domingo, 14 de agosto de 2011

Havana (re)descobre os Beatles

Os cabelos e sotaques estavam errados, mas a plateia só tinha interesse numa coisa: a banda da casa estava cantando Beatles, aqui em Cuba, em um bar novo chamado Yellow Submarine --em meados dos anos 1960, uma iniciativa desse tipo no país poderia ter acabado em prisões. Melhor ainda: talvez em função dessa história, os integrantes da banda tocaram como rebeldes. Velozes e crus, eles passavam pelas linhas de baixo de "Dear Prudence" como se a canção fosse nova. Tocaram "Rocky Raccoon" em ritmo acelerado e, quando chegaram ao verso inicial de "Let It Be" --"when I find myself in times of trouble"--, a plateia inteira começou a cantar junto. As pessoas balançavam o corpo, olhavam fixamente para os músicos ou cantavam o refrão a plenos pulmões, com os olhos fechados em êxtase.

"Se não há Beatles, não há rock'n'roll", disse Guille Vilar, um dos coproprietário do bar. "Isto é música autêntica." -- "Este lugar é diferente", disse Alexander Peña, estudante de fora de Havana que estava sentado no bar com três amigos. Mesmo assim, o bar é inteiramente cubano. O Ministério da Cultura é proprietário e administrador do estabelecimento, aberto em março. Isso significa um couvert barato (US$ 2,50), imagens dos Beatles sem licenciamento oficial e garçons trajando os coletes pretos habituais -aos quais, como de praxe, é preciso fazer o pedido pelo menos três vezes antes que qualquer bebida seja servida de fato.

Pode ser que agora Guille Vilar possa declarar o que diz, mas os revolucionários cubanos não souberam muito bem como interpretar a música dos Beatles quando ela foi lançada, tempos atrás. Hoje, os vínculos entre o rock de contracultura e a política de esquerda são plenamente conhecidos. Mas naquela época, as autoridades cubanas --ou algumas delas, pelo menos-- enxergavam qualquer coisa em inglês como sendo americana e quase traiçoeira. Ao lado dos cabelos compridos, dos jeans boca de sino e da homossexualidade, os Beatles eram vistos como motivo de alarme ou prisão, em um tempo em que uniformes militares verdes representavam uma declaração solene.

Muitos cubanos ainda se lembram de ter de ouvir às escondidas qualquer álbum dos Beatles que conseguissem encontrar, no período que sucedeu à crise dos mísseis cubanos (1962) e ao embargo comercial americano.

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