segunda-feira, 2 de maio de 2011

Os modismos na gastronomia

De uns tempos para cá a gastronomia tem sido um campo em que surgem experiências, divagações e tendências praticamente com a mesma velocidade e fugacidade observadas no campo da moda. Na minha maneira simplista e conservadora de ver, acho que na realidade esses dois campos de atividade só têm em comum o bolso do freguês -- a gastronomia mexe diretamente com uma parte importante e delicada do corpo humano que é o estômago, e com sentidos refinados e igualmente delicados como o olfato e o paladar (sem falar, óbvio, na visão) e, por isso mesmo, gera prazeres muitíssimo mais complexos e duradouros que a moda, razão pela qual acho que a gastronomia merece muito mais atenção e respeito que a moda.

O site francês L'Actualité faz hoje considerações interessantes sobre essa "efervescência" na gastronomia, em um artigo com o título "La gastronomie subit-elle des modes, comme le prêt-à-porter?" ("A gastronomia sofre modismos, como o prêt-à-porter?", em tradução livre). O texto comenta que houve a moda do vinagre balsâmico, agora é a do yuzu, o limão japonês que aparece em todos os menus. E a cozinha dita "molecular", que provocou muitos debates apaixonados, parece hoje ter sido um fenômeno bastante fugaz.

Há modismos nos pratos do mesmo modo que há modas sazonais nas roupas?, pergunta o texto. A gastronomia passa também por ciclos, com a admiração exagerada dando lugar em seguida ao "démodé" (fora de moda)? Uma mesa-redonda, com a presença do chef  estrelado Michel Troisgros, ocupou-se em traçar paralelos entre esses dois universos aparentemente opostos, no contexto do festival de moda de Hyères encerrado hoje. "A priori, a gastronomia evoca antes de mais nada "terroir", patrimônio, enraizamento, enquanto a moda nos remete ao instantâneo, ao nomadismo, à volatilidade dos gostos", sublinha Olivier Assouly, diretor de pesquisa do instituto francês da moda. Mas, na moda como na gastronomia, tudo circula e se recicla permanentemente, diz Caroline Champion, autora e consultora -- a obsessão pela novidade induzindo a "uma obsolescência programada, ao efêmero, à fulguração", acrescenta ela.

A gastronomia está hoje "na moda", o que é atestado pela multiplicação de livros e publicações sobre o assunto e/ou pelo sucesso dos cursos de culinária. A origem de várias das tendências hoje observadas na gastronomia, que são disseminadas pela globalização, é Ferran Adria, o ultra-inventivo chef catalão do famosíssimo restaurante El Bulli, que fechará neste verão para se converter em uma fundação voltada à pesquisa. "Ferran foi o primeiro a lançar o conceito do menu degustação único para todo um restaurante", afirma Michel Troisgros, que possui e comanda um badalado e ótimo restaurante em Roanne (Loire), França. O precursor da moda "molecular" abandona totalmente o cardápio, impondo uma quarentena de "tapas" aos clientes. Hoje, muitos restaurantes adotam (na realidade, impõem) o sistema do menu surpresa que, aliás, provoca resmungos em vários críticos gastronômicos. Mas, trata-se de uma "moda" sem dúvida passageira, avalia Michel Troisgros. Leia mais.
Ferran Aderia, o chef catalão do restaurante El Bulli, em Madri, no dia 25/01/2010. (Javier Soriano/AFP/Arquivos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário