quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Crise na Inglaterra: podem jogar a culpa na pobreza e nas gangues, mas no fundo o problema é cultural

Com Londres e outras importantes cidades inglesas transformadas em palcos de violentos protestos de rua, em escala e violência há muito não vistas, a Inglaterra ocupou tristemente as manchetes  nos últimos dias. É sempre interessante e instrutivo ler a autoanálise que os ingleses fazem em situações e momentos como esses, como é o caso do artigo do jornal The Independent que reproduzo abaixo em sua essência.

David Cameron (primeiro-ministro inglês) e Ed Millband (líder do Partido Trabalhista e da oposição ingleses) estão de acordo: a maldade é ruim e algo precisa ser feito com relação a ela. O primeiro-ministro atacou na segunda-feira aqueles que mostram "indiferença ao certo e ao errado, as pessoas que têm um código moral distorcido, as pessoas com ausência total de autocontrole", enquanto o líder trabalhista referiu-se à "ganância/cobiça, ao egoísmo e à imoralidade ... nosso país todo está refreado pela imoralidade". 

Essas críticas irrepreensíveis são as respostas ponderadas deles aos saques e tumultos que aterrorizaram moradores e lojistas em algumas de nossas maiores cidades. Naturalmente, Cameron e Millband têm uma diferença de opinião, não em achar que imoralidade é algo ruim mas quanto às causas dessa "ausência de autocontrole" e da "irresponsabilidade". O homem da direita associa isso à ruptura da família e à aceitação de "escolhas ruins como sendo apenas estilos de vida diferentes"; o homem da esquerda faz o vínculo com o comportamento dos "banqueiros que levaram milhões enquanto destruíam as poupanças do povo".

O autor do artigo, Dominic Lawson, diz que tende a concordar com Cameron em que comportamento delinquente está intimamente (mas de modo nenhum invariavelmente) ligado com famílias desestruturadas e com a ausência de uma vida familiar sólida -- mas, se você acha que crianças estão saqueando lojas não porque têm sido privadas de uma orientação forte mas porque, em vez disso, têm aprendido lições de ganância/cobiça dos banqueiros, faça o que bem entender.

Contudo, mesmo que você creia que nossos jovens tornaram-se vítimas de uma infecção moral vinda da City of London [uma área de 2,90 km² dentro de Londres, que concentra as grandes empresas financeiras do país e internacionais], ou que estão sendo injustificadamente difamados pelas consequências de sua própria relativa pobreza, você precisa ter notado também a alarmante incapacidade de articulação de tantos que estão sendo agora levados aos tribunais.  Houve alguns estudantes universitários e pessoas bem empregadas/assalariadas entre os detidos e acusados, mas a grande maioria parece ser daqueles para quem uma educação superior -- ou mesmo um emprego -- é quase tão improvável como uma viagem à Lua.

Dr. David Starkey, conhecido historiador inglês, criou a controvérsia que cobiça e lhe interessa ao culpar aspectos da cultura negra pela deterioração do que poderia ser chamado de "anti-cultura" ou "anti-aprendizado". Quando o alertaram de que muitos dos saqueadores eram brancos, ele replicou que "os brancos ficaram pretos. Tornou-se moda um tipo particular de cultura violenta, destrutiva, nihilista, gangster ... e brancos e negros, homens e mulheres, atuam juntos com essa linguagem, essa linguagem que é completamente falsa, um patois jamaicano [aqui usado pejorativamente, o patois é falado pelos jamaicanos e é basicamente de tradição oral -- o termo patois é usado geralmente para designar uma língua não padronizada, linguisticamente falando] que se intrometeu na Inglaterra".

Starkey tem sido execrado pelo que disse, principalmente quando foi além ao dizer que o deputado negro de Tottenham David Lammy, um empreendedor bem sucedido, "dá a impressão de ser branco".  A ofensa aqui, no entanto, não foi tanto pelos sentimentos do Dr. Starkey, não importa quão provocativo foi o modo como foram expressados, mas pelo fato disso ter vindo do Dr. David Starkey. O jornal negro inglês The Voice publicou uma carta de um londrino negro endossando alguns dos pontos levantados por Starkey, que foi apoiada por outros leitores. O autor do artigo do The Independent diz no seu texto que na semana passada recebeu uma ligação de um amigo, cuja família foi para a Inglaterra proveniente do Caribe -- ele lhe disse que "era ridículo discutir os tumultos sem qualquer referência à cultura negra". Reconhecidamente, ele estava em um estado de algum sofrimento e angústia: criado em Tottenham, tinha acabado de testemunhar o que chamou de "destruição violenta do meu lar".

Dominic Lawson, o autor do artigo do The Independent que estou resumindo, conclui por concordar com as críticas de Starkey de que o problema neste país vai além, mas muito além da cultura gangster. Enquanto 50% dos garotos negros de 14 anos vindos do Caribe para o Reino Unido têm o nível de leitura de uma criança de sete anos ou menos, uma impressionante parcela de 63% dos jovens brancos que trabalham são igualmente analfabetos -- não há outras palavras para isto. Você pode culpar a pobreza por ser antes a causa do que apenas a consequência dos baixos resultados na educação, e citar o fato de que os jovens brancos e caribenhos elegíveis ou qualificados para escolas de refeição grátis têm, em média, um desempenho nos exames muito pior que o de seus colegas mais ricos. No entanto, como você explica o fato de que não há essa diferença de resultados educacionais dentro da comunidade chinesa da Grã-Bretanha? Os chineses pobres saem-se tão bem como os chineses ricos -- e, na realidade, os chineses pobres saem-se muito melhor que as crianças brancas mais ricas.


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