domingo, 16 de outubro de 2011

Brasil banca US$ 5,3 bi em obras de vizinhos

Desde 2003, o Brasil já distribuiu na América Latina US$ 5,3 bilhões em financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção de hidrelétricas, estradas, portos e corredores de ônibus. De 1997 a 2008, esse montante chega a US$ 7,21 bilhões. A generosidade brasileira, no entanto, nem sempre é retribuída com agradecimentos ou gestos de boa vontade.

O recente episódio ocorrido na Bolívia, a suspensão da construção da estrada de Villa Tunari, também financiada pelo BNDES, é apenas mais um na longa lista de problemas locais que envolvem, de alguma forma, o Brasil - os atritos costumam crescer em períodos eleitorais. Ainda assim, são poucos os governos da região que abrem mão dos recursos brasileiros na hora de financiar suas obras.

Há cerca de dois meses, o ministro de Setores Estratégicos do Equador, Jorge Glass, veio ao Brasil pedir a participação do BNDES em obras de infraestrutura no valor de US$ 30 bilhões. Foi o primeiro contato depois que a Câmara de Comércio Exterior aprovou a retomada de operações do Brasil com o país andino. Nos últimos três anos, o Equador ficou sem receber um tostão brasileiro, desde que seu presidente, Rafael Correa, decidiu ir à Corte Internacional de Comércio questionar, em 2008, o pagamento de um empréstimo de US$ 243 milhões para a construção da hidrelétrica de San Francisco. O próprio Glass, na época assessor de Correa para assuntos da dívida externa, chegou a dizer que o contrato com o BNDES tinha "vícios de ilegalidade". Apesar da natural condescendência brasileira com os vizinhos, a ação equatoriana, na visão do Itamaraty, passou dos limites. [Acho que "condescendência" é uma palavra muito modesta para descrever a subserviência do Itamaraty frente às chantagens e abusos dos vizinhos contra os nossos interesses, como o próprio texto desta reportagem confirma].

Na recente crise boliviana, em que indígenas moradores da reserva Tipnis entraram em confronto com a polícia em protestos pela suspensão da estrada que cortaria suas terras, o governo brasileiro se manteve distante. Não havia ameaças ao Brasil, apesar das cobranças feitas por governo e oposição para que Brasília, de alguma forma, tomasse partido. A opção, porém, foi tratar o assunto como um tema interno da Bolívia. A única manifestação do Itamaraty foi uma nota em que registrava a importância da obra para a integração do país e reafirmava a esperança de que o conflito fosse solucionado. Essa não foi a primeira vez que o Brasil esteve envolvido em problemas bolivianos. Um dos primeiros atos do presidente Evo Morales ao assumir o governo, em 2006, foi anunciar a nacionalização das refinarias de gás da Petrobrás. A crise só não foi pior pela boa vontade do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o novo presidente esquerdista e porque, no fim de 2006, a Petrobrás e governo boliviano entraram em um acordo a respeito de reparações financeiras.

No Paraguai, na campanha eleitoral de 2008, em que Fernando Lugo foi eleito, uma de suas principais promessas foi conseguir que o Brasil pagasse mais pela energia de Itaipu, chegando a ameaçar vender a parte paraguaia a outros interessados, como Argentina e Chile. As reclamações contra o "imperialismo brasileiro" só cessaram há cerca de três meses, quando o Congresso do Brasil finalmente aprovou o reajuste dos valores repassados ao Paraguai pela energia excedente usada pelo País. Ainda assim, as ameaças de colocar a energia paraguaia no mercado internacional não acabaram.  [Nosso relacionamento com o Paraguai no tocante a Itaipu é um dos piores e mais repugnantes exemplos da política de "dobradiça na espinha dorsal" com que o Itamaraty trata de nossos interesses com os nossos vizinhos].

Desde o governo Lula, no entanto, a visão da diplomacia brasileira é de ser condescendente com os arroubos dos vizinhos, especialmente em épocas eleitorais. O Itamaraty sabe que, envolvidos em disputas locais, presidentes e candidatos tendem a usar o vizinho rico como saco de pancadas. No entanto, segundo disse ao Estado um diplomata brasileiro, a enorme diferença econômica entre o Brasil e os demais países da região justifica a boa vontade de Brasília - desde que não passe de alguns limites, como foi o caso do Equador. [Esses "limites" do Itamaraty são de uma elasticidade inacreditável ...]. 


O embaixador equatoriano no Brasil, Horácio Sevilla Borja, reconhece que a crise não foi boa para seu governo. "Foram anos desperdiçados", disse. "Nós não estávamos satisfeitos com esse afastamento. Estamos muito felizes com o fato de a Câmara de Comércio Exterior ter aprovado a retomada de operações." Com isso, o governo de Correa já conta com dinheiro brasileiro para mais quatro obras até o fim deste ano e pelo menos três para o ano que vem.

Em postagens anteriores, como por exemplo em 9/9/11 e em 11/5/11, abordei exemplos da atuação absolutamente perniciosa e de lesa-pátria do Itamaraty com relação aos nossos legítimos interesses no trato com países vizinhos.







Nenhum comentário:

Postar um comentário