sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A leniência com a Argentina

Com o título "Os argentinos não são confiáveis", fiz uma postagem em 13 de maio deste ano sobre o jeito escorregadio e frequentemente de mau caráter do procedimento dos hermanitos em sua relações externas, principalmente com o Brasil.  Cabe acrescentar que só é ludibriado quem se deixa ludibriar, e nesse incômodo relacionamento com a Argentina e com todos os nossos vizinhos, fronteiriços ou não, a culpa pelas situações ridículas e frequentemente vexaminosas com que somos passados para trás por argentinos, bolivianos, paraguaios, equatorianos, e por aí vai, cabe única e exclusivamente ao Itamaraty, que é de uma subserviência inigualável e inexcedível ao lidar com esses países. O lema pétreo da nossa diplomacia é o de que "vizinho não pode ser contrariado", dane-se o resto.

O Globo publicou ontem um interessantíssimo artigo de Luiz Felipe Lampreia, diplomata hoje aposentado que foi ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2001) e é hoje vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), com o título que tomei a liberdade de usar para esta postagem: "A leniência com a Argentina". Disponível apenas para os assinantes e leitores do jornal, o texto faz uma radiografia precisa e preocupante do nosso relacionamento atípico e doentio com a Argentina.

Logo ao iniciar seu texto, Lampreia chama a atenção para o fato de que "há uma constante nas relações comerciais entre Brasil e Argentina: ao aproximar-se de cada eleição presidencial, intensifica-se o protecionismo contra mercadorias brasileiras, que já frequente". Em seguida, ele cita dados expressivos do nosso comércio bilateral com os argentinos: em 2010 a Argentina foi o destino de 21% de nossas exportações de manufaturados, o que a transforma no principal comprador desses nossos produtos. [Este fato, que deveria ser motivo de comemoração, virou nossa cruz -- por causa disso, a corrente predominante no Itamaraty é a de que os argentinos têm que ser tratados com luva de pelica a qualquer preço, e temos que engolir seus sapos. Esta opinião entre colchetes é minha, e não do Lampreia].

Mais adiante, Lampreia cita os fortes investimentos brasileiros na Argentina, gerando ali empregos e impostos, coincidindo com a postagem recente que fiz sobre isso. Esses investimentos, diz ele, representam 30% do setor siderúrgico, 42% do cimento, 25% do têxtil, 18% do petróleo, e 11% da mineração. Lampreia faz referência à afirmativa do analista de comércio internacional Ricardo Markwald, que diz que "a característica argentina é a alta volatilidade no uso dos instrumentos de política e periódica subordinação da estratégia de inserção internacional a urgências e objetivos de política doméstica. A relação bilateral com o Brasil é administrada em função de demandas de curto prazo, essencialmente interesses defensivos".

No que considero o trecho principal de seu artigo, Lampreia afirma: "Desde 2003, o governo brasileiro vem tratando dos problemas comerciais com a Argentina com um critério principal: a leniência. O fundamento errôneo desta política é que, por ser um parceiro estratégico, nosso grande vizinho do Sul precisa ser compreendido e acatado mesmo quando decide contra os interesses importantes do Brasil".

Continua e conclui Lampreia: "Em suma, com relação a um parceiro da importância da Argentina, aceitamos timidamente que sejam dirigidas contra nós medidas que violam as regras da OMC e do Mercosul, prejudicam nossas empresas e vão na contramão da chamada relação estratégica. Creio, porém, que nosso acatamento de cada medida distorsiva do comércio só provoca o aumento da fatura que nos é apresentada, posto que é corretamente interpretada pelas autoridades de Buenos Aires como predisposição nossa de acabar aceitando qualquer agravo de política comercial e pagando a conta".

Acho eu que Lampreia, felizmente, botou o dedo na ferida -- se a presidente Dilma e o Itamaraty vão exigir que a Argentina nos respeite, é outra história.

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