julho de 2011), logo depois que esses países haviam negociado um programa europeu de assistência [financeira]. "Esse dispositivo permanecerá muito raro", observa-se em Bruxelas, "[sendo usado] somente quando houver uma ameaça imediata à estabilidade financeira europeia: em plena negociação de um plano de assistência, antes da votação de reformas estruturais ...".

"Retirar uma classificação pode claramente dar aos mercados a sinalização de que os reguladores lhes escondem informações", lamenta Michel Madelain, o chefe do Moody's Investors Service, em uma carta dirigida à presidência polonesa da UE. "E, em vez de acalmá-los, tal medida poderia ter um efeito totalmente inverso e criar um movimento de pânico e de vendas maciças [de títulos]".

Bruxelas quer também aumentar a concorrência em um setor frequentemente acusado de oligopólio, por ser controlado pelas Três Grandes: S&P, Moody's e Fitch. Juntas, detêm 90% do mercado, ressalta o economista Nicolas Véron em uma nota publicada pelo Instituto Bruegel. Bruxelas estima que o aparecimento de novos atores reduzirá a influência de cada uma delas -- um rebaixamento teria menos impacto se os mercados não seguissem três agências mas, por exemplo, seis ou sete ... -- Um aumento de concorrência que não passará, enfim, pela criação de uma agência especificamente europeia: "Estudamos a criação de uma agência europeia, mas concluimos que ela teria problemas de conflitos de interesses e seria por ora de pouca credibilidade para os mercados", foi dito em Bruxelas.

Para forçar o aparecimento de novos atores, a Comissão [Europeia] prefere estabelecer um princípio de rotatividade: um emissor [de títulos] não poderá mais recorrer à mesma agência para fazer a qualificação de seus empréstimos e, ao final de um período determinado, inferior a cinco anos, deverá recorrer a uma outra agência.

Esse princípio de rotatividade não poderá ser aplicado às dívidas soberanas porque, na maioria dos casos, as classificações dos Estados são, segundo o termo consagrado, "não solicitadas". Falando claramente, os tomadores públicos de empréstimos não remuneram as agências, que decidem unilateralmente avaliá-los por questões de imagem ou pelas necessidades/demandas de seus clientes ...  [Ou seja, a tal regulamentação prevista pela UE continuaria inócua em situações semelhantes ou idênticas às de Grécia e Portugal, que tanto irritaram os líderes europeus].

Para as empresas, por outro lado, essa nova regra deveria igualmente possibilitar a redução dos eventuais conflitos de interesse nascidos do modelo econômico do setor, onde é o tomador do empréstimo que remunera a agência encarregada de avaliá-lo -- aquele que levanta dinheiro nos mercados pode ter a tendência de escolher uma agência condescendente, e esta pode ser mais relaxada ou permissiva para não endividar contratos futuros ....

Para favorecer a concorrência, o ESMA, o regulador europeu de mercados, estabelecerá também um índice de levantamento de todas as agências, publicará suas tarifas, e listará as diferentes notas para um único produto. Com suas filiais, fazem lembrar as Três Grandes, elas representam mais da metade das 27 agências registradas em 31 de outubro junto ao ESMA, as demais sendo muitas vezes especializadas em um setor ou em uma zona geográfica.

Bruxelas deseja também melhorar o poder de reação [de Estados ou empresas]. Inicialmente, obrigando as agências a prevenir os Estados ou empresas sobre um rebaixamento com uma antecedência de não mais 12 horas mas sim de 24 horas -- isto lhes deixará [a Estados ou empresas] mais tempo para preparar suas respostas.  Em seguida, criando um arcabouço europeu de responsabilidade civil no caso de falta grave.  As agências deverão assim tornar públicos mais elementos que lhes tenham sido entregues para rever uma classificação, e suas metodologias deverão ter sido antecipadamente aprovadas pelo ESMA.

Medidas que provocam a irritação das agências: "Para abrir mais o mercado da classificação, seria mais sensato por um fim à obrigação de aí fazer referência a regulamentações financeiras, em vez de introduzir novas restrições que atentam contra sua qualidade e sua credibilidade", argumenta-se na S&P.

Em Bruxelas, é reconhecido além do mais que se atribuiu um papel "quase institucional" às agências ao longo do tempo nas regulamentações,  criando uma "superdependência".  É de registrar que, a partir de agora, as referências às classificações ou notas são a cada vez eliminadas nas novas regulamentações, a fim de que elas não se tornem mais do que "uma opinião entre outras".




Nenhum comentário:

Postar um comentário