quinta-feira, 28 de julho de 2011

Etanol brasileiro: um pepino, um abacaxi, ou ambos?

Quem investiu em carro a álcool, ou mesmo em carro bicombustível (o flex), deve estar vivendo preocupado e confuso nos últimos tempos porque em termos de disponibilidade e preço o álcool combustível brasileiro tornou-se uma incógnita e uma dor de cabeça. Tem-se a nítida impressão de que também nessa área o governo está perdidão, vem administrando o assunto na base do espasmo ou do soluço. E há ainda quem, no governo, quer vender lá fora a veleidade de que o Brasil pode ser o fornecedor de álcool para o mundo ...

O problema do nosso etanol é que ele vem da cana-de-açúcar e, assim, disputa espaço no mercado com o açúcar -- quando este está em alta, o etanol some, e vice-versa. Mas, o problema é mais complicado do que parece.

Em 04 de abril deste ano, Marcos Sawaya Jank, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), apresentou no O Globo um interessante artigo com o título "Etanol: o gargalo", que continua inteiramente válido. Na época em que o artigo foi publicado havia ocorrido uma disparada dos preços do açúcar e do etanol, e o autor definiu como principal razão disso uma forte freada no crescimento do setor sucroenergético brasileiro. De 2000 a 2008, crescemos acima de 10% ao ano, mais que dobrando a produção anual de cana-de-açúcar. O consumo de etanol superou o da gasolina e atendeu à forte expansão da frota flex.

Mas a crise econômica global de 2008 atingiu severamente a indústria, causando forte reestruturação financeira e societária. Desde então, o crescimento do setor caiu para cerca de 3% ao ano, com investimentos concentrando-se em fusões e aquisições e não na construção de novas usinas.

Uma segunda razão para o ocorrido, sempre segundo o mesmo autor, decorreu das quebras sucessivas de safra em função de dificuldades climáticas. A pior delas foi a seca que castigou a cana em meados do ano passado, o que explicou a menor oferta de produto naquela entressafra. Uma terceira razão, raramente explicada com clareza, seria a migração de produtores para a produção de açúcar em vez do etanol. Se por um lado foi mais lucrativo produzir açúcar nos dois últimos anos, por outro essa flexibilidade é muito limitada, restrita a no máximo 10% da cana colhida. Em 2010, isso resultou em 5 milhões de toneladas adicionais de açúcar. Apesar disso, a maior parte da cana continuou sendo dedicada ao etanol. Já a desaceleração pós-crise do crescimento do setor equivale a uma redução de cana que permitiria produzir 11 bilhões de litros adicionais de etanol neste ano, o equivalente a 48% do consumo anual este ano.

É fundamental destacar dois outros pontos que costumam passar despercebidos. O primeiro é que a oscilação de preços é uma característica marcante em todas as commodities. O que acontece com o etanol ocorre também com o tomate, a soja, o minério de ferro e o petróleo. Por que então se reclama tanto do etanol? Basicamente porque a comparação desse produto é sempre feita com a gasolina, cujo preço no Brasil praticamente não varia há anos devido à política de preços administrados da Petrobras. Se a gasolina brasileira seguisse pari-passu os preços internacionais do petróleo, a volatilidade de seu preço seria maior que a do etanol, e as reclamações dos brasileiros, imensa.

O segundo ponto é que o Brasil é o único país que oferece ao consumidor a possibilidade de escolher entre dois combustíveis no momento do abastecimento. O etanol é uma opção renovável, menos poluente e mais barata na maior parte do ano. Se ele não existisse, restaria apenas a gasolina,pior em todos esses requisitos.

A volatilidade de preço do etanol, no fundo, prejudica produtores, distribuidores, revendedores, consumidores e governo.  Entende Marcos Sawaya que é hora de buscar condições para um novo ciclo sustentado de crescimento do setor sucroenergético, muito além da questão do financiamento, que definitivamente não é o atual gargalo do setor. O importante é resgatar a competitividade do etanol com a harmonização de impostos, a melhoria da infraestrutura e do sistema de abastecimento, a redução dos custos agrícolas e industriais e a maior eficiência dos motores flex.

Em 2009 circulavam no país mais de 8 milhões de veículos automotores que podiam rodar com 100% de etanol, ou com uma mistura de etanol e gasolina que hoje é feita com 25% de etanol.  Em mais uma tentativa de resolver o problema da escassez de álcool para abastecer o mercado, o governo cogitou de reduzir de 25% para 20% a porcentagem do etanol na mistura com a gasolina, mas já adiou por 30 dias essa decisão.  O ministro Edson Lobão disse que o governo vai editar, dentro de dez dias, uma medida provisória que trata de incentivos, como financiamento, para estimular a produção e armazenagem de etanol. Segundo Lobão, será criada uma linha de crédito, com juros mais baixos e prazos maiores, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco do Brasil, para atender aos produtores e distribuidores que querem estocar etanol.

Se cair a mistura de etanol, a Petrobras importará mais gasolina.

O Brasil deverá importar um volume aproximado de 650 milhões de litros de etanol no período que vai do começo da safra 2011/12, em abril, até o final da temporada, em março do ano que vem, buscando suprir o aquecido mercado de combustíveis.  O país já importou 400 milhões de litros de etanol anidro em 2011 para atender a demanda no mercado doméstico, e deve importar mais cerca de 250 milhões de litros até o final da safra, disse à Reuters o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues, nesta quarta-feira.

Hoje o Globo informa que o governo decidiu aumentar fortemente a presença  da Petrobras no mercado brasileiro de etanol (de 5% para 12%), com investimentos de R$ 4,1 bilhões. Haverá ainda linhas de financiamento do BNDES e do Banco do Brasil para o setor.

Acho que, diante desse quadro, dá p'ra concluir tranquilamente que o etanol brasileiro é ao mesmo tempo um pepino e um abacaxi, e deverá continuar assim por bom tempo.




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